Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel aboliu a escravidão após sancionar a lei Áurea. Historicamente, o ato é lembrado como uma vitória dos negros com a total extinção da escravidão no Brasil. Mas integrantes de movimentos que lutam pela igualdade racial até os dias atuais não veem a ação por esse mesmo viés.
Ressignificar o Dia da Abolição da Escravatura. Esse é um dos objetivos do Movimento Negro na constante busca pela igualdade entre raças, que atravessa séculos. O Folha Vitória foi em busca de um aprofundamento no tema com a missão de regionalizar os fatos para a cultura do negro capixaba.
O entrevistado da vez para falar sobre o tema foi Gustavo Forde, de 47 anos, que é pesquisador do núcleo de estudos afrobrasileiros e doutor em educação com tese em pesquisa histórica na reconstituição da história do movimento negro no Espírito Santo.
Folha Vitória – Como o desenvolvimento da Cultura Afro tem se desenhado nos últimos anos?
Gustavo Forde – A cultura afrobrasileira é uma das matrizes da cultura brasileira. Durante um longo período, a cultura negra esteve diligenciada a partir de um conjunto de mecanismos que silenciava a expressão cultura. Nas últimas décadas, o movimento negro faz um resgate da cultura negra e da nossa ancestralidade negra africana. Hoje, basicamente, encontramos conjuntos de elementos expressivos e uma busca intensa da população negra por um encontro com a matriz que perpassa os elementos da cultura.
FV – A luta pela igualdade racial também é trabalhada no Espírito Santo? De que forma?
GF – É importante falarmos de uma luta anterior, chamada de Resistência Negra no Brasil e no Espírito Santo. Desde 1438, quando o primeiro africano escravo foi trazido para o Brasil, reconhecemos a história de resistência. A luta se dava em defesa da vida. Nos anos de 1970 e 80 foram tidos como o período de reorganização do movimento. Na década de 90, o movimento negro estabelece diálogo propositivo com o estado brasileiro. Há uma criação de conjunto de espaços na esfera governamental para propor políticas em benefício da população negra. Já nos anos 2000, as políticas já formuladas são institucionalizadas. Aparecem nesse período a constituição de marcos legais, lei que institui a obrigatoriedade do ensino da cultura africana, lei de reserva de vagas nas instituições públicas. Mais recente, em 2014, temos a lei de reserva de cotas e conjuntos de marcos legais que regulamenta políticas publicas. Hoje, há compreensão que existem conjuntos de marcos legais e diretrizes já estabelecidas.
FV – Pode relatar um breve histórico do movimento negro no Estado?
GF – No Espírito Santo, o movimento negro se constitui em conjunto de organizações, grupos e coletivos que possuem o objetivo de combater o racismo e promover população negra. O movimento é amplo e atua em várias instituições. Há movimentos urbanos, movimentos negros na área rual, no norte do Estado tem territórios quilombolas… Já na Grande Vitória, o movimento congrega dezenas de organizações políticas, estudantis, sindicais, grupos de pesquisadores, grupos culturais e grupos religiosos, tanto ligados à matriz cristã, quanto africanas. O movimento tem construído uma agenda no sentido de acompanhar a implementação das políticas de igualdade social, mantendo uma prática de interlocução com órgãos públicos.
FV – Quais são as principais pautas do movimento com os órgãos?
GF – No campo da educação, a principal pauta é a implementação do ensino da história e cultura africana e afrobrasileira nas instituições de ensino. Na área da saúde, buscamos a implementação da política nacional de saúde da população negra. Sobre o mercado de trabalho lutamos pela construção de política de acesso ao trabalho e de geração de renda com foco no negro. Também atuamos efetivamente na luta contra o genocídio da juventude negra.
FV – Sobre o Dia da Abolição da Escravatura, comemorado dia 13 de maio, é um dia a ser comemorado pelo movimento negro?
GF – O dia 13 de maio, para o movimento, não é o dia da abolição. Portanto, não comemoramos e nem fazemos alusão. Na verdade, houve uma falsa abolição. Quando foi feita a soltura dos africanos escravizados, não houve um projeto de integração dessa população à sociedade. Os negros foram colocados à margem da sociedade. Anterior à lei Áurea, encontramos a Lei dos Sexagenários, que acarretou em abandono de negros idosos. O dia 13 de maio é um dia de denúncia contra a falsa abolição que ainda mantém a população em condição de desigualdade quando comparada a população branca. dia de reflexão.
FV – Como foi o processo de abolição no Espírito Santo?
GF – Esse processo aconteceu de uma forma geral a nível nacional e estadual. Mas também tivemos a Revolta do Queimado, no município de Serra, que foi palco de uma intensa revolta de escravos pela da liberdade. É sem dúvidas um importante marco nessa intensa luta pelo fim da escravidão.
FV – Há um constante crescimento do chamado afroempreendedorismo com diversos locais de comércio da cultura negra. Qual a importância disso para manutenção da cultura?
GF – Vejo que o empreendedorismo negro vai além dessa dimensão cultural. São iniciativas importantes porque têm dimensão de empreendedroismo, mas também com uma perspectiva de fortalecimento da tradição cultural afrobrasileira. Encontramos um conjunto de espaços que trabalham em cima da estética negra, vestimenta negra e etc… Isso é importante porque não apenas fortalece a identidade, mas sobretudo faz com que outra pessoas tenham oportunidade de acesso também à essa cultura. Principalmente na Grande Vitória, encontramos espaços culturais de maioria negras, mas que também são espaços de bom acolhimento à pessoas que não são negras.
FV – Sobre a identidade do negro capixaba, isso ainda está em formação? Como é trabalhado o desenvolvimento dessa identidade?
GF – Falar de identidade negra é falar sobretudo de uma multiplicidade de identidades, a negritude é experienciada e vivenciada de formas diferentes pelas pessoas negras, mas existe sim uma construção de valores culturais afrocapixabas, um deles é o congo. A identidade negra capixaba não é apenas uma. Existem modos de construir essa identidade na Grande Vitória de múltiplas formas, a diversidade é grande. Negro que frequenta camdomblé manifesta sua identidade diferente de negro católico, por exemplo. Há um pertencimento identitário. As identidades negras, com ênfase no plural, é crescente.
FV – Exitem movimentos que envolvem expressões culturais do capixaba? Qual a forma de ação desses estilos e quais são outras formas de manter viva a cultura negra no Espírito Santo?
GF – Existem vários movimentos culturais que sustentam isso. Encontramos vários grupos de danças, há produção literária, poesia… Encontramos também produção na área de cinema, campo musical, artes plásticas, literatura… Além de manifestações tradicionais como capoeira, samba, caxambu e congo. Finalizo ressaltando que as manifestações afrocapixabas são muito amplas e perpassam a diversas produções.