Pelo menos oito pessoas LGBTQIA+ foram vítimas de mortes violentas no Espírito Santo em 2021. Somente em Vitória, foram dois assassinatos registrados.
Um dos casos que aconteceu no Estado capixaba foi em setembro, quando um ex-assessor parlamentar foi morto a tiros no município de Guarapari. Segundo a polícia, a vítima havia saído há poucos dias de uma clínica de reabilitação. Jilson Santos tinha 39 anos.
Familiares contaram que ele era conhecido na cidade e que trabalhou como assessor parlamentar na Câmara Municipal. A vítima, ainda segundo parentes, também presidiu a associação LGBTQIA+ da cidade e foi um dos idealizadores da parada gay realizada no município.
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No relatório do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTIA+, outro crime mencionado foi o assassinato de Nanny Araújo dos Santos, que estava em processo de afirmação de sua identidade trans e vivia no acampamento Ondina Dias, em Nova Venécia, no Noroeste do Estado.
O número de 2021 é 8 vezes maior do que no ano anterior. Segundo o mesmo relatório, em 2020, houve apenas um registro de morte do tipo. O documento destaca que, naquele ano, diante da quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus, houve queda de vários tipos de crime.
Em 2021 foi a primeira vez que o relatório partiu de uma base de dados comum, contando com o olhar de ativistas, militantes, especialistas e experts, de diversos seguimentos de nossa comunidade, com qualificações em múltiplas áreas e que, juntes, aceitaram o desafio de garantir um olhar atento às especificidades de cada identidade.
Brasil registra cinco casos por semana
Ao analisar os dados em nível de Brasil, os números são muito mais preocupantes. O levantamento mostra que pelo menos cinco pessoas LGBTQIA+ foram vítimas de homicídio no país a cada semana em 2021. Ao todo, foram 262 assassinatos, aumento de 21,9% em relação ao ano anterior, quando o total foi de 215.
Segundo o relatório, os alvos mais comuns foram gays (48,9%) e mulheres transexuais e travestis (43,9%). O dossiê é baseado em levantamento em notícias encontradas em jornais e portais eletrônicos, por causa das lacunas de estatísticas oficiais sobre esses crimes.
“Há, provavelmente, uma significativa subnotificação do número de mortes violentas de LGBTI+ no Brasil”, escrevem os pesquisadores.
Para Alexandre Bogas, diretor-executivo da Acontece – Arte e Política LGBTQIA+, os números refletem não apenas os casos mais extremos, mas também o cenário de preconceito contra essa parcela da sociedade e o descaso do poder público. “E o assassinato é só o resultado final. A gente sofre no dia a dia, já começa na família. A violência é muito forte”, disse.
Além da Acontece, o observatório inclui a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).
O levantamento destaca ainda a quantidade de mortes violentas na população LGBTQIA+. Nesta conta, entram também, por exemplo, os suicídios. Conforme os pesquisadores, essas mortes também refletem o problema estrutural.
Foram, no total, 316 mortes violentas de pessoas dessa comunidade – uma a cada 27h, incluindo homicídios, suicídios, entre outros.
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LGBTIfobia
De acordo com Bogas, a análise dos dados também expõe a crueldade dos casos e o ódio como motivação. “Ocorre muita pedrada e facada. Isso reflete a LGBTfobia estrutural”, avalia.
Esfaqueamento (28,8%), armas de fogo (26,27%), espancamento (6,33%), asfixia (3,16%), perfurações no corpo (2,53%) e queimaduras (2,22%) foram as principais causas de óbito.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, o principal instrumento empregado em mortes violentas intencionais no Brasil, considerando a população em geral, foi a arma de fogo (72,5%), seguido de arma branca (19,3%).
O documento apresenta ainda uma tendência de crescimento no total de mortes violentas reportadas de LGBTI+, mas a avaliação de que isso está ligado também à atenção maior dos movimentos organizados e da própria mídia ao assunto. Em 2000, por exemplo, foram 130 mortes violentas relatadas.
“A violência sempre ocorreu historicamente, mas não se tinha um esforço de mensurá-la e combatê-la”, destaca o relatório.
Jovens de 20 a 29 anos foram as principais vítimas, com 30,4% eram das vítimas nessa faixa etária. O dossiê ainda destaca as mortes de defensores de direitos humanos LGBTI+. Foram nove no ano passado, ante sete em 2020.
O Centro-Oeste aparece como a macrorregião mais violenta, com 2,15 mortes violentas a cada milhão de habitantes, seguida do Nordeste (2,01), do Norte (1,69), do Sudeste (1,15) e do Sul (0,92).
Reivindicações
As entidades listam, no dossiê, medidas que ajudariam a garantir a segurança dessa população. Entre elas, combater a impunidade e a subnotificação dos casos de abuso e violência; garantir políticas específicas para profissionais do sexo, moradores de favela e da periferia, pessoas em situação de rua, detentos e egressos das prisões.
Segundo especialistas, grande parte da população LGBTI+ tem dificuldade para avançar nos estudos e conseguir empregos de melhor renda, diante das situações de preconceito e insegurança.
Os grupos do observatório pedem ainda a ampliação da estrutura e o orçamento do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. Procurado, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não se pronunciou até a publicação da matéria.
*Com informações do Estadão Conteúdo