Por que os estudantes regrediram no Ensino Remoto?

Ensino Remoto
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O foco imediato está na saúde, com razão, porque são vários os colapsos que estamos sofrendo devido à pandemia. Mas há um colapso quase que invisível, que não estamos conseguindo lidar neste momento. Talvez esse seja o momento de nos estruturamos melhor para que não seja até irreversível… é o colapso acadêmico. A educação neste momento encontra-se, em quase que todo o território nacional, sustentada no Ensino Remoto.

Professores e escolas procuram, sem uma orientação mais efetiva em âmbito federal, trazer soluções que mais mascaram do que resolvem. Isso porque falta algo mais estratégico e uma nação inteira poderá pagar caro o preço dessa falta de rumo e de olhar para a área durante décadas, pois os efeitos na educação são sempre assim: a longo prazo.

Para falarmos da regressão que já está sendo sentida tanto pelas famílias quanto pelas escolas, é preciso considerarmos três itens: fase de desenvolvimento, aprendizagens invisíveis e o equilíbrio estímulo/maturidade.

Cada criança está em uma fase de desenvolvimento e essas fases são essenciais para determinar o que elas aprendem em determinado ano escolar. Isso porque são essas fases que dizem aos profissionais da educação o que fazer na escola, o que a criança deve estar preparada para aprender e tudo isso é um ecossistema, que requer os estímulos adequadas da fase anterior. Uma criança, por exemplo, de primeiro ano, terá maiores condições de ser alfabetizada somente se tiver recebido os estímulos que precisava na educação infantil.

Muitos pais retiraram as crianças das escolas no infantil, no ano passado, por falta de orientação. Além disso, por causa da divulgação do quão importante teria sido o contato com o estímulo ou por culpa mesmo de uma falta de preparo das escolas em dar conta das necessidades de maior vínculo com a família e orientação adequada para o acompanhamento remoto. Essas crianças podem carregar as consequências por anos a fio e até mesmo nunca se recuperarem dos efeitos deste lapso ocorrido devido à pandemia, seja por fatores econômicos, escolares ou falta de informação à população.

Esse desenvolvimento requer aprendizagens que não são evidentes, são invisíveis e só perceptíveis pelos profissionais que lidam com a criança, isso a curto prazo. Isso nos leva ao terceiro ponto: uma criança que não recebeu estímulo na idade correta não terá maturidade cerebral para a próxima fase e este fato irá retardar a aprendizagem. Por consequência, ela pode até mesmo perder o que chamamos de “janela de oportunidade” em neurociência. A janela é o período da vida da criança em que seria mais fácil e menos “doloroso” aprender. Depois que a janela passa, a criança aprende, mas o esforço é imensamente maior.

O invisível é o que explica o que aconteceu para haver tamanha regressão na aprendizagem no período do ensino remoto. Para ser mais fácil compreender, vamos comparar o cérebro a uma obra em construção. Nosso cérebro tem uma estrutura que é formada por elementos tal qual uma obra.

Quando a obra inicia há um custo de mobilização: são feitos canteiros, equipes começam a trabalhar, há locação de recursos como máquinas. Quando a criança inicia um novo ano letivo a movimentação é a mesma: o cérebro prepara seu canteiro de obras, há neurônios que são mobilizados para o “trabalho” de aprender, o professor estimula a construção da aprendizagem e traz recursos que facilitam a criança entender e aprender novos conteúdos e habilidades.

Se a obra precisa parar por algum motivo, há uma desmobilização na construção. É o fechamento do local. Quando tivemos o início da pandemia houve um fechamento cerebral para o aluno. Ele deixou de evoluir no que fazia e os neurônios que estavam sendo ativados deixaram de ter a mesma estimulação. E o nosso cérebro é muito inteligente! Se não está usando, ele identifica e retira sua “equipe” de lá, afinal de contas, foi desmobilizada a aprendizagem.

A obra pode passar para uma nova empresa e isso irá custar à construção uma perda do processo, além do ocorrido na desmobilização, que teve desgaste de locais, materiais, além de requerer uma nova curva de aprendizagem. No caso da educação, todo aquele processo que tinha sido iniciado no ano passado, presencialmente, se perde também, ele se desgasta e o cérebro pode chegar a fazer uma faxina, fazendo com que a criança nem se lembre direito do que foi que aprendeu. Dependendo de como foi o estímulo remoto, coisas terríveis podem ocorrer e, com a mudança do ano letivo, isso pode se agravar.

Temos novos professores, que têm um currículo a cumprir, mas para fazer isso precisarão primeiro avaliar a perda de processo dos alunos. Um professor de terceiro ano pode até se deparar com uma turma com um processo de alfabetização perdido e ter que, em lugar de utilizar conteúdos de terceiro ou até segundo ano, retornar para o primeiro ano, porque a classe não irá acompanhar nem seu ano letivo e nem o anterior. São crianças que podem ter perdido dois anos de aprendizagem e levarão o dobro de tempo para resgatar o que perderam.

Esse novo professor irá lidar com a perda do histórico, assim como na obra de construção uma empresa lida com a perda do histórico da obra iniciada. Às vezes é preciso refazer o encanamento, não há como recuperar determinadas partes, além disso, há um questionamento sobre o que foi feito certo, pois nem sempre o certo para uma empresa é o certo para outra, porque usam procedimentos diferentes. O professor lida também com isso, de modo até ampliado, neste momento. Haverá aí uma perda de histórico tanto por parte das escolas quanto das famílias.

Crianças nas quais os familiares foram mais negligentes com a aprendizagem, seja por motivos pessoais, econômicos ou quaisquer outros, podem ter causado falhas quase que irreparáveis dependendo de como lidarão com a questão daqui para frente. O professor, portanto, terá que montar um quebra-cabeça tão gigantesco que não podemos afirmar se conseguirá. Não são mais lacunas que temos, são crateras de aprendizagem. A palavra cratera ilustra muito bem o que deverá ser preenchido neste invisível do aluno.

A partir de agora, a missão da educação deverá ser prezar pelo estratégico, porque sem ele não será nem possível enxergar um futuro. Não temos documentos regulamentadores próprios para essas crateras, eles consideram o ano letivo. Um exemplo é a BNCC, que são bases básicas mesmo de habilidades para determinado ano escolar. Muitas escolas prendem o professor a esses documentos, encurralando-os entre o que devem realmente fazer e o que é necessário fazer com a criança. O documento pode nos confinar, assim como as soluções mágicas que muitos têm oferecido.

Educação não é magia, é processo. Nada é rápido nela, nem a aprendizagem da criança, que requer maturidade, desenvolvimento; e nem mesmo a solução, que precisa dar ao cérebro a estrutura necessária para poder florescer em aprendizagens saudáveis e mais estáveis.

A solução pode estar na neurociência. Mas com profissionais que sejam realmente formados para entender o processo e o que fazer com o que faltou naquele determinado ponto.

Grande parte dos alunos regrediram em aprendizagem, em conhecimento e até mesmo no modo de estudar. Então chegou o momento de nos atentarmos mais para práticas que facilitem o lidar com a situação tanto a curto quanto a longo prazo.

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*artigo escrito por Janaína Spolidorio, formada em Letras, com pós-graduação em consciência fonológica e tecnologias aplicadas à educação e MBA em Marketing Digital. Ela atua no segmento educacional há mais de 20 anos e atualmente desenvolve materiais pedagógicos digitais que complementam o ensino dos professores em sala de aula, proporcionando uma melhor aprendizagem por parte dos alunos e atua como influenciadora digital na formação dos profissionais ligados à área de educação.

38 Respostas para “Por que os estudantes regrediram no Ensino Remoto?

  1. Excelente artigo, amei ! Brilhante , Janaína Spolidorio, parabéns! Gostaria de ter acesso aos materiais digitais que complementam o trabalho dos professores durante a pandemia , por favor !
    Desde já agradeço !

    1. Penso que nós professores estamos perdidos nas tecnologias.Estou falando por mim,final de carreira e uma inovação gigantesca na área da educação nunca estive tão perdida nem mesmo em início de carreira.
      Nós professores,pais e as crianças estamos com certeza perdidos,mas querendo muito acertar.

  2. O professor e os alunos estão perdidos. A orientação dada pela direção é muito mal feita. Pouco sabemos sobre a plataforma. Não existe Boa vontade da Diretora

  3. Excelente reflexão! Com excessão de alguns Professores e Pedagogos, não vemos muita preocupação e, sobretudo, planejamento e ação por parte dos órgãos, instituições e profissionais responsáveis pela Educação em nossos país. Acredito que já passou da hora de termos um planejamento estratégico para enfrentarmos essa situação, não só na Educação Básica, mas no Ensino Superior também. Parabéns pelo texto!

  4. Nossos alunos, a grande maioria, nao tem acesso a internet gente!
    Isso nao muda. Eu acredito no ensino remoto. Mas as condições não permitem q “TODOS OS NOSSOS ALUNOS” tenham este acesso. Quando isso vai mudar.?

  5. Excelente matéria. Gostaria de saber sobre esses métodos digitais para o desenvolvimento dos alunos. Sei que a resposta está no próprio aluno, mas como tirar essa informação e transformar em aprendizado.
    Parabéns!

  6. Péssimo artigo. Escola têm sido depósito de crianças. Hora de parar. Dar um tempo. Repensar tudo mesmo! O aprendizado se dá em qq hora e lugar e não apenas nos espaços formais que encontram-se com problemas crônicos há anos. A propósito: EAD nao era a solução para educação? E o homeschooling?Pergunta para os especialistas…..

  7. Amei o texto.Isto prova que verdadeiramente
    O melhor pras crianças Adolecentes e estar na escola. PQ e na sala de aula junto a um professor que o aprendizado funciona
    Espero que o governo e a justiça nao atente para essas leis diabolicas que querem tirar o direito de estar em sala de aula aprendendo e se preparando para um futuro melhor

  8. Muito bom o texto.
    Porém nenhum aprendizado se concretiza à distância, sem auxílio de um entendedor do assunto, sem prática, sem contato com o que se aprende; é como querer cozinhar sem orientação do cozinheiro; aprender a andar de bicicleta sem a bicicleta; querer dirigir sem ter certos domínios, sem estar no trânsito… Teoria não funciona sem prática!
    O convívio escolar é fundamental para um bom aprendizado!

  9. Meu filho evolui com o ensino remoto. Na sala de aula tem muito aluno que nao vai para estudar, vao para brincar, bagunçar ….Meu filho fica tranquilo…aprendeu a pesquisar o professor responde suas perguntas sem ser interrompido.

  10. Muito bom o artigo.Perfeito.Hoje me peguei pensando como estimular as crianças aos estudos no ensino híbrido.Nos olhinhos deles vi exatamente isso um abismo,que levará muito tempo para amadurecer,ou se perder,pois trabalho com crianças de 10 e11 anos.Ja trabalhei essa semana com geometria do 1 ano no 5 ano.Nao houve sequência.Como fazer com tanta desigualdade.

  11. O feed me chamou atenção, mas confesso…fiquei decepcionado. Não pela autora, que mostra bastante competência, mas pelo texto em si. Não condiz com o título. Que dados mostram esse regresso? Cadê as referências que apontam regresso? Estamos passando por transformação na educação e, apesar dos impasses e dias dificuldade, o cérebro da criança possuem uma plasticidade peculiar para se aprender. O texto é bom, mas aponta pra outra direção….

  12. A escola é fundamental para nossas crianças mas o ambiente escolar como tudo precisa ser mudado o governo quer isso mesmo quanto menos pessoas q tenha conhecimento melhor é muito triste o q está acontecendo olhando para o lado espiritual só Jesus para nos livrar desta ação maligna não é brincadeira o q estamos passando precisamos pegar firme com Cristo e não podemos nos calar porque as consequências serão terríveis

  13. Infelizmente, abriu-se uma enorme fenda entre a educação e as famílias. O problema não é o ensino remoto, e sim o distanciamento provocado pela pandemia, e além disso as escolas ficaram inertes por falta de apoio e recursos federal. Assim, trabalhos extra escolar de acompanhamento das famílias, praticamente não existiram, deixando as famílias desamparadas. A escola pública abandonou seus alunos, sem sequer conhecer os lugares de aprendizagem desses alunos. Agora, é colher os frutos de uma péssima lavoura, se é que tem frutos.

  14. Não me sinto tão perdida o quanto desolado, sabendo que estou sendo obrigada a fazer de conta. Porque esse ensino remoto é nada mais que passar a bola para frente. Se meu aluno não tem interesse presencial imagine remoto. Isso é fato são poucos que querem algo, aproveitam a invisibilidade usando desculpas de internet caiu, estou sem celular enfim são diversas artimanhas.

  15. Gostei muito do artigo e já acompanho a prof Janaina Spolidorio faz tempo.
    Acho que estamos todos tentando acertar. Nós professores nos cobramos muito.
    Concordo que as fases para o desenvolvimento de cada habilidade são importantes de serem consideradas e que precisamos buscar capacitação sempre, porém precisaremos que os avanços da sociedade no pós-pandemia nos mostre os próximos passos.
    Com comprometimento chegaremos lá.
    Escolho sempre pela esperança e utopia.
    @profissao.docente

  16. Excelente! Especialmente no que diz respeito a falta de autonomia dos professores que são obrigados a seguir os conteúdos da BNCC , e que, neste momento de “imensas crateras ” na aprendizagem das crianças, está longe do ideal. Esse “engessamento” de conteúdos, no meu ponto de vista (de professora do ensino fundamental 1 público) só vai piorar a situação. O professor, que lida diretamente com o aluno, tem a real percepção da defasagem e é ele quem deveria decidir o que fazer ou não com o estudante. Quem monta o currículo base, está longe do chão da escola, e, neste momento de pandemia, digo que está a anos luz da realidade escolar. Ah, e só pra finalizar: ainda continuam insistindo no arcaico socio-construtivismo, que já vem piorando a qualidade da educação a anos.

  17. São vários fatores, um deles é a desigualdade social, a maioria das crianças não possuem celular e nem internet para acompanhar as aulas, nem todos os professores preocupa com a qualidade das aulas, antes o professor assumia o papel dos pais na escola, ele ensinava e educava , algo que muitos pais deixaram de fazer a muito tempo. Hoje com seus filhos em casa não querem mais assumir o papel de educar e nem acompanhar os estudos de seus filhos.
    Porém a desigualdade social no Brasil existe, é lamentável, mas algo que eu acredito que ainda pode ser feito é os pais assumirem o papel de educar seus filhos e deixar para os professores somente o ensino-aprendizagem. Cada um deve assumir o seu papel, o professor ensinar e os pais educar.

    1. Sou professora de Geografia e trabalho com adolescentes do Fundamental II. Parabens pelo artigo.
      Concordo quando vc fala que o foco está na saúde, mas esse foco, na verdade nunca esteve na Educação. E esse colapso invisível será sim um problemão futuro. Pois como diz o ditado: os erros da saúde vão pra debaixo do chão e os erros da educação vão refletir na sociedade.

  18. A questão não é só a evasão, meu filho tem 13 anos e está no 8 ano, tinha um ótimo desempenho na escola, nas aulas presenciais, porém agora seu rendimento caiu muito, ele não tem nenhum interesse pelas aulas on line, pois pelo menos aqui no Rio de Janeiro não há interatividade entre alunos e professores, os trabalhos são enviados por plataforma em forma de formulários. Isso tudo sem nenhuma explicação.

  19. Parabéns, Janaina Spolidorio pelo belo artigo!
    Nós professores, vamos precisar muito das contribuições de colegas. E diante desse cenário que estamos enfrentando com estas mudanças bruscas, serão muitos desafios na educação daqui para frente.
    E com certeza contaremos com profissionais como vc!

  20. Até que fim um artigo que fala a verdade sobre o que está acontecendo com nossa educação. Este cenário devastador da Pandemia, aumentou e agravou as desigualdades; principalmente à educacional.

  21. O artigo é interessante, contudo, a manifestação do que está ocorrendo no momento é resultado de um processo que se arrasta por anos de uma conjuntura de vários fatores. Há um problema cultural gigantesco, em que a escola realiza um papel de faz tudo, não só no sentido de prover o conhecimento mas também de educar de forma elementar e cuidar das crianças (uma forma de se livrar dos filhos em casa). Soma-se à isso elementos como desinteresse e desvalorização da educação, em que os alunos vão à escola com o objetivo máximo de brincar e conversar, em detrimento de um equilíbrio disso tudo combinado com muitos pais que são tão desinteressados o quanto, resultando em pessoas que desprezam o conhecimento de forma geral tendo como produto o pensamento das trevas brasileiro. Por fim, o mundo está mudando de forma acelerada em vários campos e a educação é uma delas mas o atraso que o Brasil tinha antes da pandemia nesse campo que era de uns milhares de quilômetros, agora é de centenas de milhares e corrigir tais distorções “correndo atrás do prejuízo” mais se adaptando ao que está vindo, será um desafio monumental.

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