Vitória é uma cidade linda. Ao olhar pela janela do ônibus, nossos pensamentos podem se perder no horizonte da baía, no sol batendo na água. Uma cidade cheia de cor. Mas há dias em que esse colorido desbota. Toda a paisagem vai ficando meio cinza, sabe? Às vezes os problemas nem são tão grandes. O arroz queimou no almoço, derrubei um copo de suco. O copo quebrou, cortei o dedo ao catar os cacos. Em alguns momentos, a rotina machuca.
Mas e se esse machucado não parasse de arder? Foi como sentia a minha depressão. Ela estava ali, presente. Um pequeno corte no dedo. Que aumentou sem que eu percebesse, de forma invisível… Por vezes me esquecia daquele machucado, mas era exposto diariamente a situações que o faziam arder. E uma das coisas que mais assustadoras sobre a depressão é outra característica muito similar ao corte. É difícil de ver.
Não enxergar tem sido um problema ultimamente. Estamos tão ocupados pensando seja na paisagem da janela do ônibus, seja nos nossos próprios cortes, que nos impedimos de observar quem está ao nosso lado. Quem está sentado na cadeira ao lado do ônibus, os homens que estão trabalhando para que aquele veículo siga nos levando ou aquela pessoa que vimos na Terceira Ponte, também pela janela do ônibus, tentando dar fim às suas próprias angustias.
Todo suicídio é envolvido em um grande sofrimento. Um sofrimento que grita nas buzinas dos carros parados nas entradas da ponte que liga Vila Velha a Vitória poderia ser evitada. Mais de 90% dos suicídios podem ser evitados, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Uma amiga voluntária no Centro de Valorização da Vida, que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, me contou que já atendeu telefonemas sobre dificuldades em provas na escola. Alguém ligou para o centro, no número 188, e falou sobre como o dia foi difícil e terminou naquela prova complicada. O diálogo a ajudou. Quantas vezes nós ouvimos histórias assim de parentes, amigos e colegas de trabalho? Quantos desses parentes e amigos imaginamos que podem sofrer com uma depressão?
A dor é guardada. Por que tenho depressão se tenho um emprego, uma casa, uma família? Essa é uma pergunta que pode passar, rápida ou mais demoradamente, pela cabeça de muitas pessoas do nosso convívio. Contudo, essas pessoas podem ter dificuldade em falar sobre essa questão. Sobre outras questões que envolvem suas dores. No lugar, encontram falta de entendimento.”Você não deveria se sentir assim, você tem tudo!” “Você não pensa em sua família?” E em situações limite: “pula logo, eu quero ir para casa”. Julgamento. “Está aí só pra chamar atenção mesmo”. Falta a capacidade de assimilar a dor do outro.
Em mais um dia, uma equipe multidisciplinar interrompeu o trânsito da Terceira Ponte para atender uma ocorrência de tentativa de suicídio. Esse novo protocolo de atendimento, que detém o fluxo de veículos, já salvou vidas. Vidas que foram resgatadas porque alguém parou, as ouviu e ajudou a dar passos para trás. Não havia gritos, buzinas ou falta de empatia. Você atrasaria em uma hora um compromisso para salvar uma vida?
A depressão é um problema de saúde e pode ser tratado. Se você sente algum desconforto emocional, procure ajuda de alguém que possa te ouvir e grupos de apoio que podem auxiliar de diferentes formas. Cuidar do sofrimento e enfrentar a própria dor em tratamentos que envolve profissionais de psicologia e psiquiatria é um ato de sabedoria e muita coragem. Além disso, você pode entrar em contato gratuitamente com o Centro de Valorização da Vida gratuitamente, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. Ligue 188.
Wing Costa
Jornalista, editor do Jornal Online Folha Vitória
Não só atrasaria como faria tudo que estivesse ao meu alcance…
Que importante atitude, Lília
Parabéns pela matéria, por colocar a sua sensibilidade na escrita. Estamos juntos!
Obrigado Mariza! Falar também é importante.
Eu tenho a síndrome do pânico e as vezes vem pensamentos horríveis e a sensação de morte existe dia e noite mais eu luto muito para ficar boa mas aviso que não é fácil. Qualquer um de nós pode atrasar a chegada em 01:00 certamente pois não estamos imunes a esta doença e ela ataca qualquer um em qualquer tempo da vida. Cuidem de ficar bem ♥️
Vamos nos cuidando todos juntos, um olhando pelo outro e tentando ouvir quem está a nossa volta. Desejamos o melhor para você, Raquel.
Belo texto.
Sim, o suicídio é mesmo evitável. Já pensei muito em suicidar-me, entendo os que concretizam.
Refletindo após o texto acima…no meu caso, pensava o suicído como poder sobre minha vida, sobre meu destino. Hoje, estando bem, vejo q era mesmo desespero pra me livrar da angústia infundada, sem nexo, decorrente da depressão.
Muito corajosa sua atitude, Maria. Que notícia boa saber que você vê além da angústia de outros momentos. Siga forte!
O ser humano tem sido egoísta,,,só pensam em si próprio por isso fala que é frescura…mas às vezes a pessoa não consegue ver saída então ela pensa que é o único jeito. .isso não é frescura…
Ao ouvir e dar importância aos outros, promovemos uma saída para quem pensa não existir nenhuma
Seu texto é esclarecedor sobre com podemos ouvir e talvez ajudar um suicida. Ouvir o próximo é primordial.
Nosso planeta tem bilhões de anos, os seres humanos vivem, em média 65, 75 anos, dependendo da qualidade de vida, será que atrasar um compromisso, mesmo que seja por um dia não vale para salvar uma vida?
As pessoas em suas individualidades não pensam no coletivo, tudo tem que ser imediato e estar ao alcance de um clique, de um tecla de computador ou do trajeto da travessia de uma ponte, precisamos ser solidários e aguçar nossa percepção para para as dicas sobre o estado emocional que nos são dadas por quem está do nosso lado.
Conversar mais. esse é o caminho. .
Às vezes a pressa nos impede de perceber algumas situações, não é Inácio? É importante praticar a arte da “escutatória”
Além de atrasar, faria de tudo para salvar um vida. Infelizmente a população está deixando de amar o próximo. Porém, eu não deixo!
É importante, Celiane, observar e estar disposto a ouvir!