A falta de profissionais para atender crianças e adolescente com necessidades especiais tem preocupado pais e mães de alunos autistas matriculados na rede municipal de Vitória. Eles reclamam que os estudantes ficam com o aprendizado defasado e não acompanham o desenvolvimento pedagógico do restante da turma.
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) ingressou, nesta segunda-feira (11), com uma ação civil pública contra a Prefeitura de Vitória, exigindo que a administração municipal adote medidas para solucionar o problema de falta de professores e demais profissionais de educação especial do município.
O filho de Luzia Jacinto, Leonardo, um menino autista de 11 anos, é um dos afetados pela falta de professores. Ele está matriculado no sexto ano na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Eliane Rodrigues dos Santos, na Ilha das Caieiras.
“É um menino que adora estudar, mas que vem sendo prejudicado pela falta de professor de Educação Especial e de um cuidador disponível na escola”, acentua.
Para um aluno com necessidades especiais, a função do professor especializado é fazer a adaptação da matéria que é ministrada em sala de aula. Além disso, esse aluno também deve ser acompanhado no chamado contraturno, como forma de reforçar o ensino das disciplinas.
E os profissionais envolvidos também ficam atentos a outras necessidades, inclusive físicas. Aliás, a ausência de uma equipe de apoio está, na análise de Luzia, entre as causas do acidente que fraturou o braço direito do filho durante o horário de recreio há mais de um mês. O menino se machucou e está com atestado de afastamento de 45 dias.
“Durante todo esse tempo, eu vou à escola para saber se já temos professor especializado e a resposta é sempre a mesma, ou seja, não há. Já não havia antes, o trabalho era feito por um estagiário, mas há aspectos que, por lei, um estagiário não pode prover para essas crianças. Isso é preocupante porque a escola, além de não ter professor especializado para elas, também só conta com três estagiários, num quadro que pedia, no mínimo, 18”, critica.
Ela aponta também que há falta de professores de outras disciplinas na escola. “Além das crianças de Educação Especial, as outras também estão sofrendo por essa ausência de professores. É triste porque, na prática, as crianças estão ocupando a escola, mas não estão aprendendo“, avalia.
Quem também está preocupada com a performance do filho é Ester Rodrigues, integrante do coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN). Ela é mãe de gêmeos autistas. Matheus e Lucas estão com 16 anos. Matheus é aluno na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Maria Stella de Noaves, no bairro Grande Vitória. Já Lucas está na rede estadual.
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“Não há professor disponível para as crianças especiais fazerem reforço no contraturno. E esse reforço é fundamental porque elas necessitam de estímulo para fixar as matérias. E já estamos praticamente no meio do semestre, que se iniciou em fevereiro”, aponta.
Ester diz que a situação é recorrente. “Todos os anos, a Secretaria Municipal de Educação de Vitória sabe que deverá atender a esses alunos especiais e começa o calendário das aulas e não há professor e demais profissionais contratados para eles. Vejo que há uma diferença de prioridade entre as crianças. Para os nossos filhos, sem professor, sem equipe disciplinar especial, o ano letivo demora a começar, o que prejudica o aprendizado deles”, critica.
Associação de pais de autistas diz que problema é recorrente
A Associação dos Amigos dos Autistas do Espírito Santo (Amaes) acompanha esses pais e mães e confirma que há dificuldades enfrentadas por alunos especiais na rede pública de Vitória.
“A principal reclamação que constatamos é esta: o ano letivo começa, mas sem profissionais de apoio ao estudante autista, como professores de educação especial e cuidadores. É necessário que haja um ajuste no tempo de contratação para que as aulas não comecem sem esses profissionais nas escolas. Sem eles, o aprendizado fica defasado e os alunos especiais são prejudicados”, explica a presidente Pollyana Paraguassú.
A presidente disse que foi realizada uma reunião entre a Amaes e a Prefeitura de Vitória para tratar a questão no final de março. “Na ocasião, a secretária de Educação, Juliana Rohsner, disse que até o final do mês de maio tudo estaria resolvido”, informou.
Ministério Público aciona a Prefeitura de Vitória
O MPES ingressou, nesta segunda-feira (11), com uma ação civil pública contra a Prefeitura de Vitória, exigindo medidas para solucionar o problema de falta de professores e demais profissionais de educação especial do município.
O problema, segundo o MPES, afeta alunos de escolas de educação infantil e de ensino fundamental da prefeitura, em diversas regiões do município.
Na ação, o Ministério Público Estadual pede, entre outras coisas, que a Prefeitura de Vitória oferte, imediatamente, o quantitativo adequado de profissionais da educação especial para atender à atual demanda de estudantes que tenham necessidades especiais.
Além disso, a administração municipal deve apresentar, em um prazo de 72 horas, o atual número de cargos vagos de profissionais da educação especial e um cronograma para o preenchimento dessas vagas.
O que diz a Prefeitura de Vitória
A Secretaria de Educação de Vitória (Seme) informa que, atualmente, há 939 crianças e estudantes com transtorno de espectro autista (TEA) matriculados na rede de ensino da Capital.
Segundo a prefeitura, eles são atendidos no horário regular de ensino, frequentam as aulas junto com as turmas, e também são atendidos por profissionais da Educação Especial dentro de uma perspectiva inclusiva da educação.
O Atendimento Educacional Especializado à criança ou ao estudante autista é feito com acompanhamento de professor especializado, por meio de avaliação pedagógica envolvendo os demais profissionais da escola, pedagogo, professor regente de sala comum para identificar quais são as especificidades daquela criança ou daquele estudante, reconhecendo suas potencialidades e barreiras, para que ele possa se desenvolver, adquirir novos conhecimentos, viver experiências, socializar e aprender, por meio da acessibilidade curricular.
No ato de matrícula, crianças e estudantes da Educação Especial têm preferência no Sistema de Gestão Escolar.
A reportagem perguntou, então, o número desses profissionais atuantes e o que a secretaria estaria fazendo para resolver essa defasagem das equipes nas escolas, frente às reclamações dos pais. A matéria será atualizada quando a resposta for enviada.
Sobre a ação do Ministério Público, a Seme ressaltou que registrou um grande aumento no número de afastamentos de profissionais da rede por licença médica. Segundo a prefeitura, na segunda quinzena de março deste ano, por exemplo, “foram contabilizadas 602 ausências por licença médica na rede, em 100 unidades de ensino, o que representa uma média de seis professores afastados por escola”.
“Em 2019, no mesmo período, o número de licenças médicas foi de 437, também em 100 unidades de ensino. Houve um aumento expressivo de 38% de profissionais afastados das salas de aula”, completou a prefeitura.
A secretaria de Educação do município informou ainda que, entre as ações já tomadas para suprir pontuais faltas de profissionais estão a nomeação de 364 profissionais efetivos aprovados em concurso público; a convocação de mais de 1 mil profissionais aprovados em processo seletivo simplificado; e o remanejamento de profissionais dentro da própria rede e extensão de carga horária para atender outras unidades de ensino.