[Resenha] O peso do pássaro morto | Aline Bei

A morte é um assunto tabu na sociedade. As pessoas têm medo de morrer, ou então, o que justifica esse pânico todo em torno do coronavírus? Nos preocupamos tanto com a morte física, aquela que é certa, que não percebemos a morte que acontece dentro de nós todos os dias, aquela que poderia – e até deveria – ser evitada. É mais ou menos isso que O Peso do Pássaro Morto aborda, a morte que deixamos “nos matar” todos os dias.

Sinopse O peso do pássaro morto

Em “O peso do pássaro morto”, acompanhamos uma mulher que, dos 8 aos 52 tenta, com todas as forças, não coincidir apenas com a dor de que é feita. Um livro denso e leve, violento e poético, “simultaneamente claridade de vidro e ponta aguda de faca”, diz-nos a orelha de Micheliny Verunschk. Afiado, O peso é feito de palavras e do vazio que elas desenham na página.

No silêncio, no corte, o livro comprova que a dor e a poesia estão nos detalhes. Não poderia ser de outro jeito um livro que nasce com a morte de um canário, nas mãos, “minha mãe pediu pra cortar a unha dele. E ele morreu, de susto”, conta Aline. A morte vive em cada palavra d’O peso, onde vive também Aline, paulistana de 1987, formada em Letras e em Artes Cênicas, editora e colunista do site cultural Oitava Arte.

O peso do pássaro morto e ela se tocam, sobretudo, em um jeito de ver o mundo, “sem querer entender tanto”. Em dias tão pouco propensos ao feminino, o romance de Aline Bei dá corpo a uma coleção de dores sobre a força e a solidão de ser mulher, hoje.

O que eu achei de O peso do pássaro morto

A jovem autora paulista Aline Bei conseguiu transmitir com tanta singeleza e intensidade o que acontece na vida da protagonista dos 8 aos 52 anos que sem perceber somos como ela: alguém sem nome, um resumo de experiências dolorosas que vive e sobrevive a cada dia. Sincero, honesto e cruel.

É tanto que só no fim da leitura me dei conta de que ela realmente não tem o nome citado, o que aconteceu em sua vida, especialmente aos 17 anos anos, a transformou do “quem eu sou” para o “o que aconteceu comigo”.

Sonhos deram lugar à traumas, uma vida deu lugar às consequências desastrosas da violência, do desrespeito, do silêncio e da vergonha. E no fim, fica a pergunta que vem na orelha do livro: Quantas perdas cabem na vida de uma mulher?

A narração em primeira pessoa em prosa poética e a diagramação das frases na página nos transportam para o vazio deixado pelas consequências trágicas que acompanharam a protagonista desde os seus oito anos. O  modo como ela lida com a maternidade é tocante e pode ser um farol para mulheres que passaram pelo mesmo que ela.No fim, ela não teve culpa. Mas também não teve apoio.

O romance é o primeiro da Aline (olha, tá de parabéns!) e ela é um dos grandes nomes femininos da literatura brasileira moderna. Não foi para menos que O peso do pássaro morto foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018 na categoria estreantes com menos de 40 anos.

Leia um trecho de “O peso do pássaro morto”:

“Na escola

em casa

na cozinha

perguntei pra minha mãe:

– o que é morrer?

ela estava fritando bife pro almoço.

– o bife

é morrer, porque morrer é não poder mais escolher o que farão com a sua carne.
quando estamos vivos, muitas vezes também não escolhemos, mas tentamos.

almoçamos a morte e foi calado.

Foi uma leitura super rápida, levei dois dias. Sem dúvida, tudo funciona nesse livro. O texto que mistura melancolia e resiliência, até o modo como a história é contada reflete a questão da morte, uma mistura de beleza e violência, poesia e soco no estômago.

Ainda mais que as interpretações subliminares que enchem a historia de uma riqueza única (exemplo: o pai do filho da protagonista se chama Pedro, que significa pedra, mais um peso que ela carrega, e seu filho brinca com os amigos de matar passarinhos, reforçando o título “O peso do pássaro morto”).

Em conclusão, O peso do pássaro morto é uma pérola da literatura brasileira que vale a pena ser lido. Talvez não seja uma leitura muito interessante para o público adolescente, mas recomendo para os pais, para que eles encontrem meios de conversar sobre assuntos densos, porém extremamente necessários, com os filhos e, principalmente, as filhas.

 

6 Respostas para “[Resenha] O peso do pássaro morto | Aline Bei

  1. Gostei demais da resenha! O livro é mesmo sensacional =) Eu diria, no entanto, que (nós) adolescentes também precisamos e gostamos de livros como esse… Ando vendo muitos deles que não tinham o costume de ler começarem a desenvolver costume por causa desse 😁!!!

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