O problema da interpretação de texto nos alunos e como pode ser evitado

Interpretação
Compartilhe esta notícia

Se você é ou tem contato com algum estudante, certamente já experienciou uma situação em que, durante o processo de estudos, tudo parece fluir normalmente. Você acompanha o conteúdo apropriadamente e imagina que isso signifique também que você o compreende de forma adequada. Porém, quando realiza um teste ou uma prova, algo acontece durante o processo e o resultado fica bastante aquém do esperado. Isso se dá, pois mesmo compreendendo bem o conteúdo, a dificuldade pode estar na falta de atenção ou por problemas de interpretação. De fato, muitos alunos acabam esquecendo que todo processo avaliativo envolve também, além da necessidade de conhecimento, uma série de habilidades específicas.

Em qualquer etapa de ensino formal – seja fundamental, médio ou superior -, ao observarmos estudantes que estão para realizar algum teste, prova ou concurso, nos deparamos com uma dificuldade muito comum entre eles.

Neste artigo, nós deixaremos os erros por falta de conteúdo e por falta de atenção de lado, pois os problemas ligados à interpretação estão entre os principais desafios para os alunos em geral. No entanto, dois questionamentos permanecem: por que um erro como esse frequentemente acontece e o que pode ser feito para o remediar?

No contexto atual, foram conduzidos estudos para descobrir o limite do assimilável, da sobrecarregar e processamento biológico de dados em nosso cérebro, de maneira natural e satisfatória, sem que o raciocínio e a aprendizagem ficassem abaixo do desempenho esperado. Os resultados desses trabalhos formam hoje um conjunto de princípios conhecido como Teoria de Carga Cognitiva.

teoria da carga cognitiva

As contribuições dessa teoria criam impactos para a sociedade contemporânea. Pois em contexto adequado com um ambiente de aprendizagem apropriado, de acordo com tais princípios, é possível minimizar recursos mentais desnecessários e, ao invés disso, encaminhar o esforço mental para o trabalho propriamente dito de modo a maximizar o potencial de aprendizagem.

Segundo Sweller (2003), psicólogo australiano responsável pela teoria a que nos referimos, em qualquer construção de conteúdos em materiais de ensino e avaliação, existem três principais tipos de carga cognitiva:

  • Intrínseca: a carga real imposta pela complexidade do conteúdo;
  • Natural (relevante): aquilo que é imposto pelas atividades de ensino, mas que beneficiam o objetivo da aprendizagem;
  • Externa ao conteúdo (irrelevante): aquela que não interfere na construção de esquemas e, consequentemente, pode desperdiçar nossos recursos mentais que poderiam ser usados para a auxiliar a carga natural.

Em termos simples, ao ler uma questão com um grande texto, além de tentar decodificar um conteúdo (carga cognitiva intrínseca), nossa energia mental ainda é dividida buscando identificar elementos-chave para auxiliar nossa resposta (carga cognitiva natural) enquanto eliminamos o entorno (carga cognitiva externa ao conteúdo) que, por sua irrelevância, atrapalha a nossa avaliação daquilo que fora proposto.

Quando não se pode controlar a carga intrínseca associada com os objetivos da aprendizagem em uma determinada questão pré-definida, o que se pode fazer, com bastante treinamento prévio, é otimizar a quantidade de tempo dispensada nos elementos irrelevantes evitando a sobrecarga cognitiva.

No entanto, sistemas de ensino, apostilas e escolas continuam a incorrer em alguns erros. Todos impedem os alunos de se prepararem adequadamente para situações que exigem uma alta demanda de carga cognitiva. É possível listar alguns aspectos-chave que, por não serem treinados com antecedência, acabam por interferir negativamente na interpretação de uma questão e que acabam por gerar resultados abaixo do esperado entre os estudantes.

vício em exercícios similares

O primeiro deles podemos chamar de vício em exercícios similares. É muito comum em materiais de estudos nos depararmos com um conteúdo específico seguido de exercícios que focam estritamente naquele assunto abordado.

Ao realizar uma sequência de questões de um conteúdo que acabou de ser estudado, a provável alta taxa de acertos pode causar a falsa sensação de domínio completo do assunto, já que o indivíduo sabe de que assunto aquela questão aborda, logo não precisa necessariamente interpretar a questão em um nível mais profundo.

Em termos práticos, se o capítulo estudado foi a área de um paralelepípedo, é muito provável que o estudante busque replicar automaticamente a fórmula Base x Altura. Ou seja, não há esforço e nem necessidade de uma interpretação aprofundada, justamente porque o tema do capítulo já é conhecido.

Dessa forma, o estudante despende um esforço cognitivo não treinado ao realizar uma prova, na qual existem várias questões pertencentes a universos diferentes, cabendo a ele interpretar e descobrir qual repertório usar. A saída para esse problema é realizar simulados ou listas de exercícios onde os temas são sortidos, para que não se crie um viés de resposta, assim como não ocorrerá no dia da prova real.

repertório

Como foi dito, o segundo elemento-chave, o repertório do estudante é fundamental na interpretação. O repertório envolve o vocabulário, a imaginação, a abstração entre outros vários processos mentais que podem ser adquiridos através do constante ato de leitura.

Como bem sabemos, a leitura estimula o aprendizado e aprimora a capacidade de elaboração de pensamentos mais estruturados. Quanto mais acostumado o cérebro está com um grande volume de leitura, menos esforço cognitivo é demandado no processo. Isso salva preciosa quantidade de energia para os demais processos biológicos.

Outro ponto que contribui para o repertório é relacionado, mais especificamente, às questões. Quanto mais diferentes questões fazemos, maior processamento mental fazemos de um mesmo assunto e mais conhecimento podemos fixar em relação a ele.

Desse modo, fica um alerta, fazer muitas questões muito semelhantes de um mesmo conteúdo não aumenta o repertório significativamente. Pois, caímos assim, na replicação de um mesmo procedimento para resolver determinada questão.

Fazendo uma simples analogia, para completar um álbum, é necessário ter muitas figurinhas diferentes e não muitas da mesma; quanto mais formas diferentes um assunto for trabalhado, maior o domínio do mesmo. Além disso, maior potencial de identificação de palavras-chave e, assim, maior chance de sucesso em uma prova.

comandos das questões

Entre os três aspectos mencionados, o mais importante diz respeito às dificuldades dos alunos em entender os comandos das questões. É bastante comum ouvirmos que um aluno errou uma ou mais questões porque não entendeu bem o que o enunciado pedia ou por desatenção com aquilo que estava de fato escrito.

Na maioria das avaliações, as questões têm um objetivo claro, que sempre está destacado no enunciado através de um verbo de comando. Cabe ao estudante eliminar o ruído excessivo e o texto sobressalente, focando em identificar o verbo de comando. Isso porque é ele que vai informar o que necessita ser feito.

Uma dica importante: somente após descobrir o verbo no enunciado, você, estudante, deve ler o texto auxiliar. Com isso, ganhará tempo e já na primeira leitura do texto saberá o que é importante para compor a resposta ou o que é necessário buscar entre as alternativas dadas. Quais são verbos importantes no enunciado?

Aplicar, analisar, conceituar, responder, compreender, avaliar, destacar… é preciso identificá-los para que não se recaiam em erros de interpretação e se compreenda de fato o que a pergunta quer. Pois, com frequência, o texto mostra uma opção que até faz sentido, mas não está totalmente de acordo com o que foi perguntado.

De maneira geral, enquanto a compreensão se atém a entender a mensagem que está sendo dita, por meio da decodificação de um texto verbal ou não-verbal, a interpretação necessita de um nível mais profundo de compreensão, levando em conta o repertório do interlocutor, ou seja, sua própria bagagem cognitiva e cultural.

Finalmente, temos consciência que a interpretação por si só é algo extremamente relevante em nossas vidas. Porém são as nossas deficiências nesse quesito que se tornam mais problemáticas quando os estudantes são submetidos a realização de questões em uma determinada prova. E, por esse motivo, merecem redobrada atenção.

Veja mais conteúdos sobre educação e tecnologia no EducaTech.

*artigo escrito por Lorenzo Ferrari Assú Tessari, especialista em aprendizagem e metodologias de ensino e diretor e cofundador da Gama Ensino e da Anole.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *