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A universitária que denunciou o promoter de uma boate de Vitória por racismo, em junho deste ano, falou pela primeira vez sobre o ocorrido. A denúncia foi feita após ela não conseguir reservar uma mesa para comemorar o aniversário em uma boate, que fica na avenida Nossa Senhora da Penha, na Capital.
Em entrevista exclusiva, concedida à equipe de reportagem da TV Vitória/Record TV, ela contou que chegou até a pensar em desistir da comemoração após o promoter André Luiz Neves Leão Borges, de 32 anos, ter se recusado a fazer a reserva de uma mesa, alegando não ter vaga, enquanto demonstrou ter mesa disponível a uma amiga da vítima, de cor branca, minutos depois do primeiro contato.
Leia a entrevista na íntegra
Como tem sido para você lidar com o fato de ter sido vítima de racismo?
“Para mim tem sido muito difícil porque toda vez que eu lembro desse caso é muito triste. Só que nesse último mês, quando saiu o inquérito da polícia, isso foi muito positivo. A gente conseguiu declarar como racismo, a polícia fez a investigação corretamente”.
O que você espera que seja feito agora?
“Espero que os envolvidos sejam punidos, que não seja em vão”.
Como você reagiu ao perceber que estava sendo vítima de racismo?
“No primeiro momento, quando acontece, é um choque, porque você não acha que é aquilo mesmo que você está vendo. Mas quando você para e pensa: ‘cara, isso está acontecendo, eu estou sendo vítima de racismo’ (…), nesse momento é muito difícil. Você começa até a se culpar”.
Quando você percebeu que realmente estava sofrendo preconceito?
“No momento que eu pedi que a outra amiga minha mandasse a mensagem. Porque houve a recusa e eu fiquei na dúvida. Eu falei: ‘será que é isso mesmo? Nossa, que estranho isso acontecer!’. Minha amiga mandou o um print mostrando que tentou e conseguiu (fazer a reserva). Então eu percebi que era isso mesmo”.
E qual foi a sua reação?
“Eu chorei bastante, fiquei muito triste. Quando aconteceu eu pensei em nem comemorar mais (o meu aniversário). Isso não era para ter virado o que virou”.
O que você diria às pessoas que, como você, podem passar por uma situação de racismo?
“As pessoas que passam por isso, apesar de na hora ser uma coisa de muito sofrimento, de muita dor, elas precisam ter coragem e conseguir expor isso não para as outras pessoas, mas para a Justiça.
Porque às vezes muitas pessoas só querem ouvir e dizer que não foi aquilo, que você está errado, que você está vendo coisa onde não tem. E quem pode (procurar a solução do caso) é você e na Justiça, que vai investigar e fazer”.
Entenda o caso
O promoter de uma casa de shows, localizada na avenida Nossa Senhora da Penha, em Vitória, foi indiciado por racismo no dia 05 de novembro após ser denunciado em junho deste ano por uma estudante negra, de 25 anos, que não conseguiu reservar uma mesa para comemorar o aniversário na boate.
O caso foi registrado na Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCE), já que tudo aconteceu por meio das redes sociais. O promoter, André Luiz Neves Leão Borges, de 32 anos, responde pelo crime resultante de preconceito de cor, que tem pena estimada de 1 a 3 anos de prisão.
“Eu tentei a reserva em junho, que é o mês do aniversário. Fiz contato umas duas semanas antes, porque ia muita gente e quis adiantar. Porém, eles me falaram que não tinha mais vaga e pedi uma outra amiga, que é branca, para perguntar também, porque achei estranho. Quando ela entrou em contato, conseguiu de imediato. Eu fiz o teste com outras duas amigas, uma que também é negra e outra que é branca. O resultado foi o mesmo, só a branca conseguiu reservar”, contou.
A estudante afirmou ainda que já havia frequentado a casa outras vezes. “Eu fui lá e me trataram normal. Eu entendo que, quando eu vou lá, eles não podem me impedir de entrar. Mas quando eu peço para comemorar meu aniversário, eles podem tentar evitar isso, pois se eu sou negra, podem entender que levaria mais pessoas negras comigo. Depois disso, eu procurei a delegacia, um advogado e ele me orientou”, disse.
Mesmo não conseguindo a reserva no local onde havia planejado, a jovem não deixou de comemorar o aniversário de 25 anos. Ela conseguiu uma mesa em uma outra casa de shows. “Mesmo com isso tudo, teve festa e eu não deixei de comemorar. Fui com meus amigos para um espaço que fica lá em Cariacica. Fui muito bem atendida por todos, muito bem recebida e a festa foi linda”, destacou.
O advogado do estabelecimento, Frederico Machado, esclareceu que o promoter foi ouvido na delegacia e que foram apresentadas também, fotos das redes sociais da boate, que mostram clientes negros frequentando o espaço.
“Nós apresentamos tudo o que foi solicitado na delegacia, o André foi ouvido e nós apresentamos também fotos das nossas redes sociais. Elas mostram vários clientes de cor negra se divertindo, provando que nunca houve esse tipo de discriminação. Além disso, apresentamos que 90% dos nossos colaborados são negros e nosso estabelecimento está muito tranquilo em relação a essas acusações”, esclareceu.
Todas as mensagens trocadas foram apresentadas à polícia como provas, além de testemunhas. Segundo a Polícia Civil, ele foi indiciado pelo delito previsto no Art.5º da Lei 7.716/89, crimes resultante de preconceito de raça e de cor, e o inquérito foi encaminhado à Justiça.