O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) denunciou seis pessoas por serem suspeitas de integrarem e manterem uma milícia, grupo paramilitar criado com a finalidade de praticarem crimes na Grande Vitória.
Cinco delas foram presas na operação La Liga, realizada no mês de maio. As investigações apontam que uma sétima pessoa, ainda não identificada, faz parte da organização. O que também chama a atenção é que o grupo seria formado por quatro policiais militares.
A denúncia do MPES, a qual a reportagem do Folha Vitória obteve acesso, foi entregue à Justiça estadual na quinta-feira (07) e aponta que os citados “integravam e mantinham organização paramilitar, milícia particular, grupo armado com finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos no Código Penal”.
A investigação e a denúncia são de responsabilidade da 14ª Promotoria Criminal de Vitória e por membros do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPES.
No documento, é descrito que o grupo realizava “incursões ilícitas” pelas ruas da Grande Vitória “com o propósito de cometer crimes e ilegalidades”. Em um trecho, o Ministério Público descreve os meios utilizados pelo grupo para acobertar os crimes:
Em atividade típica de organização paramilitar, mediante a associação clandestina de policiais e de civis, com utilização de armas, placas frias e outros petrechos para dificultar identificação do grupo, tais quais radiocomunicadores para evitar comunicações interceptáveis e registros de dados de localização, uso de bolsa térmica próprias de entregadores-disfarce, entre outros meios de eliminação de provas de crimes.
MPES cita três cabos e um soldado da PM como integrantes de milícia
Na denúncia do Ministério Público, três cabos e um soldado da Polícia Militar são apontados como integrantes da milícia. Os demais citados não são policiais. Confira os nomes citados:
– Cabo Ronniery Vieira Peruggia: denunciado por integrar e manter organização paramilitar, milícia particular; por homicídio (em situação que poderia ferir outras pessoas, tendo dificultado a defesa da vítima) e ainda por adulteração de sinal identificador de veículo automotor (uso de placa fria). Está preso no Quartel da Polícia Militar, em Maruípe.
– Cabo José Moreno Valle da Silva, vulgo Moreno: denunciado por integrar e manter organização paramilitar, milícia particular; por homicídio (em situação que poderia ferir outras pessoas, tendo dificultado a defesa da vítima). Está preso no Quartel da Polícia Militar, em Maruípe.
– Cabo Welquerson Cunha de Moraes, vulgo Moraes: denunciado por integrar e manter organização paramilitar, milícia particular; por homicídio (em situação que poderia ferir outras pessoas, tendo dificultado a defesa da vítima) e ainda por adulteração de sinal identificador de veículo automotor (uso de placa fria). Está preso no Quartel da Polícia Militar, em Maruípe.
– Soldado Josemar Fonseca Lima, vulgo Baiano: denunciado por integrar e manter organização paramilitar, milícia particular. Não foi informado se ele está detido no Quartel. A assessoria da Polícia Militar também não respondeu.
– Walace Luiz dos Santos Souza: denunciado por integrar e manter organização paramilitar, milícia particular; por homicídio (em situação que poderia ferir outras pessoas, tendo dificultado a defesa da vítima) e ainda por porte ilegal de arma de fogo. Está preso na Penitenciária de Segurança Média 1 (PSME1), em Viana.
– Glaydson Alvarenga Soares, vulgo Pajé: denunciado por integrar e manter organização paramilitar, milícia particular; por homicídio (em situação que poderia ferir outras pessoas, tendo dificultado a defesa da vítima) e ainda por porte ilegal de arma de fogo. Está preso na Penitenciária de Segurança Média 1 (PSME1), em Viana.
Ministério Público aponta integrantes da milícia em assassinato ocorrido em praça de Itararé
Entre os crimes apontados pelo Ministério Público, tendo os integrantes da milícia como responsáveis, está o assassinato do jovem Felypy Antônio Alves Chaves, o Cambalaxo, de 18 anos, na praça de Itararé, em Vitória, na madrugada do dia 21 de fevereiro deste ano. Ele foi morto a tiros ao lado da arquibancada do campo de futebol.
Quando a Polícia Militar chegou, a vítima já estava morta. Ele foi atingido por 15 disparos: na cabeça, no braço, no pescoço, no abdômen e nas costas. Segundo testemunhas, ele tentou correr dos suspeitos, que já chegaram atirando nele.
De acordo com as investigações, um carro com quatro pessoas e uma moto com dois ocupantes estacionaram em uma rua próxima a Unidade de Saúde de Itararé. O MPES afirma que Walace pilotava a moto e na garupa estava Glaydson. A moto foi utilizada para bloquear o tráfego na via. Inclusive, ela foi colocada junto a um cavalete, garantindo a interdição da rua.
Imagens de videomonitoramento obtidas pelo MPES mostram que Walace empunhava uma arma de fogo no tempo em que permaneceu bloqueando a rua.
Os outros membros do grupo estavam em um Honda Civic. O veículo, na época, pertencia ao cabo Ronniery Vieira Peruggia, que alterou a placa, utilizando uma fria. Ele era o motorista no dia do crime. Com ele, estavam o cabo José Moreno, o cabo Welquerson e um terceiro não identificado.
Nas imagens, os quatro saem do veículo e seguem em direção à quadra. No caminho, chegam a abordar duas pessoas que, em seguida, são liberadas. Na sequência, tiros são disparados na quadra. Em seguida, seis pessoas deixam o local.
O Ministério Público afirma que a vítima não teve possibilidade de defesa e que foram utilizados recursos como aproximação tática típica das forças policiais como contenção e planejamento.
Outro detalhe apontado pela investigação foi a de que, na ida para o local do crime, na moto guiada por Walace, o garupa (apontado pelo MP como o cabo José Moreno) utilizava um colete balístico da Polícia Militar, sob uma camisa de cor clara. O colete ficou visível nas imagens por meio do infravermelho da câmera de videomonitoramento do cerco eletrônico da Prefeitura de Vitória.
O Ministério Público solicita junto à Justiça estadual, entre outros pedidos, prisão preventiva de todos os envolvidos e suspensão do exercício de função de policial militar do soldado Josemar Fonseca. Pede também que os denunciados sejam condenados à obrigação de reparação do dano causado à família da vítima, em valor a ser arbitrado pela Justiça.
Outro lado
A advogada Sandra Grassi, que faz a defesa do cabo Welquerson Cunha de Moraes, disse que seu cliente não participou e nem participa de nenhum grupo de extermínio ou paramilitar.
“Meu cliente é um excelente profissional, com vários elogios à sua pessoa pelo trabalho desenvolvido junto à Polícia Militar. O que chama atenção, é que o ilustre Ministério Público, inicialmente, sem prova, alegou ser grupo de extermínio, e agora traz outra tese”, apontou, dizendo que não vai entrar mais em detalhes para não expor sua linha de defesa.
“Ademais, houve anteriormente a prorrogação da prisão temporária, a meu ver para aprofundamento das investigações, o que é vedado. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou que a prisão não pode se dar para aprofundamento das investigações, sob pena de ferimento aos direitos e garantias constitucionais”, reforçou Sandra.
A defesa do cabo José Moreno disse que, por enquanto, não irá se manifestar pois tudo ainda é muito recente.
O advogado do cabo Ronniery Vieira Peruggia informou que ele ainda não foi intimado e não tem conhecimento oficial da acusação. Somente possui informações da acusação do MPES pela imprensa e, portanto, não iria se manifestar.
A reportagem tenta contato com as demais defesas dos citados na denúncia. O espaço está aberto à manifestação dos respectivos advogados.
O que diz a Polícia Militar
A reportagem procurou a Polícia Militar do Espírito Santo sobre posicionamento a respeito da denúncia do MPES sobre a participação de PMs em grupo miliciano. Também perguntou se havia alguma processo administrativo em andamento e quais as penalidades para os envolvidos, levando em conta a possibilidade de expulsão dos citados dos quadros da PM.
Em nota enviada à redação, a Polícia Militar respondeu que, por meio da Corregedoria, está aguardando acesso oficial às conclusões das investigações conduzidas pelo Ministério Público, a fim de identificar o procedimento administrativo mais adequado ao caso concreto.