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Jovem denuncia agressão de seguranças em festival no Kleber Andrade

A vítima, um jovem negro, estava acompanhada de quatro mulheres brancas e afirma que elas não tiveram o mesmo tratamento

Foto: arquivo pessoal

Um jovem negro denunciou um caso de agressão por parte de seguranças durante o Bekoo das Pretas Festival (BKDP Festival), que aconteceu nos dias 24 e 25 de setembro no Estádio Estadual Kleber Andrade, em Cariacica.

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O Bekoo das Pretas já existe há cerca de seis anos no mercado, promovendo festas e encontros que visam o protagonismo preto, feminino e periférico.

Em entrevista à reportagem do Folha Vitória, o estudante de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Iury Alves Fernandes, de 24 anos, contou que a dor de cabeça começou quando o evento estava se encerrando na edição do sábado (24). 

A programação, que contou com shows de artistas negros e de renome nacional como Baco Exu do Blues, Liniker e Tati Quebra Barraco, terminou por volta das 2h. 

Ao fim das apresentações, o estudante conta que foi até às barracas de comida, dentro do estádio, para se alimentar com mais quatro amigas.

“Uma das minhas amigas estavam tentando usar o saldo do cartão e eu fui lá para conferir se ainda tinha saldo e tentar usar. Nessa hora os seguranças pediram para a gente se retirar. Eles ficaram do nosso lado, nos barrando e dizendo que não tinha como comprar”, contou.

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“Eu estava tentando resolver essa questão e um dos seguranças, que vestia um terno preto, virou para mim e falou que eu estava ‘arranjando confusão novamente’, aí eu comecei a questionar ele porque não entendi o que ele estava falando. Ele insistiu que eu estava arrumando confusão toda hora”, relatou o estudante.

Iury conta que não se recorda dos detalhes, mas se lembra de ter sido empurrado e jogado no chão por um dos seguranças que, segundo o relato do rapaz, não agiram da mesma forma com as outras mulheres brancas que estavam com ele.

“Só me lembro de ter sido jogado no chão. As pessoas falaram que ele começou a ser agressivo comigo, com dedo na cara. Formou uma roda de seguranças e me empurraram para fora do evento. Eu estava com outras quatro mulheres brancas e nenhuma recebeu esse tipo de tratamento”, disse.

“Me senti discriminado, por mais absurdo que isso pareça”

O estudante também lembra de tentar se levantar, mas ser derrubado logo em seguida. Após a sequência de empurrões e quedas, que resultaram em diversos machucados espalhados pelo corpo e rasgos na roupa, Iury se recorda de conseguir levantar quando já estava na parte externa do local, após receber ajuda de outro grupo de seguranças que, segundo ele, estavam descaracterizados.

Foto: arquivo pessoal

Iury ficou com a roupa rasgada após a ação dos seguranças

De acordo com Iury, esse grupo de seguranças descaracterizados, por mais que estivessem trabalhando com o mesmo propósito, reconheceu o erro da equipe interna e passou a ajudar o rapaz e as amigas, que ficaram bastante nervosas com todo o ocorrido.

“Eles [grupo de seguranças descaracterizados] queriam que eu esperasse a polícia chegar e não estavam permitindo a minha saída. No meio daquela confusão, eu pensei em ir embora por não me sentir mais seguro, mas eles não deixaram”, lembrou o estudante que, durante a confusão, perdeu seus tênis, um cordão e um par de brincos.

A polícia foi acionada e foi até o local do evento

Após ter passado parte da dor de cabeça, o rapaz acionou a polícia que chegou ao local. Apesar da presença dos policiais, ele decidiu não ir para a delegacia naquele momento.

“A polícia chegou, mas eu me senti coagido a não fazer a representação porque a polícia tinha que levar todo mundo para a delegacia. Por medo e por não estar assistido juridicamente, eu preferi não ir para a delegacia”, explicou a vítima.

A polícia foi embora do local e a organização do evento chegou até onde tudo estava acontecendo. 

Iury lembra que nesse momento, além de parte da equipe da organização, a empreendedora e responsável pelo evento, Priscila Gama, também foi até ele.

“A Priscila esteve lá, eu estava descalço e expliquei para ela detalhadamente tudo o que aconteceu. Eu falei tudo e ela simplesmente não fez nada”, disse o estudante.

Diante de todo o pesadelo sofrido pelo jovem, após a saída da equipe de organização, as amigas dele estavam procurando o tênis que se perdeu durante a agressão dos seguranças.

Neste momento, Iury conta que ouviu a seguinte frase de uma das pessoas que trabalham na organização: “Depois a gente paga esse tênis”. De acordo com ele, a fala foi feita após Priscila Gama ter saído do local.

Na tentativa de esfriar a cabeça e se acalmar, o estudante da Ufes decidiu ir embora para casa e dar início aos trâmites legais somente no dia seguinte, no domingo (25).

“No domingo à tarde, eu fui acompanhado da minha advogada para fazer o boletim de ocorrência e o exame de corpo de delito na delegacia que fica perto do Kleber Andrade.”

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Posicionamento do Bekoo das Pretas

Em nota, a organização do evento apresentou uma versão diferente da que foi relatada pelo jovem. A equipe confirmou que, de fato, houve a necessidade de contenção de uma situação em que um participante do evento “em momento de vulnerabilidade emocional por motivos ainda não conhecidos por nós, iniciou um conflito contra as equipes de segurança, integrantes da produção do evento e funcionários do estádio Kléber Andrade”.

Ainda de acordo com a nota, a organização informou que o participante em questão, teria se recusado a deixar o local, cerca de 1h30 após o encerramento da programação, alegando que estava sendo impedido de utilizar o saldo remanescente do cartão cashless (cartão recarregável utilizado para consumação durante os dias do evento).

A equipe também afirmou que o jovem estava acompanhado de outras pessoas “também muito exaltadas”, que “proferiram ofensas e agrediram fisicamente a equipe, deixando até mesmo um membro da equipe terceirizada, responsável pela segurança, desacordado”. 

Ainda segundo a nota, a organização do evento relatou que um outro segurança do local também foi agredido e “levou um soco direito no rosto (região do queixo)”. O rapaz, de acordo com a equipe, também desacatou o gerente do estádio e servidor público, que acionou uma guarnição do 7°BPM/ES para intervir na ocorrência.

“Ressaltamos que somente neste momento é que o referido se deu conta das injustas agressões contra a equipe do festival”, diz a nota.

Confira abaixo a nota na íntegra da organização do evento:

“O BKDP Festival confirma a contenção de uma situação em que um participante do evento, em momento de vulnerabilidade emocional por motivos ainda não conhecidos por nós, iniciou um conflito contra as equipes de segurança, integrantes da produção do evento e funcionários do estádio Kléber Andrade, local onde o festival aconteceu nos dias 24 e 25 de setembro de 2022.
O participante se recusou a deixar o local, cerca de 1h30 após o encerramento da agenda de shows, com a alegação de que estava sendo impedido de utilizar o saldo remanescente do cartão cashless. O rapaz, acompanhado de outras pessoas também muito exaltadas, proferiram ofensas e agrediram fisicamente a equipe, deixando até mesmo um membro da equipe terceirizada, responsável pela segurança, desacordado. Houve também outro segurança que levou um soco direito no rosto (região do queixo). O suposto agressor desacatou o gerente do estádio e servidor público, que acionou uma guarnição do 7°bpm/es para intervir na indesejável ocorrência. Ressaltamos que somente neste momento é que o referido se deu conta das injustas agressões contra a equipe do festival.
Cumpre em salientar, que como anunciado previamente pela produção, o saldo remanescente dos cartões cashless poderia ser utilizado até o encerramento do evento no sábado e também no domingo ou, então, estaria sujeito à reembolso, caso o seu responsável participasse de um único dia do festival.
O BKDP Festival foi criado com o intuito de celebrar pessoas negras, com número majoritário nas equipes de produção, comunicação e artístico, com alegria, coletividade e respeito. Os esforços voltados para a segurança do público, dos artistas e da nossa equipe, não foram medidos desde o dia em que pensamos este evento. Um dos nossos critérios do plano de crise é o gerenciamento afetivo, utilizado pela via do acolhimento, por isso, Priscila Gama, idealizadora do evento, esteve pessoalmente no atendimento da ocasião. Sentimos muito pelo ocorrido e estamos à disposição para esclarecer todos os fatos.”
Atenciosamente, a assessoria de imprensa do BKDP Festival.

O que diz a Polícia Militar?

Por meio de nota, a Polícia Militar informou que foi acionada na madrugada do domingo (25) para atender ocorrência de vias de fato em um estádio no bairro Rio Branco, em Cariacica.

No local, segundo a PM, foi feito contato com os envolvidos: o gerente do estádio, um segurança e um indivíduo de 24 anos.

Segundo relatos, ocorreu uma briga generalizada e, neste momento, o jovem caiu no chão. Com a intenção de ajudá-lo, o segurança tentou levantá-lo, mas a vítima não conseguiu identificar este auxílio e desferiu um soco no rosto do homem. 

Após a situação, o indivíduo teria ameaçado o gerente do estádio. As partes preferiram não levar adiante a ocorrência e dessa forma o atendimento foi encerrado.