Há muitos anos fala-se, no Terceiro Setor, em poucos recursos disponíveis e dificuldades na captação de recursos. Como consultora, profissional da área e que já participou de inúmeras bancas de avaliação de projetos sociais, gostaria de provocar algumas reflexões para análise das ONGs e de seus profissionais responsáveis pela escrita dos projetos. Primeiro recomendo entender a forma de raciocínio do potencial financiador privado de projetos sociais e o perfil destes: são empresas que possuem capital para investir; não vivenciam a realidade do Terceiro Setor; nunca vão apostar em nada que tenha indícios de desperdício de recurso; conhecem pouco do cenário de mazelas sociais que motivam a existência dos projetos; não investirão em nada que não esteja completamente regular atendendo os critérios da legislação; desejam provas, números e gráficos que demonstrem os resultados do investimento social realizado; não há nenhuma hipótese deles arriscarem seus nomes e suas marcas em algo que represente qualquer risco que seja. Apresento-os dessa forma o perfil do “financiador privado de projetos sociais”! Não dará certo a captação de recursos enquanto as ONGs lutarem contra o que pensam estes financiadores e desejarem “impor” suas visões de mundo, muitas vezes apoiadas no “vitimismo” e embasados na velha filantropia assistencialista, que não tem mais lugar há muito tempo na concepção de investidores privados. Então a proposta é virar o jogo e reconstruir a lógica para potencializar a captação de recursos. Fazer uma auto análise crítica e imparcial do projeto social e responder sinceramente as seguintes perguntas: O projeto inicia com um resumo objetivo sem ser superficial, deixando claro porquê, para quem, onde? O projeto apresenta uma justificativa capaz de transportar o investidor social leigo para dentro do problema e sensibilizá-lo de sua gravidade e contemporaneidade? O projeto demonstra clara e objetivamente o quanto o problema afeta o público alvo que deseja atender e onde está situado este público? O projeto é capaz de demonstrar para uma pessoa cética e inteligente que, os métodos propostos como solução apresentam indícios lógicos que darão conta de resolver os problemas apresentados na justificativa? O projeto traz evidências da escolha da equipe técnica pautada em qualificação e experiência? O projeto lista indicadores como objeto de medida e propõe técnicas de mensuração qualitativa e quantitativa de resultados? O orçamento proposto no projeto está compatível com o mercado fora do Terceiro Setor e compatível com metodologia e justificativa?
Não há mais tempo a desperdiçar com elaboração de projetos sociais que não estejam pautados nessas concepções!
Na prática muitos projetos sociais são reprovados e não conseguem êxito na captação de recursos porque são mal elaborados e apresentam falhas amadoras, que são identificadas nas primeiras etapas de avaliação técnica do projeto. É fácil, sem muito esforço, fazer uma lista (não exaustiva) dos principais erros identificados em projetos sociais escritos e apresentados à bancas de avaliação: resumo filosófico cheio de doutrinas que ao terminar de ser lido não conseguiu explicar a lógica do proposto; justificativa que não traz dados atuais sobre o problema a ser enfrentado e não fala da realidade local onde irá atuar, se limitando a trazer dados genéricos e amplos de órgãos de pesquisa nacional e desatualizados; justificativa escrita de maneira superficial ao ponto de não convencer o financiador sobre a gravidade e proximidade do problema; descrição do público alvo com considerações genéricas que demonstram que a equipe que escreveu o projeto pouco conhece do público e de sua família e relação na comunidade; metodologia com atividades completamente desconexas com o problema e muitas vezes escolhidas pela facilidade de execução ou por ser habilidade de pessoas conhecidas do idealizador do projeto; equipe técnica não definida e sem clareza de como serão selecionadas; resultados propostos sem relação direta com a justificativa e com o problema apresentado, sem demonstrar como serão mensurados e sem correlação com impactos quantitativos; orçamento completamente incoerente com valores pagos no mercado para contratação de RH ou compras de produtos e serviços.
Antigamente, muito antigamente, bastava uma foto de criança triste, uma história de miserabilidade bem contada, o brilho nos olhos do serviço voluntário, a emoção de fazer o bem. Tudo muda, a forma de captação de recursos mudou, à emoção e sensibilidade para fazer o bem deve ser aliada à eficiência técnica da escrita do projeto social e mensuração de seus resultados, para garantia de sua manutenção e de resultados efetivamente perenes. As escolhas devem ser feitas e as consequências suportadas. Não existem poucos recursos financeiros disponíveis, talvez seja a hora de refletir, quebrar paradigmas, descontruir certezas e ouvir um pouco mais quem está disposto a financiar os projetos sociais.
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