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Meninos autistas e vizinhança sofrem com barulho de eventos e festas em marina de Vitória

Moradores reclamam de som alto em excesso provocado pela programação de festas e eventos da empresa; mãe de meninos autistas comenta o quanto as crianças são afetadas pela poluição sonora

Foto: Reprodução/ Leitor Folha Vitória
Eventos e festas na Villamare Marina, em Santa Luiza, incomodam a vizinhança. Disque-Silêncio da Prefeitura de Vitória disse que já fez 84 vistorias no local

O ano de 2022 chegou com transtorno para dois meninos com autismo. Durante a queima de fogos na festa de Réveillon,  na última sexta-feira (31), promovida pela Villamare Marina, os irmãos Guilherme Dias, 11 anos, e Gustavo Dias, 6, que por sua condição possuem hipersensibilidade auditiva, sofreram com o barulho do foguetório e da algazarra do evento. 

Eles são vizinhos da empresa no bairro Santa Luiza, em Vitória. Os pais, a universitária Tarsilayne Dias, 32 anos, e o ferroviário Rafael Dias, 34, chamaram a Polícia Militar. 

A festa de Ano Novo foi um capítulo extremo numa situação que já se arrasta há três anos, desde que a marina foi inaugurada. 

Ela e o marido gravaram vídeos ao longo do mês de dezembro do ano passado para demonstrar o excesso de barulho que são obrigados a conviver. Fizeram uma espécie de “diário do som alto”. “Meus filhos não conseguem ter paz em sua própria casa. Com a chegada do verão praticamente toda noite tem evento”, reclama.

Tarsilayne, que mora há 30 anos no local, disse que a empresa não se adequa ao nível de barulho condizente com uma área residencial. Ela já perdeu a conta das vezes em que acionou Disque Silêncio e a Polícia Militar por causa da frequente algazarra ao lado de sua casa. 

“No caso da festa de Réveillon, ela começou às 22h e foi até às cinco da manhã. Não adiantou a gente implorar, pedir para que se baixasse o som por termos crianças com essa situação especial”, recordou, revoltada. 

Ela explicou que as condições especiais das crianças tornam um barulho em excesso muito mais prejudicial. “Para meus filhos, o barulho é gatilho para desregularem, ficam inquietos, podem se machucar. No som alto produzido pela última festa, que fizeram no Ano Novo, Guilherme chegou até a vomitar. Foi desesperador. Os policiais chegaram, pediram e eles baixaram o volume das caixas de som. Mas, o estrago estava feito. Estamos sofrendo até hoje as consequências nas crianças”, afirmou.

O filho de 6 anos tem distúrbio do sono, toma medicação controlada e não consegue dormir. “Imagine uma criança usando abafador de som. Se para nós, adultos, é um incômodo, o que dirá uma criança pequena”, comparou. 

A universitária disse que a família acionou inúmeras vezes os órgãos de fiscalização da Prefeitura de Vitória. “O Disque-Silêncio veio em diversas ocasiões. Já mediu quase 80 decibéis aqui na minha casa, quando o máximo permitido, numa área de moradia, são de 55. Mas é só os fiscais ou a polícia irem embora que o barulho recomeça”, descreveu. “Pelos meus filhos, vou continuar lutando”, prometeu.

As reclamações da família acabaram por mobilizar um grupo de apoio de pais e amigos dos autistas. O grupo Força Azul, acompanhou o caso, e postou nas redes sociais as reclamações da família e dos vizinhos. 

Moradores confirmam barulho 

Segundo a universitária, as queixas não ficam restritas apenas à sua família. Moradores vizinhos também já se manifestaram contra o barulho que vem da marina. 

Uma moradora, que preferiu não se identificar temendo represálias, disse que as festas e eventos abusam da altura do som. “A marina não tem limite. É música ao vivo, é som mecânico, chega a tal ponto que parece que está aqui na minha sala. Antes era barulho no final de semana. Agora, com o verão, o transtorno é a semana toda. Sem contar o foguetório que a gente ouviu no Natal”, descreveu.

Outro morador, um comerciante que mora há 50 anos no local, disse que o proprietário, ao inaugurar o estabelecimento em 2019, contou uma história mas a prática foi outra. 

“Ele disse que seria um estabelecimento de caráter familiar, que teria uma área de playground para a garotada, mas de lá para cá foi tudo o contrário. É uma marina que promove festas com som alto, parece mais uma grande boate. É um transtorno que não fica somente nos finais de semana. Não tem horário para som alto. Fora os excessos das pessoas, fazendo uma verdadeira bagunça na rua. Já flagrei pessoas urinando em via pública, usando drogas, enfim, bem distante do que seria uma casa familiar”, desabafou. 

Os vizinhos enfatizaram que não são contra a atividade da marina. Mas, gostariam que ela se adequasse, não causando transtorno com festas e eventos. “Sabemos que as pessoas precisam trabalhar, todos devem retirar o seu sustento. Mas, é necessário que se respeitem normas. Se aqui é um bairro residencial, a marina deveria se adequar com tratamento acústico e mais rigor com quem a frequenta”, apontou.

Prefeitura de Vitória diz que interditou a marina

A Prefeitura de Vitória informou que o local foi fiscalizado e o proprietário do estabelecimento, intimado e multado. A administração municipal reforçou que tem tomado todas as medidas cabíveis no caso. O estabelecimento é fiscalizado, já sofreu sanções administrativas como multas, suspensão da licença e até interdição.

“As interdições são por tempo indeterminado. São duas: uma para a atividade de música ao vivo ou mecânica e outra para a atividade de marina, manutenção, abastecimento, etc. Só será desinterditado quando houver atendimento às normas ambientais, principalmente em relação ao ruído”, destacou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pela fiscalização.

Ao todo, foram quatro autos de infração lavrados no local, todos por violação do padrão de ruído. Além disso, só o Disque-Silêncio realizou 84 vistorias ao local.

“Vale ressaltar que o Disque-Silêncio atua 24 horas por dia, sete dias por semana, todos os dias do ano. O que há é uma resolução do Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMDEMA) permitindo a violação do padrão de ruído em datas como Natal, Réveillon e Carnaval, ou seja, a equipe de fiscalização de ruídos, nessas datas especificamente, não pode autuar com base em medições de ruídos, porém, opera normalmente para caso de festas e eventos clandestinos”, explicou.

Ainda, segundo a nota da prefeitura, enquanto o estabelecimento não providenciar a adequação às normas ambientais, serão mantidas as sanções aplicadas.

Dono de marina diz que empresa vai se adequar

O proprietário da Villamare Marina, Wander Paiva, afirmou que a empresa irá se adequar depois das reclamações dos moradores e da família das crianças com autismo. 

“Nós nos reunimos com o Força Azul e o grupo digital de reclamações Boca Aberta. Conseguimos chegar a um consenso. Não vamos mais permitir que nenhum associado ou cliente utilize fogos de artifício”, afirmou. A reunião foi confirmada apenas pelo integrante do Boca Aberta. 

Quanto ao barulho causado por festas e eventos, Paiva disse que, neste encontro, ficou definido que a programação de shows só voltaria após a empresa instalar estrutura de isolamento acústico. 

De acordo com ele, a marina está apenas com o seu restaurante funcionando e cancelou toda a sua programação musical, bem como shows de final de semana. 

“Ingressamos com um processo de tratamento e isolamento acústico junto à Prefeitura de Vitória em outubro de 2021. Nós estávamos aguardando a resposta da prefeitura para liberação desta obra, o que foi concedido após a reunião que tivemos. Sem tardar, na próxima segunda-feira (10), iniciaremos essa intervenção acústica aqui para que empresa e vizinhos possam caminhar juntos, sem transtorno”, declarou.