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Com pandemia, mortes por síndrome respiratória aguda grave registram aumento elevado no ES

Para especialistas, o salto vertiginoso no número de mortes com essa causa se deve à baixa testagem de pacientes da covid-19, o que gera a subnotificação

Foto: Reprodução

Em meio à pandemia do novo coronavírus, o número de mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Espírito Santo teve um salto de 1.300% entre maio e junho deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados são da associação que representa os oficiais de registro civil no estado.

Desde o início do mês de março, foram registradas 154 mortes com essa causa no estado, 143 a mais do que no mesmo período do ano passado, quando ainda não se ouvia falar em pandemia do novo coronavírus.

Nos últimos 30 dias, 59 mortes por SRAG foram contabilizadas no estado pela associação. Até o dia 15 de maio, foram 86 óbitos com a mesma causa, como mostrou, na época, a equipe de jornalismo da Rede Vitória.

Para especialistas, o salto vertiginoso no número de mortes por síndrome respiratória aguda no Espírito Santo se deve à baixa testagem de pacientes da covid-19. Segundo eles, a consequente falta do diagnóstico adequado provoca subnotificação no balanço de mortes provocadas pela doença.

“Isso é uma das coisas que os epidemiologistas estão discutindo muito, de a gente começar a computar os números também de síndrome respiratória aguda grave, para ter uma ideia do geral dos casos, porque a gente não tem condição de testar todo mundo. A gente testa pouco no Brasil. Então, provavelmente, a baixa testagem está gerando uma subnotificação que poderia ser corrigida por um diagnóstico mais clínico”, afirmou a microbiologista Natália Pasternak.

A produção da TV Vitória/Record TV perguntou à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) se óbitos por SRAG são investigados e entram no balanço de mortes da covid-19. A Sesa explicou que óbitos antes da confirmação são notificados como “em investigação”. Se os testes derem positivo, são registrados.

“Quanto mais a gente tiver o número correto de eventos, mais fácil é a gente ir até onde o processo está acontecendo e conter. Então se a gente tivesse uma clareza maior de onde estão acontecendo os bolsões, os focos principais de transmissão, a gente poderia dirigir as estratégias especificamente naqueles locais. Então o que falta para a gente é volume de teste. A gente talvez precisasse testar mais”, ressaltou o médico infectologista Crispim Cerutti.

Sem diagnóstico

Um dos pacientes que tiveram a morte registrada como síndrome respiratória aguda grave no estado foi o policial civil aposentado Walter Xavier da Costa, de 85 anos. O filho mais velho dele, o despachante de veículos Kersten Theodoro Xavier da Costa, conta que, apesar da idade avançada, a disposição do pai era de um garoto. Segundo ele, graças aos cuidados que Walter mantinha com a saúde, a hipertensão e o problema crônico nos rins estavam sob controle.

“Ele tinha 85 anos de idade, mas era uma pessoa lúcida, muito saudável. Meu pai fazia academia, dirigia, fazia natação, a alimentação dele era totalmente regrada. Não comia carne, eram só coisas saudáveis”, contou.

No final de maio, Walter começou a se sentir mal. De acordo com a família, teve diarreia e tosse. “Começou uma tossezinha fraca e a tosse foi se agravando, a gente dando xarope e tal. E aí resolvemos levar no médico”, disse o filho.

No último dia 25, o aposentado foi internado no Hospital da Associação dos Funcionários Públicos do Estado, no Centro de Vitória, e fez o teste de covid-19. Uma semana depois, morreu sem o resultado.

“Ele ficou lá uma semana e não saiu o resultado até hoje. Desde o dia 25 até o dia 16 e até agora nada. Três semanas. A tristeza maior é que, por você não saber o que é, você não faz um enterro digno, um velório digno para o seu pai. Tudo em cima de uma suspeita”, lamentou.

Na certidão de óbito do pai constam como causas da morte os problemas de saúde que Walter já enfrentava antes da internação, além de insuficiência respiratória aguda grave e síndrome respiratória aguda grave.

“Às vezes o momento do óbito é um momento em que ainda não ocorreu esse diagnóstico. Então é passada a informação como aquilo que levou ao óbito. Muitas vezes ela morreu porque não conseguia respirar, então o óbito é registrado como síndrome respiratória aguda grave, e não como diagnóstico de covid-19. Isso faz com que muitas mortes que ocorrem não sejam contadas no número de pessoas que morreram de covid-19”, frisou Cerutti.

“Infelizmente o que ele faz no nosso organismo é uma reação inflamatória muito intensa e rápida, e, consequentemente, o seu pulmão vai ser atingido. Você vai ter formação de pequenos trombos. Os nossos ‘carrinhos’, que são as hemoglobinas, que levam o nosso oxigênio para o coração, rim e cérebro, ficam pesados e não conseguem carregar o oxigênio. Então esse pulmão incha, encharca de água, fica edemaciado e não consegue fazer a troca entre oxigênio e gás carbônico. Com isso, você começa a reter gás carbônico, e o gás carbônico a gente não vive com ele, porque ele mata a gente. O Influenza não dá isso, ele não dá essa trombose. Então por isso que o covid leva a óbito muito mais rápido”, explicou a médica pneumologista Cileia Martins.

Já no caso da auxiliar de serviços gerais Celeste Montres Anchieta, de 48 anos, o resultado do teste, realizado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Carapina, na Serra, foi divulgado, mas somente duas semanas após a morte dela. O exame confirmou o real motivo do óbito: a covid-19.

“Depois que ela faleceu é que veio chegar o resultado. Agora é muito cômodo dar coronavírus. A perda dela é um mal irreparável, que a gente está sentindo a cada minuto, a cada momento”, lamentou a dona de casa Aline Francisco dos Santos.

No entanto, para 48 famílias capixabas, a dúvida continua. Elas aguardam o resultado dos testes de parentes que partiram com sintomas da covid-19.

Por meio de nota, a Sesa afirma que não ocorre subnotificação de mortes provocadas pela doença no Espírito Santo. A produção da TV Vitória, então, questionou o que explica o aumento de 1.300% no número de mortes por síndrome respiratória aguda grave no estado. No entanto, a Secretaria Estadual de Saúde não respondeu ao questionamento até a noite desta terça-feira.

Com informações da repórter Fernanda Batista, da TV Vitória/Record TV