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Espaço aberto para a “arte da palavra”

Na Escola Monteiro, os livros escolhidos – entre dois e três por trimestre para cada série, do ensino fundamental ao médio -, levam em conta o que a literatura pode oferecer como arte.

Foto: Divulgação / Escola Monteiro
Aluna do 9º ano, Clara Alcantara Rodrigues compartilhou livros pessoais durante atividade desenvolvida pela professora Nelmary Cavalcanti, quando estava no 6º ano.

“Nossos livros são escolhidos levando em conta a literatura como arte. A arte transforma e ensina, é claro. Mas não definimos títulos pensando na literatura como algo funcional, que tem que ensinar isso ou aquilo a alguém. Temos uma relação de respeito com a arte da palavra”. 

Assim, a assessora de Linguagem e Literatura da Escola Monteiro, Ludimilla Rupf, explica o que norteia a escolha dos títulos a serem adotados ao longo do ano letivo do 1º ano do ensino fundamental ao 3º do médio.

Trata-se de um trabalho forte e embasado, que há anos vem sendo desenvolvido pela escola. A cada trimestre, são pelo menos três livros adotados. “Para nós, é importante o todo que uma obra literária pode oferecer: variedade de linguagens, temática, estilo, gênero. Mas, nada disso se torna uma função em si mesma”, complementa.

Foto: Divulgação / Escola Monteiro
A assessora de Linguagem e Literatura da Escola Monteiro, Ludimilla Rupf.

A ideia é trazer a Literatura para a vida dos alunos em sua riqueza e multiplicidade, indo dos clássicos ao que é produzido em nossos dias.

Alunos do 9º ano, por exemplo, estão sendo apresentados este ano à obra de Machado de Assis, um dos ícones da nossa Literatura. Ao mesmo tempo, no 8º ano, estudantes estão em contato com o Slam, uma “batalha de poesia” que une um público – em geral, jovem – em torno de uma performance oral de poesia.

“É claro que o professor que apresenta Machado de Assis aos alunos pode utilizar o estilo e a época do autor para trabalhar questões linguísticas. No 9º ano, o material ilustra, por exemplo, o conteúdo relacionado à colocação pronominal em próclise, mesóclise e ênclise, mas esse nunca é nosso objetivo principal”, esclarece.

Ela explica que a escola também se utiliza, muitas vezes, da literatura adaptada, buscando trazer obras clássicas contadas por meio de diferentes linguagens. Livros como “O Diário de Anne Frank” e “Clara dos Anjos”, em edição adaptada aos quadrinhos, e “Frankenstein” estão entre os exemplos de adaptações já adotadas.

Além disso, há um cuidado na diversificação dos autores trabalhados, incluindo autores negros, indígenas, mulheres e abrindo espaço para a literatura produzida no Espírito Santo.

“A questão da consciência negra, do racismo e do preconceito é abordada, inclusive, em um projeto específico em que adotamos obras de nomes como Emicida, Djamila Ribeiro e Kiusam de Oliveira”, diz.

A postura de estimular o protagonismo do aluno e de proporcionar um ambiente aberto ao diálogo, que são pilares da educação oferecida pela Monteiro, também está presente quando se pensa no projeto com Literatura.

Há canais abertos para acolher sugestões e situações em que mais de um livro com um mote em comum – como uma narrativa em formato diário – é oferecido para que o aluno possa fazer sua escolha.

Foto: Divulgação / Escola Monteiro
A professora de Português Sabrina Xavier junto ao aluno Gabriel Matos, que apresentou para sua turma o livro Maus, obra do escritor e ilustrador Art Spiegelman

Gabriel Matos, aluno do 9º ano, estava no 8º quando decidiu apresentar pra sua turma o livro Maus, obra do escritor e ilustrador Art Spiegelman, no formato quadrinhos, aproveitando uma iniciativa da professora de Português Sabrina Xavier, de dedicar parte da aula para o compartilhamento de leituras.

O livro é a única história em quadrinhos a receber o Prêmio Pulitzer e conta a vida de Vladek Spiegelman, pai do autor, um judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz. Maus, que significa rato em alemão, apresenta os judeus como ratos e os nazistas como gatos, num relato forte e comovente, que evidencia, pelas imagens em preto e branco e pela narrativa contundente e questionadora a brutalidade do Holocausto.

“O fato de o livro ter sido adotado pela escola para leitura dos 9º anos me deixa feliz, principalmente por se tratar de um tema tão importante, que precisa ser trabalhado para provocar reflexão e conscientização. Conhecer a história, inclusive por meio da literatura, e olhar as questões em todos os seus lados nos livra de opiniões, julgamentos e condutas equivocadas e cruéis”, afirma Gabriel, que agora está à frente de um movimento para criar um Clube do Livro na escola.

Mãe de Gabriel, a psicóloga Jurama Ribeiro de Oliveira, ressalta a importância da postura da Monteiro de se abrir para a escuta. “Existe uma interrelação e uma proximidade na prática pedagógica que permite ao aluno trazer atualidade, novidade para dentro da escola. É uma troca muito rica”, ressalta.

Foto: Divulgação / Escola Monteiro
Alunos do ensino médio aproveitam o espaço da biblioteca para leitura e trabalhos em grupo.

Aluna do 9º ano, Clara Alcantara Rodrigues também viveu a experiência de levar pra escola um livro que tinha em casa para uma atividade conduzida pela professora Nelmary Cavalcanti, quando estava no 6º ano. “A Nel pediu que a gente levasse um livro em que contos de fada fossem recontados de forma diferente. Levei o livro ‘Não era uma vez’ e ela gostou. Depois, pediu emprestado para trabalhar no ano seguinte e nós demos o livro para que ela utilizasse sempre que quisesse. Esse ano, vi que a escola adotou o livro. Achei muito legal”, afirma.

A professora ressalta que essa participação é muito importante e ajuda a envolver e engajar os alunos. “O livro que Clara levou tem autores latino-americanos e essa valorização é importante. Além disso, trabalhar contos com a participação da família ajuda na reflexão e na compreensão dos temas, estimulando o diálogo e interação”, considera.

Foto: Divulgação / Escola Monteiro

Formação

Ludimilla afirma que, apesar de achar que a literatura não deve ser considerada um meio para determinado fim, são incontáveis os benefícios que a arte da palavra pode trazer em todas as etapas da vida.

“O trabalho desde a infância ajuda a despertar o gosto pela leitura e a formar novos leitores. Ler também é uma forma de estimular a criatividade e a imaginação e de expandir realidades, além de favorecer a escrita”, exemplifica.

Mãe de Clara, a jornalista Ana Paula Alcantara ressalta sua admiração pelo trabalho desenvolvido. “Lembro que li ‘O Mistério do Coelho Pensante’, de Clarice Lispector, na escola, por volta dos 9 anos, e do quanto o trabalho realizado pela professora de Português me estimulou. Depois, vieram os livros da Coleção Vagalume, as carteirinhas de associada a biblioteca públicas e um mundo se abrindo à minha frente. A Literatura faz parte do que fui e do que sou, ampliando meu universo, criando pontes, produzindo autoconhecimento e fazendo de mim uma apaixonada pelas palavras. Desde bebê, Clara tem uma estante para chamar de sua e fico muito feliz de ter na escola uma aliada nesse estímulo. No ano passado, a escola solicitou o livro do líder indígena Ailton Krenak, que estava na minha lista de leituras futuras. Comprei pra ela e, depois, peguei emprestado”, conta.

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