A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, atualmente, no Brasil, o número de animais abandonados passa dos 30 milhões e, entre eles, mais de 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães estejam vivendo em situação de abandono. O problema se torna ainda maior porque esses animais, que não são castrados, acabam procriando na rua.
Isso preocupa não só as pessoas que estão na linha de frente na luta pela causa animal, mas também, o Estado e a sociedade em geral. Os pets nas ruas acabam ficando mais fragilizados e expostos às zoonoses (doenças infecciosas transmitidas pelos animais às pessoas), o que se agrava por conta de os mesmos não serem vacinados e tratados.
Algumas prefeituras, para diminuir o problema, criaram projetos de castração e controle populacional de cães e gatos. Um exemplo é a administração de Vitória, que lançou há pouco tempo, um projeto de castração e cadastro para ter este controle.
Embora muitos não saibam, o abandono de animais é crime previsto por lei. Para falar sobre isso e os projetos atuais, entrevistamos a advogada, militante na defesa dos animais e presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB-ES, Marcella Rios Gava Furlan. Confira a entrevista!
O aumento populacional de animais abandonados pode ser considerado um problema de saúde pública? Qual o papel do poder público, em sua opinião, para minimizar essa questão?
Sim, é também um problema de saúde pública. Quando se tem uma população de cães e gatos abandonados ou até semi-domiciliados (possuem um lar, mas saem para a rua durante o dia. Normalmente, isso acontece em zonas rurais ou em bairros mais carentes) a chance das zoonoses se proliferarem é muito grande, já que esses animais não estão vacinados. E quando há o cruzamento, ou até mesmo uma briga entre eles, a disseminação dessas doenças é muito maior.
Segundo o art. 225 da Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Portanto, a proteção dos animais é um dever de todos e não apenas do poder público. A ele, cabe em linhas gerais, a implementação de políticas públicas voltadas para o bem-estar desses animais em situação de vulnerabilidade, seja através de castração, vacinação dos animais errantes, assim como educação e conscientização das comunidades carentes.
Especialistas dizem que a castração é a única maneira de evitar o aumento populacional. Mas, não se trata de uma cirurgia simples, pois há o pré e o pós-cirúrgico. Isso deveria ser uma responsabilidade só do poder público, ou o caminho são as parcerias com entidades privadas?
A castração, de fato, é a forma mais eficaz de se evitar o aumento populacional, não há a menor dúvida. Também é verdade que o procedimento para se castrar um animal não é simples, uma vez que exige todo o cuidado necessário para que a sua integridade seja mantida. Não vejo como obrigação única e exclusiva do poder público. A própria Constituição Federal confirma. Ademais, hoje há um grande interesse da sociedade civil (protetores, ONGs, pessoas comuns) na causa animal. De toda sorte, uma coisa não exclui a outra. A sociedade, hoje, tem interesse em participar dos cuidados com os animais de rua. Porém, é fato que o poder público possui as condições mais apropriadas. Inclusive, a nossa Capital tem um amplo Programa de Castração Animal. Desde o dia 10/08, Vitória passou a contar com um programa permanente para o controle populacional desses animais. Todavia, as parcerias público-privadas são também meios igualmente eficazes para se alcançar o fim almejado, principalmente, nas regiões mais carentes.
Existe uma lei que, recentemente, foi até mais endurecida, que pune quem maltrata animais. A questão é que raramente ela é cumprida. Como mudar essa realidade?
A Lei nº 14.064/2020, conhecida como “Lei Sansão”, proporcionou uma alteração da Lei de Crimes Ambientais, que agora, inclui um capítulo sobre cães e gatos, aumentando a pena de 02 a 05 anos de reclusão, multa e perda da guarda do animal. O problema não está no fato de que a lei é raramente cumprida. É necessário evoluir a cultura dos humanos perante os animais de uma forma que a educação faça a diferença, tanto no sentido de coibir práticas de maus-tratos, quanto para incentivar a população a denunciar os fatos que tenham conhecimento ou que presenciaram. Quanto maior o número de denúncias, maior será a obrigação de apuração por parte das autoridades competentes. Para dar certo, depende de todos nós. A educação é a base para a prevenção e para a repressão.
Quando alguém presencia um ato de maus-tratos de animais, o que deve fazer para denunciar? A Comissão tem um canal de denúncias?
Inicialmente, cumpre destacar que maus-tratos é crime, previsto no Art. 32 da Lei 9.605/98, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal (cão e gato).
Quando alguém presencia um ato de maus-tratos de animais, deve:
1 – Reunir provas (fotos, filmagens, documentos, testemunhas e etc.);
2 – Dirigir-se à delegacia de Polícia mais próxima e noticiar o fato ou registrar a ocorrência via internet: delegaciaonline.sesp.es.gov.br;
3 – Caso prefira e se sinta mais seguro é possível fazer denúncia anônima pelo telefone 181 ou pelo site: disquedenuncia181.es.gov.br;
4 – É possível também recorrer ao Ministério Público, pelo telefone 127, pelo aplicativo Cidadão ou pelo site: ouvidoria.mpes.mp.br;
5 – E por fim, pode denunciar casos de maus-tratos na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, diretamente à Comissão de Maus-Tratos a Animais, presidida pela Deputada Janete de Sá, através do e-mail: [email protected] ou pelo telefone 3382-3551;
6 – Se o crime de maus-tratos acontecer em Vitória, a denúncia poderá ser feita através do telefone 156, pelo site ou pelo aplicativo Vitória Online.
Atenção! Se a pessoa presenciar uma situação emergencial ou em flagrante (que esteja acontecendo naquele momento), deve ligar, imediatamente, para a Polícia Militar através do telefone 190.
Depois de reunidas as provas, as denúncias deverão ser feitas pelos canais citados acima. Caso necessário, a OAB pode oficiar os órgãos responsáveis pela apuração das denúncias de maus-tratos feitas pelo cidadão, para saber o andamento do caso e quais providências foram ou precisam ser tomadas.
Qual é o trabalho da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB-ES? Em quais frentes atua?
A comissão existe desde maio de 2019 e é integrada por advogados voluntários da OAB-ES. Tem por finalidade, a assessoria da presidência nos assuntos relacionados ao tema, o suporte administrativo e judicial em ações que envolvam casos de maus-tratos contra animais, nos termos das legislações vigentes. Também faz o acompanhamento e a fiscalização na implementação de políticas públicas voltadas à causa animal. E por fim, realiza campanhas e projetos voltados à proteção e ao bem-estar animal no Espírito Santo.
A Comissão lançou a primeira Campanha do Agasalho. Explique um pouco sobre o projeto:
Este é apenas um de nossos projetos. Podemos considerar como de grande relevância, diante de uma frente fria rigorosa, com promessas de temperaturas históricas em todo o Espírito Santo. A campanha visa a doação de cobertores velhos, caminhas, roupinhas e mantas, que são de extrema importância para manter os animais aquecidos. Os animais comunitários e os abrigos precisam do nosso apoio. É uma forma de ajudar e, também, de chamar a atenção da população capixaba para a causa animal.