Vinte e duas pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES) pelo envolvimento no funcionamento da Telexfree no Brasil. Ao todo, foram ajuizadas três denúncias: por sonegação fiscal de quase R$ 90 milhões, por crimes contra a economia popular e por funcionamento clandestino de instituição financeira.
Entre os denunciados estão os sócios-administradores da empresa, Carlos Roberto Costa e Carlos Nataniel Wanzeler, além de investidores, divulgadores e familiares dos empresários.
As denúncias são os primeiros resultados de uma investigação conjunta entre MPF/ES, Polícia Federal e Receita Federal. Também houve compartilhamento de informações e de provas com as autoridades dos Estados Unidos e com a Justiça e o Ministério Público do Acre.
De acordo com a denúncia, Carlos Costa, Carlos Wanzeler e a filha deste são acusados de sonegação fiscal de quase R$ 90 milhões e de prestar informações falsas à Receita Federal sobre a Ympactus Comercial S.A, popularmente conhecida como Telexfree.
Os três também são acusados de cometer crimes contra a economia popular, em razão de suposta pirâmide financeira, e emitir, oferecer e negociar valores mobiliários – no caso os contratos de adesão da Telexfree e a promessa de venda do empreendimento hoteleiro Best Western Tijuca Telexfree – sem registro e sem autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), induzindo e mantendo em erro os investidores da empresa; e de operar instituição financeira clandestina, inclusive realizando operações de câmbio e remessa de divisas para o exterior, empréstimos e adiantamentos.
Os outros 19 denunciados são acusados dos crimes de pirâmide e de operar instituição financeira clandestina. O MPF/ES afirma que as denúncias demostram que a Telexfree, além de ser um esquema híbrido de pirâmide e Ponzi, efetivamente atuava como instituição financeira clandestina, uma vez que captava, administrava e intermediava recursos de terceiros, mediante processos fraudulentos.
O MPF ressalta ainda que James Matthew Merril, sócio americano da Telexfree, não está sendo denunciado porque está negociando os termos de seu acordo de colaboração nos Estados Unidos e, posteriormente, os termos da internalização desse acordo pelas autoridades brasileiras.
Além da condenação dos acusados, o Ministério Público Federal pede que a Justiça mantenha o arresto dos bens (dinheiro, carros, aeronave, imóveis, entre outros) obtido nas medidas cautelares e executados na Operação Orion, deflagrada em 24 de julho de 2014, e, caso condenados, que determine a perda definitiva desses bens.
As denúncias de sonegação fiscal e de emitir, oferecer e negociar valores mobiliários, além da referente à instituição financeira clandestina, contra Carlos Costa, Carlos Wanzeler e a filha dele já foram recebidas pela Justiça. Eles serão citados para apresentar as defesas.
A outra denúncia, referente ao crime de pirâmide financeira, que abrange todos os 22 acusados, e também o crime de operação de instituição financeira clandestina para os 19 restantes ainda está em análise na Justiça Federal.
Sonegação
Carlos Costa, Carlos Wanzeler e a filha deste, na qualidade de sócios da Telexfree, foram denunciados por sonegação fiscal de R$ 89.776.156,45 em 2012, por omitirem receitas e prestarem informações falsas à Receita Federal.
A fraude foi constatada após indícios de irregularidades na inscrição da empresa no Simples Nacional. Primeiro porque a receita da Ympactus extrapolava o limite previsto pelo regime especial unificado de arrecadação de tributos. Além disso, a companhia estaria exercendo uma atividade de intermediação de negócios, o que é proibido por lei.
Segundo as apurações, os mentores do esquema sempre foram Carlos Costa e Carlos Wanzeler, que, respectivamente, no Brasil e nos Estados Unidos, compartilhavam todas as decisões administrativas e de condução do negócio, ambos com proeminência sobre os funcionários da empresa, os quais cumpriam suas ordens para a manutenção das atividades da rede Telexfree.
De acordo com o MPF, os denunciados, agindo de forma continuada, suprimiram e reduziram o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), as Contribuições para programas de Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Programa de Integração Social (PIS), mediante omissão de receitas e prestações de informações falsas nas declarações fiscais.
Para o Ministério Público, o alto valor sonegado e a origem ilegítima das receitas omitidas evidenciam, ainda, que a conduta dos acusados ocasionou grave dano à coletividade. O valor da sonegação, inclusive, foi constituído definitivamente em agosto de 2016 e já está em processo de execução fiscal na Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN).
Pelo crime de sonegação fiscal (artigo 1º da Lei 8.137), combinado com o artigo 12, já que ocasionou grande dano à coletividade, os acusados podem pegar até sete anos e meio de reclusão, se condenados à pena máxima, e multa.
Crimes contra a economia popular
Segundo o MPF, as 22 pessoas foram acusadas pelo crime de pirâmide, já que, supostamente, obtiveram ganhos ilícitos no esquema da Telexfree, mediante processo fraudulento, utilizando-se de pirâmide e Ponzi sob disfarce de marketing multinível. Nesse caso, a pena pode chegar a dois anos de detenção, além de multa.
Os três sócios da Ympactus são acusados ainda de, entre novembro de 2012 e maio de 2014, emitir, oferecer e negociar valores mobiliários na forma de contratos de adesão da Telexfree, bem como a promessa de venda do Hotel Best Western Tijuca Telexfree.
De acordo com a denúncia, ambos os crimes estão caracterizados pela oportunidade de investimento, com expectativa de rentabilidade e capitalização, bem como risco e remuneração dependentes exclusivamente dos esforços de terceiros, sem registro prévio de emissão e sem autorização da CVM, configurando crime previsto no artigo 7º, incisos II e IV, da Lei 7.492/86. Durante o inquérito, a CVM chegou a ser acionada para apurar o assunto, mas entendeu que não lhe competia fiscalizar as atividades da Telexfree.
Ainda de acordo com o Ministério Público Federal, os três sócios da Ympactus, no mesmo período, induziram e mantiveram em erro os investidores que aderiram aos contratos ofertados pela Telexfree, fazendo-os acreditar que os valores por eles entregues gerariam retornos financeiros rápidos, fáceis e sem riscos (artigo 6º da Lei 7.492/86). Por esses dois últimos crimes, os três poderão ser condenados a 14 anos de reclusão e multa.
Instituição financeira clandestina
Os 22 denunciados também são acusados de cometer o crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86: operar instituição clandestina financeira, inclusive de câmbio. A pena é de reclusão de até quatro anos e multa.
Para o MPF, as investigações provaram que a Telexfree, além de ser um esquema híbrido de pirâmide e Ponzi, efetivamente atuava como instituição financeira clandestina, uma vez que captava, administrava e intermediava recursos de terceiros, mediante processos fraudulentos.
Segundo o órgão, as operações de crédito, incluindo remessa de divisas ao exterior e vice-versa, empréstimos, adiantamentos, pagamentos e quitações de dívidas, e até câmbio, eram feitas no backoffice da empresa.
De acordo com as investigações, a Telexfree cobrava, por exemplo, tarifas por cada transferência de crédito realizada entre contas-login, sem previsão contratual, o que proporcionou, de parte de 2012 até o início de 2014, uma receita maior, a título de comparação, que a do Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), em 2014 e 2015, cuja arrecadação foi de R$ 159 milhões em tarifas bancárias.
Ainda segundo o MPF, ficou demonstrado que a Telexfree cedeu, por exemplo, por meio de mais de 12 mil operações financeiras, créditos manuais que, uma vez nas contas-login dos divulgadores, eram comercializados para terceiros.
De acordo com o órgão, as contrapartidas financeiras pelas cessões de crédito eram recebidas em contas pessoa-física ou pessoa-jurídica e repassadas aos sócios da empresa, com ganhos no câmbio, uma vez que eram cedidos em dólar e captados em reais, com cotações vantajosas para a Telexfree – até quatro centavos maior que o câmbio do dia.
Segundo a denúncia, os recrutadores e denunciados, principalmente após o bloqueio das atividades da empresa, ocorrido em junho de 2013, possibilitaram que a pirâmide continuasse funcionando e serviram de “testa de ferro” para os mentores do esquema, concorrendo para o funcionamento irregular da instituição financeira, à margem de qualquer controle do Sistema Financeiro Nacional.
Laudo pericial da EY (antiga Ernst & Young), feito na ação civil pública movida no Acre contra a empresa e compartilhada para utilização nas investigações feitas no Espírito Santo, mostra que 2% da população brasileira – cerca de 4 milhões de pessoas – foram cadastradas na Telexfree. Além disso, apenas 0,23% dos minutos disponibilizados pelo Voip – produto comercializado pela Telexfree – teria sido utilizado.
A reportagem do jornal online Folha Vitória entrou em contato com o escritório de advocacia que representa a Telexfree. Segundo a defesa, a companhia por enquanto não vai se manifestar sobre as acusações, já que os advogados ainda estão reunindo todas as denúncias e analisando os documentos. A defesa da Telexfree, no entanto, classificou como inconsistentes as investigações a respeito da empresa.