Em tempos de pandemia, a vida das pessoas foi afetada de diversas formas. Uma delas certamente diz respeito às atividades escolares. As aulas não são mais tão atrativas, relatos de falta de concentração, foco e fadiga mental foram e estão sendo comuns entre os alunos. Muito disso se deve ao fato de familiares compartilharem o mesmo espaço entre trabalho e estudos. Esse é um movimento em que a diminuição da fronteira entre estudos e vida social vem se agravando. Dessa forma, a Teoria da Carga Cognitiva também deve ser considerada, já que o resultado acadêmico dos alunos, por enquanto, não é satisfatório e estratégias eficazes precisam ser utilizadas para gerar ou acelerar o aprendizado esperado.
Modelo da memória e design instrucional
Antes de abordar a Teoria da Carga Cognitiva ou de Esforço Cognitivo (cognitive load), precisamos apresentar dois conceitos basilares para tal proposta: modelo da memória e design instrucional.
Em 1968, os cientistas cognitivos Richard Atkinson e Richard Shiffrin propuseram um modelo que dividia a memória humana em três partes: memória sensorial, memória de curto-prazo e memória de longo-prazo.
Durante todos os momentos da vida, informações são captadas por receptores sensoriais por meio dos cinco sentidos e processadas pelo sistema nervoso.
memória sensorial
É a primeira forma de memória e a mais breve que armazena a informação o tempo suficiente para ser transferida para a memória de curto-prazo ou ser descartada, caso não seja relevante.
memória de curto-prazo
Também chamada de memória de trabalho, ela tem a capacidade de reter uma pequena quantidade de informação. Geralmente de cinco a nove itens ao mesmo tempo durando cerca de 10 segundos.
memória de longo-prazo
Os conteúdos e conceitos são armazenados em esquemas de acordo com a forma que você os usa, bem como em esquemas comportamentais para ações como tocar algum instrumento, entre outros. Quanto mais vezes você acessar esses esquemas, mais fácil se tornará a execução dessas ações. Isso é conhecido como “automação proficiente”, algo do qual falamos em artigo anterior.
O design instrucional se trata da criação ou seleção de experiências de aprendizagem e materiais combinadas com a ciência fisiológica do cérebro para promover a aquisição de habilidades entre os alunos.
Os designers instrucionais baseiam suas decisões de aprendizagem na Psicologia Cognitiva e nas melhores práticas, a fim de transmitir com eficiência o conhecimento. Criar experiências de aprendizagem eficazes é trabalhoso, mas muito importante, principalmente com a crescente demanda do ensino a distância.
Essa modalidade relativamente recente de ensino traz dificuldades que nunca foram encaradas por profissionais da educação como a criação de atividades que agora são inadequadas para o ensino digital.
Teoria da Carga Cognitiva
A Teoria da Carga Cognitiva foi desenvolvida por John Sweller, em 1988. Ela busca entender qual é a quantidade de informação que nossa memória de trabalho consegue conter de uma vez.
Se possuímos uma carga máxima de conteúdo na memória de trabalho, os métodos instrucionais devem evitar a sobrecarga desse setor com aspectos que não contribuem para o aprendizado, especialmente quando estamos tratando de EAD.
Essa teoria psicológica, originalmente aplicada em contexto de aprendizagem, traz alguns pontos que podem ser utilizados por educadores na hora de transmitir o conhecimento à distância ou de modo presencial, bem como na elaboração de um novo design instrucional:
use o princípio de modalidade a seu favor
A memória de trabalho processa informações visuais e auditivas separadamente. Ou seja, aspectos auditivos não competem com os aspectos visuais da mesma forma que dois aspectos visuais competem entre si.
Se colocarmos para serem analisados uma imagem e um texto, a sobrecarga da memória de trabalho será maior do que uma imagem e uma narrativa audível. Uma segunda condição reduz o esforço cognitivo na memória visual, dividindo-o com o canal auditivo. Isso é conhecido como “princípio de modalidade”, e pode ser usado como estratégia mitigadora de carga cognitiva.
“engane” a memória de trabalho
Quanto menos familiarizados estivermos com uma tarefa, mais uso da memória de trabalho fazemos. Em contraste, quando realizamos/estudamos algo que já sabemos, parte dessa atividade está armazenada na memória de longo-prazo. Isso exige muito menos da memória de trabalho.
A memória de trabalho trata um esquema mental como um único bloco. Sendo assim, se associarmos o desconhecido a algo conhecido é possível que esse bloco seja trabalhado como um todo, demandando menos energia no processo.
Isso quer dizer que desempenhar uma tarefa conhecida faz com que ambas sejam trabalhadas conjuntamente e utilizem pouco da memória de trabalho. Dessa maneira, facilita a compreensão de assuntos mais difíceis e otimiza a gestão energética da mente.
calibre a linguagem
Como dito no item anterior, não importa se um esquema mental é muito complexo, ele conta como um único bloco na memória de trabalho. Dessa forma, calibre o nível do assunto a ser transmitido para o nível dos estudantes.
Parece óbvio demais, mas transformar o conteúdo complexo em algo cotidiano dos alunos ou algo que esteja na mesma linguagem deles, torna mais fácil a assimilação e reduz a carga de análise na memória de curto-prazo.
Lembre-se que você é o especialista no assunto e justamente por isso determinado esquema não gera esforço cognitivo em sua memória. Mas infelizmente não é assim que os alunos encaram um mesmo conteúdo.
encurte o problema
Existe uma lacuna entre a situação atual dos alunos e o objetivo a que se quer atingir com a instrução a ser lecionada. Quando essa lacuna é muito grande, ou seja, há muitas informações para serem levadas em consideração, ou quando o foco no final do processo atrapalha a assimilação do que está sendo passado naquele momento, ocorre uma sobrecarga na memória de trabalho dos estudantes.
Do mesmo modo que dividimos nossas metas de longo-prazo em realizações de curto-prazo para nos mantermos firmes na trajetória, dividir os problemas em partes menores também facilita o aprendizado, bem como dar exemplos de soluções parciais para o aluno completar podem auxiliar na retenção de sua atenção durante todo o percurso do ensino de um conteúdo.
nova rotina
Buscar uma nova rotina é tão importante quanto os demais itens citados acima. Quanto mais depressa o aluno estabelecer um novo hábito, menos usará de seu espaço cognitivo na memória de curto-prazo.
Este é um ponto muito crítico, pois depende da vida extraclasse do estudante. Mas as escolas podem e devem prestar auxílio para a melhora do hábito extracurricular de seus discentes. Isso concorrerá para uma melhora no quadro geral do processo de aprendizagem.
O novo dinamismo do momento digital/EAD trouxe consigo novos aprendizados e desafios tanto para os professores quanto para os alunos, exigindo cada vez mais de nossa capacidade de processamento cerebral.
Invariavelmente, a carga cognitiva da memória de trabalho aumentou, pois o que antes era realizado em modo automático e presencial, hoje exige novas rotinas e diferentes habilidades em um mundo cada mais vez mais digital.
Como dito anteriormente, tudo que é novo gera um esforço maior na memória. Sendo assim, a carga cognitiva intrínseca das muitas atividades dos alunos aumentou. Em paralelo, pesquisas mostram que emoções como ansiedade afetam as faculdades mentais, sobrecarregam a memória de trabalho e atrapalham a resolução consciente de problemas.
Não é somente o estresse pandêmico, mas todas as mudanças consequentes das incertezas e das frequentes mudanças de estado exigem de nós um esforço cognitivo não visto anteriormente.
Finalmente, a teoria da carga cognitiva é uma teoria extensa e envolve muitos princípios e efeitos. Portanto, conhecê-la pode facilitar a criação de abordagens e soluções do dia a dia educacional. Dessa forma, designers instrucionais e educadores em geral precisam estar atentos a estratégias que mitiguem a sobrecarga cognitiva e auxiliem no aprendizado do aluno.
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*artigo escrito por Lorenzo Ferrari Assú Tessari, especialista em aprendizagem e metodologias de ensino. Formado em Ciências Biológicas pela Ufes, mestre em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia pela UFPR, e diretor e cofundador da Gama Ensino e da Anole.