O aquecimento global, como se sabe, é um fenômeno que está alterando o clima do planeta, em grande parte provocado pela ação humana, notadamente pela emissão de CO2 e outros gases de efeito estufa, levando à ocorrência de eventos climáticos extremos, tais como: secas, inundações, tempestades e ondas de calor, cada vez mais intensas e constantes.
Eventos estes que entre outros impactos podem afetar a disponibilidade e a qualidade da água e, consequentemente, influir em vários aspectos da vida humana, com perdas de vidas e materiais e inclusive afetar o saneamento básico – que é um dos pilares importantes da qualidade de vida e da saúde humana plena.
Enfatizando que saneamento básico se refere a um conjunto de serviços que envolve o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos (o conhecido lixo), o controle de pragas e a drenagem urbana.
E o aquecimento global, associado a outras práticas humanas que degradam o meio ambiente, pode afetar esse conjunto de ações de várias maneiras, tais como: sobrecarregando os sistemas de drenagem urbana, causando alagamentos, deslizamentos, erosão e perda de infraestruturas; causando mudanças nos regimes de chuvas que podem provocar eventos hidrológicos extremos, afetando a disponibilidade e a gestão dos recursos hídricos o que pode dificultar o tratamento de águas (como recentemente ocorreu na Grande Vitória, ES, devido ao alto teor de barro nas águas após chuvas intensas, em virtude do mal uso das terras), e o escoamento de esgotos, gerando descontinuidade nos serviços ou a necessidade de reparação causando transtornos e falta de água para a população, gerando impactos ambientais e sociais diversos.
Além disso, os eventos climáticos extremos e as práticas humanas têm contribuído para a diminuição da qualidade e quantidade de água disponível para a população e pelo aumento da poluição e da contaminação da água, levando a gastos elevados pelo poder público para atendimento de necessidades em face desses desastres naturais, que associados a históricos e elevados níveis de desperdício de água perdas técnicas – vazamentos e usos de tecnologias ultrapassadas e/ou manutenções deficientes de equipamentos, acarretam redução da oferta de água potável, trazendo sofrimentos e transtornos para a população mais atingida.
Tudo isso afeta a qualidade de vida e a saúde de parcela significativa da população, especialmente as mais pobres e pode favorecer a proliferação de doenças transmitidas por vetores, como a dengue, a malária, a febre amarela e a leptospirose, entre outras.
A questão se torna preocupante, diante da crise provocada pelos efeitos do aquecimento global, visto que o aumento da demanda por água e outros recursos naturais devido ao crescimento populacional e em face das demandas das atividades econômicos para atender as aspirações da sociedade, só vem a aumentar a pressão e causar maiores problemas socioambientais.
Estudo do Instituto Trata Brasil, mostra que a demanda de água no Brasil pode aumentar quase 80% até 2040, devido ao crescimento populacional, econômico e aos efeitos do aquecimento global.
Lembrando que a falta de saneamento básico contribui para a emissão de gases de efeito estufa, especialmente o gás metano, que pode durante o processo de tratamento de esgotos ser aproveitado, gerar energia, evitando mais emissões que reforçam o aquecimento global.
Além disso, o saneamento básico é um direito humano essencial para a saúde, a dignidade e o desenvolvimento das pessoas. No Brasil, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2020, apenas 84% da população tinha acesso à água tratada e 54% ao esgotamento sanitário.
Além disso, cerca de 40% da água distribuída era perdida por vazamentos, fraudes e ligações clandestinas. Essa situação prejudica a qualidade de vida, o meio ambiente e a economia do País.
No estado do Espírito Santo, segundo a mesma fonte, o cenário é um pouco melhor do que a média nacional, mas ainda há desafios a serem superados.
De acordo com o SNIS, em 2020, dos 4 milhões de moradores do estado, 81,2% tinham acesso ao sistema de rede de água, 56,9% habitavam em residências com sistema de rede de coleta de esgoto e 45,2% do volume de esgoto gerado no estado era tratado. As perdas de água nos sistemas de distribuição estavam em 38,4%.
E, entre as 100 maiores cidades brasileiras, quatro são capixabas e foram avaliadas pelo Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil em 2022. São elas: Serra (50ª colocação), Vitória (53ª colocação), Vila Velha (71ª colocação) e Cariacica (86ª colocação). O ranking considera indicadores como abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, investimentos e perdas de água.
Para melhorar o saneamento básico no Brasil e no Espírito Santo em face do aquecimento global é preciso investir ainda mais e de forma célere em infraestruturas, gestão, regulação, fiscalização, educação ambiental com participação social. Sendo que o novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado em 2020, criou condições para estimular a concorrência e a eficiência no setor, além de estabelecer metas de universalização dos serviços até 2033.
No entanto, para que isso se torne realidade, é necessário que os governos, as empresas e a sociedade civil trabalhem juntos em prol de um bem comum: a água/proteção da natureza.
Diante da realidade do aquecimento global o desafio para o saneamento básico, torna-se maior e sua necessidade urgente e incontestável, exigindo esforços e cooperação de todos os setores públicos e privados visto que sua incrementação diante da urgência que a crise climática estabeleceu requer mais do que nunca e para ontem: planejamento e estratégias de ação seguras e eficazes, busca por investimentos com segurança jurídica, uso das melhores inovações e tecnologias, participação social e conscientização para garantir a realização do saneamento básico como um todo e o acesso à água com qualidade e disponibilidade, para haver manutenção da qualidade de vida e saúde para todos e harmonia entre as pessoas e a natureza.
Luiz Fernando Schettino
Engenheiro Florestal, mestre e doutor em Ciência Florestal, advogado, escritor, comentarista de Sustentabilidade da Radio Jovem Pan News Vitória e ex-Secretário Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.