“Filha, eu não tenho nenhuma foto com você na minha barriga porque o tempo todo você foi gerada no meu coração”. Foi essa a resposta que a Eloisa, mãe de Lisandra, disse quando a filha estava com 6 anos e tinha dúvidas sobre suas origens.
O que significa mãe? Etimologicamente, a palavra originada do latim mater tem associação com mamma (seio) ou mammare (referência ao ato de mamar). Em outras línguas, a mesma palavra tem sons bem parecidos: mother, em inglês; mutter, em alemão; madre, em italiano…
Para mais de uma contextualização etimológica e uma comparação linguística, mãe só pode ter um significado: amor — e isso não está no dicionário.
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Quem prova do amor de mãe são os filhos: que podem ser de corpo ou de coração. A história aqui contada é bem mais que um especial para o Dia das Mães, celebrado neste domingo (12). É uma história de amor, de lealdade, de acolhimento e de respeito.
Era uma vez…
No final da década de 80, na cidade de Castelo, região Sul do Espírito Santo, a história de uma bebê com 20 dias de vida iria mudar para sempre. Lisandra Barbiero hoje é jornalista e escritora. Mas ela já foi uma criança, cheia de dúvidas, sonhos e dificuldades.
O que não faltou, porém, na vida de Lisandra, foi algo que toda criança deveria ter: um lar cheio de amor. Com 20 dias de vida, Lisandra se tornou filha do coração ao ser adotada.
“A gestação é biológica, o ato de gestar. A maternidade é emocional, é vínculo, é preenchimento. É a decisão de acolher aquela pessoa como sua filha.”
Um dia, perto dos 6 anos de idade, Lisandra chegou da escola e começou a olhar os retratos da família em casa. Parda, ela via seus irmãos, sua mãe e seu pai brancos e, por um momento, se sentiu diferente.
Com curiosidade de criança, ela pegou uma fotografia em que a mãe aparecia grávida, escondeu atrás das costas e entrou no quarto.
Ajoelhou e comparou a cor da pele, colocando o braço colado no braço da mãe. “Por que eu sou diferente?” e, logo em seguida, mostrou a fotografia, “eu estou na sua barriga?”.
Foi, então, quando a mãe, Eloisa, proferiu a frase que abriu esta reportagem. “Você foi gerada no meu coração”.
“Eu me senti muito amada, muito acolhida. Minha mãe foi muito espontânea e verdadeira em suas palavras. Foi a maior declaração de amor que recebi na minha vida e veio da minha mãe”, contou.
O amor de mãe hoje também é protagonizado por Lisandra. Ela passou por duas gestações, do Lucas e da Maria Laura. E foi um processo único, gerado também pela culpa. Culpa de se sentir obrigada a adotar, por uma dívida feita com a sociedade.
Mas, depois, percebeu que não se tratava de nada disso. A adoção deve acontecer pelo amor, não pela cobrança. A gestação foi uma escolha. Os filhos do corpo são amados pelo coração. O amor de mãe não tem barreiras biológicas. Aliás, não tem barreira nenhuma.
“Minha mãe tem dois filhos biológicos, mas a alegria de estar sendo mãe duas vezes, que é ser avó, ela tá vivendo comigo, que sou filha do coração. Sou eu que estou dando essa alegria da minha mãe ser avó”, disse.
“A adoção é mágica, ela te faz ser família” e outras crianças devem saber!
Munida de sua própria história, como escritora, Lisandra entendeu que a adoção precisa ser desmistificada, principalmente entre as próprias crianças.
Segundo ela, ainda existe muito preconceito. O bullying adotivo existe e pode ser sofrido dentro de casa, na escola e até mesmo de forma indireta.
“As pessoas têm receio do que a criança vai se tornar por não ter vínculo sanguíneo com os pais. Acham que será um adolescente problemático, por exemplo. Em alguns casos, o tratamento desigual é dentro de casa. Já teve casos de crianças adotadas receberem presentes inferiores em relação aos filhos biológicos”, explicou.
Foi com esse pensamento que Lisandra resolveu escrever um livro voltado para o público infantil. Em A Incrível Descoberta de Aninha, ela conta o processo de descoberta de uma criança que foi gerada no coração.
No Espírito Santo, 115 crianças esperam por um lar, de acordo com dados do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Somente até abril de 2024, foram 40 crianças que passaram pelo processo de adoção.
E os pretendentes habilitados não são poucos: atualmente, 722 pessoas estão habilitadas a adotar um filho no estado. Então, o que pode justificar tantas crianças ainda sem um lar?
“Quando nós falamos de adoção, não falamos apenas de uma pauta somente de estatística, de crianças disponíveis para adoção. Envolve negligência, abandono, questões raciais e sociais. Infelizmente, hoje, ainda existe muito preconceito. A maioria das crianças são pretas, mas os pretendentes querem brancas, por exemplo, entre outras exigências”, disse.
Feliz Dia das Mães (de corpo e coração)
O que significa mãe? A pergunta retorna após algumas voltas. Talvez, tenha um sentido único para cada mãe. Mães do corpo. Mães do coração.
Parafraseando o que Lisandra disse durante a entrevista, maternidade é construção. O amor construído por uma mãe não necessariamente tem genética envolvida. Amor é mãe e vice-versa.
“Eu me sinto, como mãe, privilegiada. Tenho dois filhos maravilhosos e não me sinto culpada por ter escolhido gestar. A mulher que pode e que queira gestar, tem que ir em busca dos seus sonhos. E quem quer vivenciar a maternidade sem gestar, deve sim buscar a adoção. Independente da maneira, o resultado é o mesmo: ter o seu filho nos braços”.
E essa palavra tão curta, de apenas três letras, carrega tantos significados que só sendo mãe para saber.