Imaginemos a seguinte situação: Arthur adquiriu um terreno na capital e contratou uma construtora para edificar uma casa no local. O contrato firmado entre Arthur e a construtora foi para que a empresa construísse a casa fornecendo todo o material e mão de obra necessários (empreitada global). A construção foi concluída e a casa foi entregue a Arthur, tendo, contudo, deixado de pagar significativas parcelas do contrato. Diante disso, a empresa moveu um processo contra Arthur e penhorou a casa que fora construída, mesmo sendo bem de família. É possível isto?
É a lei 8.009/90 que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, que consiste no único imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar utilizado para a moradia permanente.
O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, à exceção das hipóteses previstas na Lei nº 8.009/90.
Dentre as exceções, encontra-se a possibilidade de penhora do bem de família pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (art. 3º, II, da lei nº 8.009/90).
Voltando os olhos para o caso hipotético, embora Arthur não tivesse tomado financiamento para a construção de seu imóvel, o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) segue no sentido de permitir a penhora do bem para a cobrança de dívida relacionada com o contrato de empreitada global, por meio do qual o empreiteiro se obriga a construir a obra e a fornecer os materiais (STJ. 3ª Turma. REsp 1.976.743-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022).
Para o STJ, a lei ao dispor da palavra “financiamento” não objetivou “restringir a regra de impenhorabilidade apenas às hipóteses nas quais a dívida assumida seria quitada com recursos de terceiros (agentes financiadores), mas sim que, quando o encargo financeiro anunciado – operação de crédito – fosse voltado à aquisição ou construção de imóvel residencial, ao credor seria salvaguardado o direito de proceder à penhora do bem”.
Afinal, entender de forma diversa poderia prestigiar um comportamento do devedor com vistas a seu enriquecimento indevido, haja vista que lhe bastaria assumir o compromisso de quitar a obrigação com recursos próprios para estar autorizado (perante a lei) a se enriquecer ilicitamente.
Dessa forma, admite-se a penhora do bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global celebrado para promover a construção do próprio imóvel, sendo de suma importância a previsão contratual nesse sentido com vistas a informar previamente as partes as consequências de eventual não cumprimento do contrato.
David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.
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