A Lei nº 11.101/2005, que regula o processo de recuperação judicial, vem sofrendo, ao longo dos anos, sensíveis e benéficas mutações em seu texto. Entretanto, infelizmente, ainda mantém a expressa exigência de certidões negativas de débitos tributários à concessão da recuperação judicial em prol do devedor.
Para muitos estudiosos da matéria, a circunstância representa aquilo que se denomina de “sanção política”, ou seja, uma maneira indireta e indevida de se exigir o pagamento da dívida tributária dentro de um sistema que essencialmente não foi criado para essa finalidade.
Tal exigência, na nossa forma de ver, é indisfarçavelmente retrógada, além de paradoxal, pois coage o devedor a pagar/parcelar a dívida tributária que possui para, apenas depois, o juiz conceder a recuperação judicial. Isto não faz sentido, visto que, na grande maioria das vezes, a sociedade empresária se encontra em situação de vulnerabilidade econômica e financeira em razão desses débitos fiscais constituírem a maior parte de todo o seu passivo.
Sem sombra de dúvida, a recuperação judicial prestigia a necessidade de se preservar a empresa recuperanda, para que sejam mantidos os postos de emprego, a fonte produtora, a função social e o estímulo à atividade econômica, mas não o pagamento de dívidas tributárias.
Afinal, embora esteja no senso comum que a carga tributária brasileira é, há muito tempo, uma das mais altas do mundo, em 2021 atingiu nível recorde, representando 33,90% de todo o PIB, cerca R$ 2,94 trilhões, algo surreal porque não só ataca a vitalidade econômica do pequeno, médio e grande empresário, como é responsável direto pela deficiência de crescimento do país, afetando a qualidade de vida das pessoas.
Em razão disto, posicionou-se muito bem o Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer que a regularidade do devedor perante o Fisco não é requisito obrigatório para sua recuperação judicial, entendimento que veio em boa hora no recente julgamento do REsp nº 1864625, pelo judicioso voto da ministra e relatora do caso, Nancy Andrighi, que foi seguido à unanimidade.
Trata-se de decisão que traz esperança ao nosso sistema falimentar, porque está em sintonia com os princípios que lhe são mais caros e que têm o escopo de preservar a empresa. Isso confere a ela importante ferramenta jurídica de identificação, tratamento e superação da crise, algo que deve ser interpretado como inviolável direito que não pode estar condicionado ao pagamento da dívida tributária, sob pena de desequilibrar a balança da Justiça.
Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência.
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