Recentemente, uma pesquisa realizada pela Nureva mostrou que 80% dos educadores entrevistados nos Estados Unidos reconhecem que a aprendizagem guiada pelo aluno (Student led-learning) é extremamente valiosa no desenvolvimento do estudante. Essa nova abordagem da educação visa atualizar a tradicional ideia da sala de aula organizada e centrada no professor.
Por essa razão, líderes educacionais acreditam que tal abordagem, potencializada pela necessidade de preparação do aluno para as experiências concretas do mundo, precisa deixar de ser uma exceção e se tornar comum na área. Dessa forma, a aprendizagem guiada pelo aluno ganha força no cenário global e como uma forte tendência da educação no século 21.
Em artigo anterior, explicamos como a Genius Hour é uma metodologia que propicia autonomia aos alunos. Além disso, traz resultados positivos no engajamento e no desenvolvimento do estudante ainda que quando destinada a uma pequena parte do tempo de ensino. Em paralelo, a aprendizagem guiada pelo aluno é tida como algo mais abrangente, uma vez que envolve um conjunto de práticas que facilitam a aprendizagem dos estudantes. Pois são eles próprios guiados pelos seus pares nas atividades em grupo para resolverem problemas de forma autônoma e coletiva.
Essa perspectiva traz o aluno para o centro da aprendizagem, tornando o papel do professor mais colateral. Ademais, incentiva a colaboração, articulando a mediação e dando autonomia aos alunos. Adicionalmente, ela busca focar na construção de habilidades por meio da maior dependência do trabalho em grupo à ação ativa do discente, diminuindo a quantidade de aulas tradicionais e passivas e trazendo grande desenvolvimento da criatividade, pensamento crítico, colaboração e comunicação. Mas, afinal, por que essa prática tem ganhado os olhos dos especialistas em educação nos últimos anos?
As últimas edições do Fórum Econômico Mundial já têm reportado a lacuna entre a formação acadêmica dos estudantes e as necessidades práticas que o mercado exige. Além disso, de acordo com Klaus Schwab, fundador do Fórum, a evolução intensa da tecnologia nos encaminha para uma Quarta Revolução Industrial onde as esferas físicas, biológicas e digitais se interrelacionam, distanciando as práticas tradicionais e passivas da aprendizagem dos estudantes esperadas e enfrentadas no mercado de trabalho.
Dessa forma, incentivar práticas e metodologias que buscam o “autodidatismo”, que preparam esses alunos para encontrarem suas próprias respostas e a serem “aprendedores” para o resto da vida, é o ideal em um cenário tão dinâmico que estamos e vamos viver.
Existem outras justificativas para que a aprendizagem guiada pelo aluno tenha aparecido nos holofotes:
- O engajamento e o interesse do aluno pelo tópico se torna mais genuíno já que o próprio é o responsável por levantá-lo, pesquisá-lo e abordá-lo com os colegas, promovendo o melhor entendimento quando comparado à uma aula passiva de conteúdo equivalente;
- O estímulo à colaboração gera mais atenção dos alunos, que sabemos ser dificilmente obtida nos dias atuais. Além disso, permite uma “linguagem” mais próxima entre os pares do que para professor-aluno.
Como pode ser realizada?
Além da já abordada Genius Hour, que busca envolver o aluno em um projeto maior e que assim traz significado para o mesmo, existem outras formas de proporcionar a educação centrada no estudante por meio da aprendizagem guiada pelo aluno. Sobre a questão, algumas considerações podem ajudar na instrumentalização da estratégia:
- Incentivar os alunos a pesquisarem sobre seus respectivos temas e ensinar suas descobertas para outros alunos estimula habilidades sociais e o senso de responsabilidade;
- Iniciar com os objetivos pessoais dos alunos, deixá-los falhar e levá-los a refletir sobre o que ocorreu é muito importante, pois vemos hoje uma grande parcela de jovens que não toleram o erro e não o encaram como parte fundamental não só da aprendizagem, mas também do sucesso;
- O método propõe que o ensino seja realizado pelos próprios alunos, e não pelo professor. O papel do profissional é observar, dar feedbacks e fazer as perguntas certas para estimular a reflexão no aluno. Fazê-lo gerenciar seu próprio aprendizado e não simplesmente responder questões;
- Outro ponto que pode ser explorado é a observação do processo e não apenas do produto. Portanto, a forma avaliativa deixa de ser um exame ou nota onde não se sabe qual caminho foi utilizado para se chegar ao final. O percurso ativo do processo de aprendizagem é importante e tem que ser levado em consideração. Isso faz uma alusão a Avaliação Psicopedagógica Dinâmica (APPD), proposta pelo professor Vitor Fonseca (2009);
- No processo e como exemplos, podemos citar alunos que auxiliaram a implementar câmeras e ambientes digitais em suas escolas e que possuem talento (quase) inato para a computação. Ademais, os alunos que aprendem outro idioma sozinhos para conseguir se comunicar com intercambistas em suas escolas; momentos de discussão de obras literárias, nas quais um aluno conduz o debate, desenvolvendo habilidades de liderança. Um exemplo prático pode ser observado na escola japonesa Nishinomiya Sudbury que envolve os alunos na administração escolar. Lá os alunos são incentivados a explorar seus valores e interesses, sem um calendário programático diário ou semanal. No Brasil, podemos citar a Fundação Lemann junto com o MIT Media Lab que são os responsáveis pelo Programa Lemann de Aprendizagem Criativa. Esses dois projetos são um espaço no qual são criadas ferramentas e iniciativas que auxiliam as escolas públicas e as organizações de educação não-formal a implementar práticas manuais voltadas para o interesse dos alunos.
Como já mencionado em outros artigos, a educação não é binária a ponto de que seja implementado um cenário ou outro. Ela se comporta mais como um espectro onde englobamos diversas práticas pedagógicas, que visam explorar um determinado aspecto cognitivo. Assim, mesmo que a educação tradicional seja dominante, técnicas ativas podem auxiliar nos objetivos pedagógicos de escolas e professores. No entanto, ainda existem alguns pontos de dificuldades na implementação dessa forma de aprendizagem, das quais citamos a:
- Escassez de tempo para o planejamento e aplicação;
- Falta de recursos e desenvolvimento para os professores;
- Preocupações sobre o comportamento do aluno;
- Escolas focadas em testes padronizados e no engessamento curricular;
- O grande tamanho das turmas.
Sem dúvida, os itens citados acima dificultam a mudança do sistema tradicional para o guiado pelo aluno. Se por um lado, a aprendizagem guiada pelo aluno apresenta grandes empecilhos para sua adoção. Por outro, entretanto, ela pode ser facilitada com o avanço e auxílio da tecnologia, especialmente durante e após o contexto pandêmico.
Com a informação ao alcance dos alunos, o papel do professor como detentor da informação – que nunca foi real – está cada vez mais ficcional. É necessário que o mesmo passe a ter uma visão mais holística da aprendizagem, sendo também um mediador e um facilitador do processo, mas não sendo o seu único protagonista. Dessa forma, cabe as instituições e órgãos de ensino entenderam a demanda vigente e, gradualmente, inserirem tais metodologias para o desenvolvimento do estudante ser realmente mais completo, trazendo habilidades mais práticas e compatíveis com o cenário profissional para a realidade acadêmica da sala de aula.
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*artigo escrito por Lorenzo Ferrari Assú Tessari, especialista em aprendizagem e metodologias de ensino. Formado em Ciências Biológicas pela Ufes, mestre em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia pela UFPR, e diretor e cofundador da Gama Ensino e da Anole.