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"Guarapari não é Búzios", afirma autor de paródia que ironizou as declarações do prefeito

Na paródia, o locutor propõe algumas mudanças: a “Banana Boat” passaria a se chamar “Damasco Boat”e a famosa Praia do Morro se chamaria “Praia de Alphaville”

Foto: Divulgação/Governo

Após declaração polêmica do prefeito Orly Gomes (DEM), Guarapari ficou estampada nas manchetes dos principais jornais locais e nacionais. Pensando em uma reflexão sobre o teor das afirmações, o jornalista, radialista e sociólogo mineiro, Paulo Leite, gravou um vídeo para ironizar as medidas propostas pelo prefeito. 

Na paródia, o locutor propõe algumas mudanças: a “Banana Boat” passaria a se chamar “Damasco Boat”, a famosa Praia do Morro se chamaria “Praia de Alphaville”, e o queijo coalho servido nas praias seria substituído pelo queijo roquefort. A prefeitura, no entanto, ingressou com ação e a Justiça determinou a retirada do vídeo do ar.

O Folha Vitória conversou com o autor da paródia para saber sobre a repercussão do vídeo e a opinião mineira sobre o caso:

Folha Vitória: Como surgiu a paródia?
— Eu estava no corredor da rádio (102.9), e comentávamos sobre a declaração. Ficamos indignados, pois falamos de um país que deve ser mais incluso e aberto enquanto um prefeito fala dessa forma, criando impedimento e dizendo se pode, ou não, ir à praia onde ele governa. 
Brinquei no corredor e falei “vamos gravar um comercial para a nova Guarapari”, e os meninos responderam “vamos gravar isso?”, topei na hora.
Toda brincadeira vem de uma indignação. O humor e a indignação são muito próximos.

FV: Você costuma passar as férias em Guarapari?
— Já fui muito. Gosto muito de Guarapari, fiquei bastante em Santa Mônica. Gosto demais do Espírito santo e tenho amigos aí. A minha indignação surgiu porque sempre vi o Espírito Santo como um lugar inclusivo.

FV: E pretende voltar?
— Voltarei porque o pensamento do prefeito não representa o pensamento da população. O capixaba é um povo receptivo e sempre estão por aqui, em Belo Horizonte. São Estados muito próximos e que se querem muito, no sentido pleno de gostar. A opinião do prefeito é de um capixaba que não representa os demais.

FV: Sendo mineiro, como se sentiu com as declarações? Acredita que o prefeito foi “infeliz” ao propor as mudanças?
— Achei infeliz e preconceituosa a declaração. Sob um ponto de vista, concordo com ele. Pode fazer restrições, como por exemplo, proibir que os ônibus estacionem na orla da praia porque, neste caso, a maioria será prejudicada. Mas, as palavras dele foram infelizes, como turistas pobres e ricos. Não concordo com isso. Ele pode tomar medidas restritivas que protejam a maior parte da cidade. O que ele não pode, é restringir de maneira preconceituosa e dizer que “turistas que gastam menos de 200 reais…”. Ele difere o direito constitucional de ir e vir. Sob o ponto de vista econômico, ele cometeu um equívoco, pois não se gasta R$200 nem em um dia na Europa.

FV: Em uma visão especialista, como sociólogo e jornalista, como você avalia a repercussão do caso e a atitude do prefeito?
— O turista que contribuiu tanto tempo para a economia de Guarapari foi excluído. Sob ponto de vista sociológico é exclusão. O Brasil sempre teve divisões, desde o período colonial, e isso deveria acabar. É muito ruim se sentir separado e segregado por dinheiro. Como político, ele foi infeliz. A ação política, a polis, ela é de todos. Quando ele passa a pensar exclusivamente, ele deixa de ser gestor.

FV: Com divulgação nacional, como que o caso foi repercutido em Minas Gerais? Quais comentários você ouviu sobre o assunto?
— Com quem conversei aqui em Belo Horizonte, as pessoas se sentiram ofendidas. O mineiro se sentiu incomodado porque foi colocado como pobre na situação. Não é qualquer pessoa que leva R$ 2 mil reais para gastar em dez dias na praia. Quantas pessoas que viajam hoje e vão com a família em cinco pessoas e levam R$ 10 mil para gastar?
Muita gente fala pra mim “Em Guarapari não volto mais” ou “o prefeito não tinha o direito de falar isso”. Teve gente do Espírito Santo que me ligou e disse “que bom que você levou para o lado do humor porque o prefeito criou uma barreira”.

FV: Com toda a repercussão, você acredita que o prefeito vai levar adiante o projeto de “selecionar” turistas?
— Acho que não. O turista selecionado vai querer entrar em um restaurante à la carte. O comum vai ao restaurante a quilo. O que você vai fazer com as pessoas que dependem do aluguel? O turista dito como selecionado não vai querer alugar. E os donos do restaurante a quilo? Vai ter que mudar o perfil da cidade inteira. Do ponto de vista real, Guarapari não recebe o turista médio. Guarapari não é Búzios. Guarapari cresceu e se desenvolveu por causa da praia mais inclusiva, diferente de cidades que cresceram, como Búzios, em um turismo elitizado.

FV: A Prefeitura solicitou a retirada do vídeo judicialmente. Ficou ofendido com isso?
— Não fiquei ofendido. Quem faz critica está sujeito à reação do outro de gostar ou não. Vivemos em uma sociedade democrática e eles têm o direito de pedir para tirar e a gente, o de retornar.
Foi um pedido de desespero. Se uma coisa que te atinge não é verdade, você ignora. Se você reconhece, você tenta tirá-la. A prefeitura acabou de reconhecer que a paródia que fizemos é verdade. Ela (Justiça) deveria tirar a entrevista do prefeito também porque em nada é diferente. Nossa brincadeira não foi inventada do nada, foi criada a partir da declaração dele. Ele deu a declaração e nós parodiamos. Fizemos um humor sobre a verdade. Saudável, com o poder de criticar.