Birra: não sei mais o que fazer!

Birra
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A porta do quarto bate e vem um grito: “eu odeio você!”. No meio do supermercado, a criança esbraveja, sem nem olhar para o lado: “eu quero!”. Pais pagariam caro pela resposta mágica: o que fazer na hora da birra? Poderíamos até te dizer como agir e o que não fazer, mas nada disso seria eficaz se não conversarmos primeiro sobre o que leva seu filho a esse comportamento. Por que essa explosão? De onde ela vem? Ela significa desrespeito? Manipulação?

Fato é que a raiva vem, convocada pela frustração. E o nosso desejo é que nossos filhos façam uma pausa antes de agir, que pensem nas consequências, considerem os sentimentos dos outros e então respondam com serenidade sobre como se sentem e o que pensam. Sinto muito! Precisamos te contar: seu filho não tem isso para te entregar.

Uma das habilidades mais importantes que podemos ensinar a nossos filhos é tomar boas decisões em situações de grande emoção. Mas é preciso considerar o desenvolvimento do cérebro e as limitações que cada fase do desenvolvimento infantil traz consigo.

cérebro integrado: andar de baixo e andar de cima

Imagine que seu cérebro é uma casa de dois andares. No andar de baixo temos o tronco cerebral e a região límbica, situadas nas partes mais baixas do cérebro, que vai da parte de cima do pescoço até mais ou menos a ponte do nariz. No andar de cima temos o córtex cerebral e suas partes, incluindo o córtex pré-frontal médio, que fica bem atrás da testa.

As partes mais baixas são mais primitivas. São responsáveis pelas funções básicas (respirar e piscar), pelas reações inatas e impulsos (lutar e fugir) e pelas fortes emoções (sentir raiva e medo). Sempre que você se encolhe instintivamente porque a bola de uma partida infantil sai voando em direção a arquibancada, o cérebro do andar de baixo está fazendo seu trabalho.

O cérebro do andar de cima é mais evoluído e pode dar-lhe uma perspectiva mais completa do mundo. Por causa de sua sofisticação e complexidade, é responsável por produzir muitas das características que esperamos ver em nossos filhos:

  • Tomada de decisão;
  • Planejamento de qualidade;
  • Controle sobre as emoções e o corpo;
  • Empatia.

Um ser humano maduro e saudável emocionalmente, com as partes do cérebro integradas verticalmente, consegue entregar equilíbrio e conexão entre os dois andares. Consegue controlar suas próprias emoções, pensar nas consequências, refletir antes de agir e levar em consideração os que estão a sua volta e como se sentiriam diante de suas atitudes.

Quando há uma escadaria em pleno funcionamento, significa que o andar de cima consegue monitorar as ações do andar de baixo e acalmar as reações intensas, os impulsos e as emoções que se originam ali.

Construir essa escadaria é nossa meta enquanto pais e mães. Claro! Só que precisaremos de paciência e empatia. Enquanto o cérebro do andar de baixo já nasce bem desenvolvido, o cérebro do andar de cima só estará totalmente maduro aos vinte e poucos anos.

Dessa forma, todos esses comportamentos que esperamos dos nossos filhos não conseguirão vir em todos os momentos. Isso porque o cérebro não consegue se integrar completamente. “Presas no andar de baixo”, muitas vezes crianças perdem sim o controle, tomam decisões ruins e demonstram total falta de empatia.

sento e choro, então?

Criar filhos com cérebro integrado não significa reforçar maus comportamentos. Pelo contrário, ao compreender como o cérebro de nossos filhos funciona, podemos estabelecer uma cooperação muito mais rápida.

Quando nossos pequenos estão embebidos na raiva, em momentos de grande emoção ou estresse, a parte primitiva do cérebro recebeu um intenso fluxo de energia, o que impede o agir racional.

Não importa então quantas vezes você tente dizer algo, ou fazer a criança entender seu posicionamento. Julgamentos e “palestras” sobre comportamento adequado aqui são completamente ineficazes.

Conecte-se com seu filho. O toque é um excelente caminho. Conecte-se com um abraço, um colo e tente-o tirá-lo da crise. Redirecione sua atenção. E não se perca do entendimento de que nossos filhos podem até demonstrar vez ou outra, controle das emoções, desenvoltura para boas decisões. Mas, de modo geral, eles não têm o conjunto de habilidades biológicas para fazer isso o tempo todo.

Saber disso e ajustar nossas expectativas pode nos ajudar a ver que nossos filhos estão frequentemente fazendo o melhor possível com o cérebro que tem ( SIEGEL & BRYSON, 2015). Além disso, diante de explosões emocionais infantis, que equivocadamente chamamos de “birra”, precisamos refletir sobre o exemplo de gestão emocional que damos para nossos filhos.

Nós, com cérebro complexamente formado, não conseguimos reagir com serenidade e autocontrole diante de todas as frustrações a que somos submetidos. Mas exigimos isso de nossos filhos, muitas vezes. Queremos que ao “tomar” o tablete, ou desligar o vídeo game, nossos filhos nos emanem um sorriso e nos digam “tudo bem, mamãe, eu entendo”.

Permitir que as crianças vivenciem genuinamente as emoções que a frustração provoca e acolhe-las é uma forma respeitosa de ajudá-la na integração das partes do cérebro. Você não precisa ceder à explosão de emoções que o seu “limite” provoca. Mas você pode e deve acolher seu filho e ajuda-lo a atravessar esse momento.

Nomeie a emoção e acolha o que vier! “Filho, sinto que você está com muita raiva porque não pode mais assistir ao desenho. Eu também fico com muita raiva, quando quero fazer uma coisa e não posso, mas agora precisamos ir pra escola. Posso te dar um abraço?”

Caminhos mais conscientes e respeitosos na educação dos nossos filhos podem ser construídos com conhecimento e reflexão.

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*artigo escrito por Ane Soares. Psicóloga, Educadora Parental, mestre em Educação, professora universitária, co-fundadora do PraCriança Instituto de Psicologia e Parentalidade. Atua no atendimento clínico de crianças, adolescentes e mães, orientação parental, além da promoção de palestras e eventos sobre Educação e Parentalidade Positiva.

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