Nem só quem acompanha o Big Brother Brasil, que está em sua 23ª edição, sabe que os participantes MC Guimê e Antônio Cara de Sapato foram eliminados ao vivo nesta quinta-feira (16), por contrariarem as regras do programa.
O mais grave, no entanto, veio na sequência: ambos estão sendo investigados pela polícia do Rio de Janeiro (RJ) por terem possivelmente cometido o crime de importunação sexual durante uma festa realizada na noite anterior – quando o cantor passou a mão no corpo da convidada mexicana Dania Mendez, sem o consentimento dela, e o lutador a beijou e a tocou de forma forçada.
Sobre o assunto, o Folha Vitória ouviu especialistas para entender o crime e as possíveis consequências jurídicas que podem derivar das atitudes cometidas no reality show.
Para os especialistas Leonardo Pantaleão, mestre em Direito Penal e em Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo; Matheus Falivene, mestre e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP); e Cássio Rebouças, advogado criminalista; ambos cometeram, em tese, o crime de importunação sexual, que prevê pena de um a cinco anos de prisão se não houver agravantes.
O que é importunação sexual
Pantaleão explica que o crime de importunação sexual é aquele em que “uma pessoa pratica contra outra um ato de natureza libidinosa, para satisfazer o seu desejo sexual, sem, no entanto, usar violência ou grave ameaça contra a vítima”.
Também para o advogado criminal Cássio Rebouças, pelo que foi possível perceber, os casos ocorridos e apresentados na televisão de fato podem ser considerados como de importunação sexual.
“Este crime foi criado para suprir um vácuo na legislação brasileira que ou considerava as condutas menos graves um estupro ou uma mera contravenção penal. Nesses casos, sem grave ameaça e sem violência, em que é praticado um ato libidinoso com a vítima, sem consentimento, pode sim ser considerado o crime de importunação”, disse.
Rebouças também explicou que, atualmente, após alteração legal ocorrida em 2018, a tramitação dos casos de importunação não depende da representação da vítima. Ou seja, mesmo que ela não busque a delegacia, não representando contra os autores, eles poderão sim ser investigados e processados.
Também para Pantaleão, as imagens do BBB revelam que os participantes teriam cometido importunação sexual. “E as imagens, obtidas licitamente, podem ser usadas como prova cabal da prática do delito”, disse o especialista.
Sob o efeito de álcool
Quanto ao fato de os dois ex-participantes do reality terem cometido o delito sob o alegado efeito de álcool, o especialista Leonardo Pantaleão é categórico:
“A ingestão voluntária de álcool não afasta a responsabilidade criminal das condutas desenvolvidas”, pontuou.
O advogado Matheus Falivene observou também que o crime de importunação sexual pode ser caracterizado por “uma passada de mão ou um beijo roubado”, o que, para muitos que cresceram na sociedade brasileira, ainda não é nada muito grave.
“Trata-se de um erro de avaliação, porém, capaz de levar a consequências bastante sérias, como no caso em referência. Ainda assim, pode haver atenuantes para os ex-participantes do BBB 23 MC Guimê e Antônio Cara de Sapato”, explicou.
Em tese, como não houve violência nem grave ameaça, e desde que os dois sejam réus primários, com bons antecedentes, eventualmente podem acabar recebendo algum benefício penal como um acordo de não persecução penal, esclareceu Falivene. “Mas aí vai depender do Ministério Público”. Segundo o especialista, porém, é muito difícil antecipar qual será a avaliação do MP neste caso.
Além disso, o especialista concorda que as imagens do programa são suficientes “para provar a autoria e a materialidade da conduta”.
“Mas também é importante ouvir a vítima, porque a importunação sexual é um crime que depende de não haver consentimento por parte dela: se houver consentimento, não há crime”, completou.
Entenda a diferença entre importunação e outros crimes de cunho sexual
O doutor em Direitos e garantias fundamentais, professor de Direito Penal e advogado criminalista Israel Domingos Jorio sintetizou as diferenças entre crimes sexuais. Entenda:
• Importunação sexual: Como regra, os contatos mais superficiais, geram o crime de importunação sexual, previsto no artigo 215-A do Código Penal, que prevê a prática de algum ato libidinoso sem o consentimento da vítima, mas também sem uso de violência ou grave ameaça, como uma passada de mão. “Existe até uma discussão na Justiça para entender se a simples fala pode configurar importunação, mas o entendimento dominante é de que não pode, que teria que haver algum tipo de ação por parte do sujeito. Se o indivíduo ficar se esfregando no corpo da outra, passar a mão, der um beijo passageiro e furtivo, isso pode configurar importunação. Cantadas geralmente não são consideradas crime”, explicou.
• Estupro: o crime mais grave em termos de violação à dignidade sexual é o estupro, que é cometido com violência ou grave ameaça, a menos que seja praticado contra vulneráveis, como os menores de 14, pessoas com doença mental, ou totalmente incapacitadas por intoxicação. Nestes casos específicos, sequer precisa ter havido violência ou ameaça. Nenhuma dessas abordagens mais desrespeitosas por meio de palavras ou “cantadas”, por mais que tenha teor obsceno, será estupro, já que este crime exige um contato sexual. Se uma pessoa estivesse muito bêbada, visivelmente fora de si, e alguém se aproveitasse para passar a mão no corpo dela, teria chances de configurar estupro.
• Assédio sexual: a noção jurídica do crime exige normalmente um vínculo empregatício entre os envolvidos, ou relações acadêmicas. O assédio é composto por investidas desrespeitosas de um superior hierárquico que se prevalece da sua condição de autoridade para fazer uma proposta considerada desrespeitosa.
• Mero constrangimento pode levar a indenização por danos morais: os atos de fala, normalmente, se não envolvem nenhum tipo de invasão corporal, de passar a mão, costumam não ser crime, podendo gerar uma indenização na esfera cível. “Existem diversos ambientes em que as pessoas convivem e uma coisa é dar uma cantada em um ambiente de paquera, com maior grau de abertura; outra coisa muito diferente é fazer isso em uma padaria, em uma farmácia ou pegando um ônibus”, disse o jurista.