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De Casa Lar para Casa República: conheça o espaço criado para jovens não adotados

O Folha Vitória mostra a realidade dos jovens abrigados e o que está sendo feito para aqueles que não são adotados

Foto: Carol Poleze/Folha Vitória

Casa Lar em Vila Velha

O destino dos jovens que completam 18 anos dentro de abrigos, esperando por uma família adotiva, muitas vezes, pode ser solitário e desafiador. Isto porque, ao chegaram a maioridade, precisam seguir a vida sozinhos, arranjar um trabalho e um lugar para morar.

Com o apoio do Estado e também dos próprios abrigos onde vivem, essa transição entre a adolescência e a vida adulta pode ser menos brusca. 

Com o desenvolvimento de políticas para capacitação em busca de garantir um espaço no mercado de trabalho, por exemplo, e auxílio por meio de doações para construir um cantinho para seguir a vida.

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No caso de um dos jovens de uma Casa Lar na cidade de Vila Velha, seguir sem uma família e as circunstâncias da vida p levaram para outro caminho.

Paulo Diniz é coordenador da casa e contou sobre essa dificuldade dos abrigados se manterem sozinhos. O adolescente, ao completar 18 anos, chegou a morar sozinho por alguns meses, mas ficou sem trabalho, sem dinheiro e sem casa.

“Todos os anos, no Natal, eu reúno todo mundo, os que já moraram aqui com os que ainda moram. Em 2018, eu fui procurar esse menino que morou com a gente durante cinco anos. Quando ele saiu, nós o ajudamos a comprar mobília, material para cozinha e tudo mais. Ele tinha um emprego, mas a empresa faliu e ele foi mandado embora. Então, começou a vender as coisas dentro de casa até ficar sem nada. Foi parar na rua. Quando eu procurei ele para o Natal, ele estava na rua, no meio de um monte de gente usando droga, perto do Terminal de Vila Velha. Era um garoto sem maldade e foi parar lá por circunstância da vida”, disse.

O impacto de ver o menino que morou anos na Casa Lar sem apoio nas ruas foi grande e fez crescer no Paulo a vontade de mudar essa realidade, de aliviar o processo brusco de um adolescente virar adulto, uma forma de transição entre a vida no abrigo e a vida no mundo: a Casa República.

Foto: Carol Poleze/Folha Vitória

Entrada da Casa República

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Em uma parte da garagem da Casa Lar foi construída uma nova casa. Um espaço limitado, com dois quartos, uma sala, área de serviço, banheiro e cozinha. A ideia é que os jovens que completarem 18 anos passem a morar nesse espaço, de forma mais independente.

Ou seja, terão, ainda, o apoio do abrigo, mas deverão cuidar da casa, fazer as compras e criar uma rotina de trabalho e estudos. Eles podem ficar na Casa República até completar os 21 anos.

O espaço foi montado com ajuda de doações e arrecadação de recursos. Paulo foi contando a história para um, para outro… até conseguir levantar a Casa República. No ano passado, foi firmado um acordo de colaboração com a Prefeitura de Vila Velha, com o intuito de manter a casa.

“O termo de colaboração é uma modalidade para dar continuidade ao serviço, com o que a prefeitura tem a oferecer, como disponibilizar uma equipe técnica, cuidadores, educadores e ajudar na manutenção do serviço”, informou a subsecretária municipal de assistência social, Márcia Barcellos, ao Folha Vitória.

O que tem sido feito por aqueles que não são adotados?

Dados do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) mostram que 86% das crianças disponíveis para adoção possui mais de oito anos

Em março deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) firmou parceria com algumas empresas nacionais para viabilizar o emprego para jovens que moram em abrigos, por meio do Programa Nacional Permanente de Apoio à Desinstitucionalização de Crianças e Adolescentes Acolhidos e Egressos de Unidades de Acolhimento – Programa Novos Caminhos (PNC).

Empresas como o Banco do Brasil, a Petrobras, a Vale e a Eletrobras fizeram parte do acordo. O objetivo é oportunizar aos jovens acolhidos educação básica, superior e profissional, mesmo até 24 meses após desligamento das unidades de acolhimento.

No Espírito Santo, o TJES também firmou parceria com o Governo do Estado para capacitação dos jovens abrigados, utilizando o mecanismo que já é usado pelo programa Qualificar-ES, que oferece profissionalização gratuita e, em alguns casos, de forma on-line, como explica o coordenador da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA) do TJES, Helerson Silva.

“A Corregedoria Geral de Justiça assinou um acordo com a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Informação e Educação Profissional (Secti), utilizando toda a estrutura existente do Qualificar-ES para ofertar aos adolescentes que estão nas instituições de acolhimento esses cursos profissionalizantes, como de manicure ou padeiro”, explicou Helerson Silva.

Morar na Casa República já está nos planos dos adolescentes que ainda não encontraram uma família

Com mais sete outros meninos, D., 16 anos, mora em uma Casa Lar na cidade de Vila Velha e tem o dia cheio de atividades. Ele precisa arrumar a cama, ir para a escola, fazer os deveres de casa, cuidar dos bichos e, então, está livre para as atividades de lazer.

“Eu gosto de ler, escrever, desenhar e costurar roupa para boneca, só não gosto de ficar à toa. Quero fazer faculdade de Letras e, enquanto eu estiver estudando, eu quero trabalhar. Quem sabe, também me casar e ter filhos”, contou D., um adolescente de 16 anos que vive lá.

Foto: Carol Poleze/Folha Vitória

D. na Casa Lar em Vila Velha

O futuro que imagina não está tão distante. Em breve, D. terá 18 anos e precisará dar os próprios passos em busca da independência. O sonho de ter uma família só dele ainda existe, mas os planos revelam uma realidade diferente: a construção de um futuro independente de ter pai ou mãe.

Quando eu sair daqui, eu pretendo morar na Casa República, vou juntar um dinheiro para montar a minha casa e ter minhas coisas. Se não tivesse a Casa República, eu não teria um lugar para ficar, não tenho uma estabilidade, preciso de apoio”, finalizou. 

*A identidade do adolescente entrevistado, assim como o nome oficial da Casa Lar onde vive, foram preservados na reportagem, a pedido da coordenação do abrigo, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).