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Em 5 anos, mais de 50 pessoas trans conseguiram alterar nome e gênero no ES

Provimento nº 73/2018 possibilitou que comunidade trans conseguisse realizar a alteração diretamente em cartório, sem precisar passar por processos judiciais

Foto: Foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal

Respeito, educação, autonomia. Palavras tão comuns no dia a dia, que muitas vezes acabam não sendo apreciadas como deveriam. Elas se referem muitas vezes ao ambiente social, profissional, a ser quem realmente é, viver como quiser. 

A população trans no Espírito Santo, desde 2018, pode se aproximar cada vez mais do verdadeiro sentido destas palavras. Naquele ano, foi publicado o Provimento nº 73, que permite a alteração de nome e gênero diretamente em cartório, sem precisar passar pelo crivo judicial. 

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Ele autoriza que as pessoas a requerer registro civil de origem a adequação de sua certidão de nascimento ou casamento à identidade autopercebida. 

De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), de 2018 para cá, 52 pessoas já realizaram o procedimento no Estado, dentre elas, o estudante de jornalismo José Luís Modenesi Anastácio, de 20 anos. 

Ele, que é natural de João Neiva, conta que o processo foi rápido, sem precisar passar por audiências com um juiz, tudo dependeu puramente da sua própria vontade. 

“Eu comecei minha transição na pandemia, em 2020. Logo que comecei, já comecei a procurar os meios para realizar este procedimento. Na minha cidade foi tudo muito rápido, um processo bastante simplificado. Melhor ainda foi que pude contar com muito apoio, principalmente da minha mãe”, contou. 

Ele relata que o processo pode ser financeiramente custoso após a alteração da certidão, mas que também já conseguiu as mudanças na carteira de identidade e no Cadastro de Pessoa Física (CPF). 

“Ainda que tenha um custo financeiro, ter a possibilidade de fazer esta alteração diretamente num cartório, sem um processo judicial, que é um dificultador, é muito importante. Pois depende primeiramente da sua vontade”. 

Suprimento de uma necessidade básica

José afirma que mais do que uma conquista, a alteração significou suprir uma necessidade básica, apresentar os próprios documentos, a própria identidade sem sentir a necessidade de se explicar. 

“Acho que podemos enxergar isso por uma ótica objetiva, eu fiz porque precisava disso, era uma necessidade básica. Não ter que apresentar meus documentos, passar por uma catraca e ter que me explicar a alguém, como se eu tivesse que explicar algo, não tenho. As pessoas precisam estar dispostas a nos entender, e muitas nunca estão. Então, para mim, isso foi o importante, a autonomia”, disse. 

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Ainda segundo ele , a alteração funciona também como um facilitador do próprio convívio social, do bem-estar. “O nome é a apresentação social. Em todos os lugares que você chega, todas as pessoas com quem conversa, é a primeira coisa que perguntam”, finalizou. 

Um primeiro passo importante

Para Deborah Sabará, coordenadora da Associação Gold, que assiste pessoas LGBT no Espírito Santo e no Brasil, a medida é um passo importante na trajetória de pessoas trans no Estado. 

De acordo com ela, antes do provimento, a alteração só era possível após cirurgia de redesignação sexual, algo que muitas pessoas na comunidade descartam completamente. 

Foto: Walace Marrocchi/ Divulgação
Deborah Sabará, coordenadora da Associação Gold

“Isso só veio a agilizar todos os processos de centenas e centenas de pessoas trans pelo Brasil. Era um constrangimento, muitas pessoas não têm interesse algum de fazer a cirurgia de redesignação sexual. Era um absurdo isso, então muitos anos muitas pessoas não conseguiram a retificação”. 

Recentemente, a Associação Gold firmou uma parceria com a marca Doritos para mapear o número de pessoas no Brasil que pretendem realizar a retificação, ou que queiram apenas alterar gênero ou tirar os gêneros masculino ou feminino das certidões.

“A Gold vai fazer no Espírito Santo um formato diferenciado deste projeto, vamos buscar fazer um seminário com os cartórios, vamos buscar parcerias com a Defensoria Pública para criar uma cartilha e distribuir a pessoas trans ou aos órgãos para tirar dúvidas. É um passo a passo de como fazer a retificação”.

Deborah relata ainda que a Associação já realizou três mutirões para ajudar a comunidade com as retificações, auxiliando centenas de pessoas. O número de 52 alterações no Espírito Santo, segundo ela, pode acontecer pelo fato de várias pessoas não serem naturais do Estado, sendo contabilizadas em seus estados de origem. 

Ela ainda alerta que quem quiser o serviço, deve fazer o mais cedo possível, uma vez os custos podem ser bem elevados a quem já adquiriu bens como um carro, apartamento ou possui um comércio próprio. 

Por fim, Deborah alerta que as mudanças na vida de pessoas trans dependem fortemente de uma palavra: educação. 

“Acredito fielmente na educação, as empresas têm que ter coragem, os espaços precisam ter coragem para dialogar sobre a presença de corpos trans. Já tive conversas com grandes empresas e sempre nos perguntamos como podemos minimizar a quantidade de mulheres trans e travestis assassinadas no Brasil”, disse. 

“Essa é um papel de toda a sociedade, da imprensa, do poder público, da comunidade LGBT que precisa nos apoiar”, concluiu.