“Nossos livros são escolhidos levando em conta a literatura como arte. A arte transforma e ensina, é claro. Mas não definimos títulos pensando na literatura como algo funcional, que tem que ensinar isso ou aquilo a alguém. Temos uma relação de respeito com a arte da palavra”.
Assim, a assessora de Linguagem e Literatura da Escola Monteiro, Ludimilla Rupf, explica o que norteia a escolha dos títulos a serem adotados ao longo do ano letivo do 1º ano do ensino fundamental ao 3º do médio.
Trata-se de um trabalho forte e embasado, que há anos vem sendo desenvolvido pela escola. A cada trimestre, são pelo menos três livros adotados. “Para nós, é importante o todo que uma obra literária pode oferecer: variedade de linguagens, temática, estilo, gênero. Mas, nada disso se torna uma função em si mesma”, complementa.
A ideia é trazer a Literatura para a vida dos alunos em sua riqueza e multiplicidade, indo dos clássicos ao que é produzido em nossos dias.
Alunos do 9º ano, por exemplo, estão sendo apresentados este ano à obra de Machado de Assis, um dos ícones da nossa Literatura. Ao mesmo tempo, no 8º ano, estudantes estão em contato com o Slam, uma “batalha de poesia” que une um público – em geral, jovem – em torno de uma performance oral de poesia.
“É claro que o professor que apresenta Machado de Assis aos alunos pode utilizar o estilo e a época do autor para trabalhar questões linguísticas. No 9º ano, o material ilustra, por exemplo, o conteúdo relacionado à colocação pronominal em próclise, mesóclise e ênclise, mas esse nunca é nosso objetivo principal”, esclarece.
Ela explica que a escola também se utiliza, muitas vezes, da literatura adaptada, buscando trazer obras clássicas contadas por meio de diferentes linguagens. Livros como “O Diário de Anne Frank” e “Clara dos Anjos”, em edição adaptada aos quadrinhos, e “Frankenstein” estão entre os exemplos de adaptações já adotadas.
Além disso, há um cuidado na diversificação dos autores trabalhados, incluindo autores negros, indígenas, mulheres e abrindo espaço para a literatura produzida no Espírito Santo.
“A questão da consciência negra, do racismo e do preconceito é abordada, inclusive, em um projeto específico em que adotamos obras de nomes como Emicida, Djamila Ribeiro e Kiusam de Oliveira”, diz.
A postura de estimular o protagonismo do aluno e de proporcionar um ambiente aberto ao diálogo, que são pilares da educação oferecida pela Monteiro, também está presente quando se pensa no projeto com Literatura.
Há canais abertos para acolher sugestões e situações em que mais de um livro com um mote em comum – como uma narrativa em formato diário – é oferecido para que o aluno possa fazer sua escolha.
Gabriel Matos, aluno do 9º ano, estava no 8º quando decidiu apresentar pra sua turma o livro Maus, obra do escritor e ilustrador Art Spiegelman, no formato quadrinhos, aproveitando uma iniciativa da professora de Português Sabrina Xavier, de dedicar parte da aula para o compartilhamento de leituras.
O livro é a única história em quadrinhos a receber o Prêmio Pulitzer e conta a vida de Vladek Spiegelman, pai do autor, um judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz. Maus, que significa rato em alemão, apresenta os judeus como ratos e os nazistas como gatos, num relato forte e comovente, que evidencia, pelas imagens em preto e branco e pela narrativa contundente e questionadora a brutalidade do Holocausto.
“O fato de o livro ter sido adotado pela escola para leitura dos 9º anos me deixa feliz, principalmente por se tratar de um tema tão importante, que precisa ser trabalhado para provocar reflexão e conscientização. Conhecer a história, inclusive por meio da literatura, e olhar as questões em todos os seus lados nos livra de opiniões, julgamentos e condutas equivocadas e cruéis”, afirma Gabriel, que agora está à frente de um movimento para criar um Clube do Livro na escola.
Mãe de Gabriel, a psicóloga Jurama Ribeiro de Oliveira, ressalta a importância da postura da Monteiro de se abrir para a escuta. “Existe uma interrelação e uma proximidade na prática pedagógica que permite ao aluno trazer atualidade, novidade para dentro da escola. É uma troca muito rica”, ressalta.
Aluna do 9º ano, Clara Alcantara Rodrigues também viveu a experiência de levar pra escola um livro que tinha em casa para uma atividade conduzida pela professora Nelmary Cavalcanti, quando estava no 6º ano. “A Nel pediu que a gente levasse um livro em que contos de fada fossem recontados de forma diferente. Levei o livro ‘Não era uma vez’ e ela gostou. Depois, pediu emprestado para trabalhar no ano seguinte e nós demos o livro para que ela utilizasse sempre que quisesse. Esse ano, vi que a escola adotou o livro. Achei muito legal”, afirma.
A professora ressalta que essa participação é muito importante e ajuda a envolver e engajar os alunos. “O livro que Clara levou tem autores latino-americanos e essa valorização é importante. Além disso, trabalhar contos com a participação da família ajuda na reflexão e na compreensão dos temas, estimulando o diálogo e interação”, considera.
Formação
Ludimilla afirma que, apesar de achar que a literatura não deve ser considerada um meio para determinado fim, são incontáveis os benefícios que a arte da palavra pode trazer em todas as etapas da vida.
“O trabalho desde a infância ajuda a despertar o gosto pela leitura e a formar novos leitores. Ler também é uma forma de estimular a criatividade e a imaginação e de expandir realidades, além de favorecer a escrita”, exemplifica.
Mãe de Clara, a jornalista Ana Paula Alcantara ressalta sua admiração pelo trabalho desenvolvido. “Lembro que li ‘O Mistério do Coelho Pensante’, de Clarice Lispector, na escola, por volta dos 9 anos, e do quanto o trabalho realizado pela professora de Português me estimulou. Depois, vieram os livros da Coleção Vagalume, as carteirinhas de associada a biblioteca públicas e um mundo se abrindo à minha frente. A Literatura faz parte do que fui e do que sou, ampliando meu universo, criando pontes, produzindo autoconhecimento e fazendo de mim uma apaixonada pelas palavras. Desde bebê, Clara tem uma estante para chamar de sua e fico muito feliz de ter na escola uma aliada nesse estímulo. No ano passado, a escola solicitou o livro do líder indígena Ailton Krenak, que estava na minha lista de leituras futuras. Comprei pra ela e, depois, peguei emprestado”, conta.
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