Quem foi criança na Grande Vitória na década de 1970 e começo de 1980 ainda lembra do conselho das mães para que se ficasse atento nas ruas e não dessem ouvidos a desconhecidos por causa do que tinha acontecido à menina Araceli Cabrera Sanchez. A menina de 8 anos foi vista pela última vez ao sair do colégio São Pedro, na Praia do Suá, em 18 de maio de 1973, uma sexta-feira.
Ela foi sequestrada, drogada, violentada e assassinada. Seu corpo foi encontrado seis dias depois em um matagal, nas proximidades do Hospital Infantil, em Vit´ória, desfigurado e em adiantado estado de decomposição.
O crime brutal rendeu vasta cobertura jornalística na época, reportagens especiais na TV, livros, peças teatrais. Também inspirou a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes na data do desaparecimento da estudante.
>> Quer receber nossas notícias 100% gratuitas? Participe da nossa comunidade no WhatsApp ou entre no nosso canal do Telegram!
E 50 anos depois ele continua repercutindo. Os jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas lançam o livro “O caso Araceli: mistérios, abusos e impunidade” (Alameda Editorial, 282 páginas, R$ 69) nesta quarta-feira (17), às 19h, na livraria Leitura, no Shopping Vitória, na capital.
Eles entrevistaram as pessoas envolvidas no caso, bem como tiveram acesso ao processo de 33 volumes e apontam, pela primeira vez, erros e contradições nas fases de investigação e inquérito.
“É o primeiro livro que apresenta as informações levando em consideração o próprio aspecto judicial do caso Araceli, revelando os bastidores das investigações, a ação dos policiais, os erros cometidos, os atrasos no inquérito, as estratégias das defesas, as tensões entre as autoridades e todos os passos dessa trama complexa que culminou em arquivamento e impunidade. O processo tem mais de 12 mil páginas. Contamos o caso em si e, ao longo do livro, parte da história do Espírito Santo nos últimos 50 anos“, explica Katilaine.
O processo de apuração, entrevistas e escrita do livro levaram dois anos. Entre as contradições e falhas, estão, segundo os autores, a demora para ouvir testemunhas-chave. “Os suspeitos só foram ouvidos oficialmente dentro do inquérito mais de um ano depois do crime”, aponta.
Também é destacada a demora em reconhecer a morte da menina que, oficialmente, foi considerada desaparecida mesmo meses depois de seu corpo ter sido descoberto.
“Também nunca identificaram o local onde ela foi morta, sequer como foi sequestrada. Havia reclamações dentro da própria polícia de que possíveis evidências levadas a um dos presidentes do inquérito não eram devidamente investigadas ou sequer apuradas”, acrescenta a autora.
Naquela sexta-feira, Araceli saiu mais cedo a pedido de sua mãe por conta do horário do ônibus que a levaria de volta para casa, no Bairro de Fátima, na Serra. Nunca mais retornou. Testemunhas dizem que ela foi vista pela última vez brincando com um gato, em frente a um bar.
Denunciados pelo Ministério Público, como responsáveis pela morte da garota. Paulo Helal, Dante Brito Michelini, o Dantinho, e seu pai, Dante de Barros Michelini, pertencentes a famílias influentes do Espírito Santo, foram condenados à prisão em 1980.
Segundo a denúncia, Paulo e Dantinho “arquitetaram um plano diabólico para possuí-la sexualmente, usando de todos os recursos, mesmo se necessário fosse, sacrificá-la, como aconteceu”. O MP também afirmou que a criança teria ficado em cativeiro no sótão de um bar que pertencia à família Michelini. Tudo sendo do conhecimento de Dantinho. As defesas dos réus sempre negaram o crime.
Em 1980, foi definida a sentença: Paulo Helal e Dantinho foram condenados a 18 anos de prisão e o pagamento de uma multa de 18 mil cruzeiros. Dante Michelini foi condenado a 5 anos.
Eles recorreram da sentença e foram absolvidos em nova decisão. Em 1993, o processo foi arquivado. O juiz, na época, alegou falta de provas.
“Observamos um combo de ações e omissões nesse caso. Depoimentos que demoraram a ser tomados, provas que desapareceram, insatisfações dentro da própria polícia, interferências, amizades inapropriadas entre autoridades e com um dos então acusados, e as próprias condições precárias de trabalho da época. A partir do que foi apurado e entregue à Justiça, a avaliação do julgador foi a de que não havia provas para sustentar uma condenação. Olhares externos possuem avaliações diferentes sobre o caso. Por isso deixamos para o leitor avaliar por si a partir das informações que conseguimos reunir“, comenta.
Para Katilaine, o caso Araceli é um alerta constante para a sociedade em geral na forma como a proteção à infância é negligenciada, bem como as vítimas de violência sexual.
“Falhamos como sociedade quando deixamos que crimes como esse ainda aconteçam, quando não criamos um ambiente acolhedor para que sejam denunciados e, depois, quando eles permanecem impunes e sem conclusão. O caso ocorreu há 50 anos e, infelizmente, continua atual. Falamos sobre isso no livro, sobre as diferentes ‘Aracelis’, e é impressionante como as omissões ainda ocorrem hoje“, aponta.
Saiba mais sobre os autores
Felipe Quintino nasceu em Vitória. É jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduado em Letras e Jornalismo, fez mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo (USP). Atuou como repórter no jornal A Gazeta, onde participou de coberturas jornalísticas sobre Política e Justiça. Recebeu o Prêmio Capixaba de Jornalismo e o Prêmio de Jornalismo Cooperativista.
Katilaine Chagas nasceu no Rio de Janeiro. É jornalista, professora de inglês e tradutora. Formada em Jornalismo e Letras Inglês pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), foi repórter dos jornais A Gazeta e A Tribuna. Tem experiência na cobertura de Direitos Humanos, gênero e diversidade. Recebeu o Prêmio Findes de Jornalismo com uma série de reportagens sobre violência sexual e o Prêmio Adepes de Jornalismo com reportagem sobre pessoas trans.
Confira reportagem sobre o livro no Jornal da TV Vitória:
Serviço:
Lançamento do livro “O caso Araceli: mistérios, abusos e impunidade”
Autores: Felipe Quintino e Katilaine Chagas
Quando: nesta quarta-feira (17), às 19h
Local: Livraria Leitura do Shopping Vitória, Avenida Américo Buaiz, 200, Enseada do Suá, Vitória.
O livro é da editora Alameda, tem 282 páginas e custa R$ 69.
Onde adquirir: no site da editora