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ES não tem delegacia especializada de crimes raciais; saiba como denunciar

Veja onde e como denunciar casos de racismo e de injúria racial no Espírito Santo

Foto: Freepik

Espírito Santo teve 67 registros de boletins de ocorrência neste ano

As denúncias de pessoas negras que foram vítimas de crimes raciais somente neste ano no Espírito Santo, já chegam a 67 casos. O número é superior ao registrado no mesmo período do ano passado. 

Em todo o mês de maio de 2023, 56 pessoas procuraram à polícia e formalizaram queixas. Os dados são da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp).

No Anuário Brasileiro da Segurança Pública divulgado no ano passado, o Espírito Santo apresentou uma taxa de racismo duas vezes maior que a média nacional e ocupou a quinta posição de unidade federativa com mais alto índice de racismo.

Casos referentes a este tipo de crime se repetem com frequência. No dia 19 deste mês, uma idosa de 78 anos foi presa após proferir ofensas racistas contra um motorista de um ônibus do Sistema Transcol. 

Entre os xingamentos, conforme o boletim de ocorrência, a mulher, identificada como Alda Santos, chamou a vítima de “macaco”. Parte das ofensas foi gravada por testemunhas e passageiros que acompanharam a confusão no ônibus e ficaram revoltados.

Foto: Folha Vitória
idosa foi presa após ofensa racista

O motorista e vítima das ofensas, Deiverson Fernandes, de 33 anos, é casado, pai de uma menina de 4 anos e trabalha no Sistema Transcol há quase 10 anos. Ele conta que ficou espantado, mas fez questão de procurar uma delegacia.

“A princípio eu fiquei meio espantado, porque eu não esperava isso de uma senhora. Talvez até esperasse isso de ‘uma pessoa mais branca’. Na hora que ela falou que não gostava de preto e que meu lugar era na jaula, mostrei para ela o que é o correto e levei até o DPJ”, descreve o motorista.

Alda Santos ficou presa por menos de 24 horas. No dia seguinte ao crime, a idosa passou por audiência de custódia e por, decisão da Justiça, a prisão preventiva foi substituída pela liberdade provisória sem fiança.

O que diz a lei

Desde novembro de 2023, um marco legal importante equiparou a injúria racial ao crime de racismo, a Lei n.º 14.532. Com isso, atos de discriminação em função da cor, raça, ou etnia, nas mais diversas situações, terão punições mais severas. 

O racismo, conforme prevê a Constituição Federal, é crime inafiançável e imprescritível. Aquele que comete um ato racista pode ser condenado mesmo que já tenha se passado muitos anos do crime.

Especialista em Direito Processual e Penal, o advogado e professor universitário Francarlo Silva concluiu a dissertação do Mestrado na área voltada ao tratamento às vítimas de injúria racial. Para ele, os crimes raciais configuram, sobretudo, um desrespeito.

“O racismo ou injúria são termos que remetem à uma situação de desrespeito. Antes de ser crime legislado, positivado e tipificado, estamos falando da falta de respeito. Uma pessoa ofendendo outra pessoa. No entanto, nestes contextos, o motivo do desrespeito se dá em razão da raça, da etnia, da cor da pele. Penalmente falando, a injúria racial é um crime cometido contra a honra específica de uma pessoa ou de um grupo determinado de pessoas. Já o racismo atinge, por exemplo, todas as pessoas de uma determinada raça”, explica.

O Espírito Santo ainda não conta com uma delegacia especializada apenas em crimes raciais. Por isso, as investigações de delitos desta natureza, são feitas pela Seção de Investigações Especiais – Pessoas vítimas de Discriminação Racial, Religiosa, Orientação Sexual ou Deficiência Física. 

A unidade, estabelecida em 2019, é subordinada à Divisão Especializada da Região Metropolitana (DRM), e opera na Chefatura de Polícia Civil.

Para Francarlo Silva, a falta de um local que atue especificamente na determinada demanda, pode colaborar para que exista uma sub notificação dos casos. Ou seja, na prática, o número de casos e de vítimas de crimes raciais, pode ser ainda maior.

“O próprio termo já explica. Uma delegacia especializada vai se especializar naquele assunto. Vai atuar somente naquela demanda. A gente acredita que os profissionais serão treinados para atender quem vivenciou a situação. Claro que uma especializada falha, mas a chance da vítima se sentir mais acolhida e não ser revitimizada é bem maior”, afirma.

Com a falta de uma especializada, os dados fornecidos pela Secretaria da Segurança Pública englobam o termo “crime de racismo”, uma vez que a secretaria não faz uma separação entre crimes de racismo e injúria racial. 

Segundo a Sesp, a tipificação é feita somente pela autoridade policial. A secretaria informou que quando o registro é oficializado, as investigações são iniciadas.

Como identificar

Uma cartilha do Ministério da Justiça cita as seguintes ações como algumas das principais cometidas pelos agressores:

*Apelidar pessoas de acordo com características físicas e a partir de elementos de cor e etnia

*Inferiorizar características estéticas da etnia

*Considerar a vítima inferior intelectualmente por causa da etnia

*Ofender verbal ou fisicamente a vítima

*Desprezar costumes, hábitos e tradições da etnia

*Duvidar da honestidade e competência da vítima sem provas

*Recusar-se a prestar serviços a pessoas de diferentes etnias

A legislação brasileira define punições específicas para cada situação. Cabe ao delegado e ao promotor avaliar cada caso e indicar se a lei se aplica naquela situação.

Como denunciar

Em uma emergência:

Por meio do 190

Além de fazer parar a agressão, a PM pode prender o agressor e levá-lo à delegacia

Denúncia pela internet

www.delegaciaonline.sesp.es.gov.br

No ES, a vítima pode fazer a denúncia pelo e-mail da Gerência de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (Sedh), [email protected] e pelo site do Disque Denúncia 181.

Se o crime já aconteceu:

*Procure a autoridade policial mais próxima e registre a ocorrência

*Forneça nomes e contatos das testemunhas

*Solicite ao policial para incluir na queixa que deseja que o agressor seja processado

A cartilha do Ministério da Justiça e cartilhas de ministérios públicos estaduais destacam que, se o agente policial registrar a denúncia como um termo circunstanciado de ocorrência, a vítima pode insistir que o crime não é de menor potencial ofensivo e que deve ser investigado por meio de inquérito.