O descarte de mais de duas toneladas de camarão rosa em um lixão de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado, tem gerado polêmica e indignação. A carga, que vinha de Santa Catarina com destino ao Estado, foi apreendida por fiscais do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF), na divisa capixaba com o Rio de Janeiro. A carga foi abordada pelos fiscais no posto de Bom Jesus do Norte.
Segundo o Idaf, a carga estava irregular, sem registro junto ao Serviço de Inspeção Oficial, e também seria comercializada em local sem o devido registro, no município da Serra. “Para esse tipo de situação, a legislação determina apreensão e destruição da carga, além de multa. Não há respaldo legal para rechaço (devolução à origem) nem doação da carga para o caso de produtos clandestinos”, disse o Idaf por meio de nota.
Mas o fato chamou a atenção da Assembleia Legislativa do Estado. O deputado Torino Marques (PSL) disse, durante a sessão virtual da Casa, ter ficado indignado.
“Eu recebei uma triste notícia de um fato que aconteceu aqui no nosso Estado. Foram descartados em um lixão 2 toneladas de camarões pescados em Santa Catarina. Segundo a denúncia feita pelos pescadores, toda a documentação requisitada foi apresentada por eles, mas os fiscais apreenderam a mercadoria alegando que os camarões deveriam ser descarregados somente em estabelecimentos com SIF, aquele selo Serviço de Inspeção Federal. Prejuízo de mais de 200 mil reais. Um absurdo”, disse o deputado.
O caso também ganhou as redes sociais. A deputada federal por São Paulo, Carla Zambelli (PSL), publicou em suas redes sociais um vídeo em que o Secretário de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Jorge Seif Júnior, condena a atitude do Idaf.
“Deixo claro que não foi uma ação do governo federal. Existe uma lei federal interministerial, a IN 04, entre Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e o extinto Ministério da Pesca e Aquicultura, que prevê que embarcações, operação primária, atividades de produção de alimentos com a devida documentação pode sim ser comercializada, transitar sem ter passado pelo serviço de inspeção. Então, ainda que os fiscais estejam fazendo conforme a legislação daquele estado é revoltante, indignante, especialmente em um País como o nosso, em que muitas pessoas não tem o que comer, que um produto como aquele, fresco, bonito, maravilhoso, tenha sido destinado ao lixão”, disse o secretário no vídeo.
O secretário disse ainda que a pasta gostaria de entrar com uma representação no Ministério Público do Estado, mas não poderia fazer nada porque a apreensão respeitou a legislação estadual. “Consideramos essa lei absurda e arbitrária. Ainda que houvesse algum equívoco, algum erro por parte do produtor que esse produto fosse para um acondicionamento, para uma refrigeração e fizesse o teste para ver se o produto estava são, fresco e que fosse doado. Que não fosse parar no lixão”, disse.
No entanto, a IN 04 citada pelo secretário não diz que o produto de pesca está liberado de passar por inspeção. A Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do extinto Ministério da Aquicultura e Pesca aponta que o número de inspeção deve constar na nota fiscal, que é o documento que comprova a origem para fins de trânsito da mercadoria.
“Na nota fiscal de que trata o caput, deverá constar o número de inscrição regular no Registro Geral da Atividade Pesqueira – RGP, na respectiva categoria, assim como o número de identificação de registro junto aos Serviços de Inspeção federal, estadual ou municipal do estabelecimento de destino”, diz a Instrução Normativa 04.
O Idaf informou por meio de nota que a carga de camarão apreendida no dia 18 de agosto possuía nota fiscal, “porém a mesma estava em desacordo com o exigido pela Instrução Normativa. O destino apresentado na nota fiscal não era para um estabelecimento sob serviço de inspeção oficial, e sim para uma peixaria (que não possui registro no serviço de inspeção). Portanto, o documento apresentado não era válido para o trânsito do produto”, diz a nota que pode ser conferida, na íntegra, ao final desta reportagem.
Informação do órgão de fiscalização da Secretaria de Estado da Agricultura também aponta que “todo produto de origem animal deve, obrigatoriamente, ser processado em estabelecimento registrado junto ao Serviço de Inspeção Oficial, conforme previsto nas legislações federal e estadual. A fiscalização desses locais é baseada em normas, padrões de higiene e leis, que visam eliminar ou minimizar riscos de contaminação por microrganismos, toxinas, parasitas, substâncias químicas ou outros agentes nocivos à saúde humana. A nota fiscal e o Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) não atestam a condição sanitária da carga”.
Segundo o Idaf, “os procedimentos adotados durante a referida ação fiscalizatória seguiram rigidamente as determinações legais, não tendo sido constatada, neste momento, qualquer irregularidade por parte dos servidores envolvidos, que aplicaram as sanções administrativas previstas na legislação estadual de defesa sanitária animal e de procedimentos administrativos em autos de infração”.
Veja abaixo, na íntegra, a instrução normativa citada pelo Secretário de Pesca:
INSTRUÇÃO NORMATIVA MPA/MAPA Nº 04, DE 30 DE MAIO DE 2014
O MINISTRO DE ESTADO DA PESCA E AQUICULTURA e o MINISTRO DE ESTADO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, no uso de suas atribuições, tendo em vista o art. 87 da Constituição, tendo em vista o disposto no art. 27 da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, na Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, no Decreto nº 7.024, de 7 de dezembro de 2009, e o que consta do Processo nº 00350.002090/2014-15, resolvem:
Art. 1º Estabelecer a Nota Fiscal do pescado, proveniente da atividade de pesca ou de aquicultura, como documento hábil de comprovação da sua origem para fins de controle de trânsito de matéria-prima da fonte de produção para as indústrias beneficiadoras sob serviço de inspeção.
Parágrafo único. Na nota fiscal de que trata o caput, deverá constar o número de inscrição regular no Registro Geral da Atividade Pesqueira – RGP, na respectiva categoria, assim como o número de identificação de registro junto aos Serviços de Inspeção federal, estadual ou municipal do estabelecimento de destino.
Art. 2º Esta Instrução Normativa Interministerial entra em vigor na data de sua publicação.
EDUARDO LOPES Ministro de Estado da Pesca e Aquicultura
NERI GELLER Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
DOU 02/06/2014 – SEÇÃO 01 – PÁGINA 22
Nota do Idaf na Íntegra:
A Instrução normativa MPA/MAPA N° 04/2014 estabelece que a nota fiscal do pescado, proveniente da atividade de pesca ou de aquicultura, poderá ser utilizada como documento de comprovação da sua origem para fins de controle de trânsito de matéria-prima da fonte de produção para as indústrias beneficiadoras sob serviço de inspeção. Ou seja, a nota fiscal respalda o transporte do pescado do barco de pesca até a indústria (regularizada), não permitindo a comercialização direta ao consumidor, sem passar pelo serviço de inspeção oficial. O pescado, quando capturado no mar ou em tanques de cultivo, deve ser direcionado para um estabelecimento registrado no serviço de inspeção sanitária oficial, para ser inspecionado e fiscalizado, assegurando a sanidade do produto.
A carga de camarão apreendida pelo Idaf no dia 18 de agosto possuía nota fiscal, porém a mesma estava em desacordo com o exigido pela Instrução Normativa. O destino apresentado na nota fiscal não era para um estabelecimento sob serviço de inspeção oficial, e sim para uma peixaria (que não possui registro no serviço de inspeção). Portanto, o documento apresentado não era válido para o trânsito do produto.
O Decreto Estadual n° 4.495/1999, que regulamenta a política de defesa sanitária animal do Espírito Santo, define que para o trânsito de qualquer produto de origem animal no território estadual, é necessário atender aos seguintes requisitos: os produtos devem estar inspecionados, identificados, rotulados e possuir o carimbo do serviço de inspeção sanitária oficial. Caso o produto não seja rotulado, é necessário apresentar o certificado zoossanitário para comprovar que foi inspecionado.
Pela legislação estadual, os produtos que estejam desacompanhados de rotulagem ou de certificação zoossanitária, devem ser apreendidos e destruídos, não cabendo indenização ao proprietário da carga. Não há previsão para a realização de rechaço ou doação de produtos apreendidos de forma irregular.