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Dia da Visibilidade Trans: capixabas compartilham suas histórias e dão força para aqueles que enfrentam dificuldade

Em 2019, houve 124 assassinatos por transfobia no Brasil. E só este ano, 16 homicídios foram registrados no país. Os dados são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra)

Foto: Divulgação

No Dia Nacional da Visibilidade Trans, não há muito o que se comemorar. Em 2019, houve 124 assassinatos por transfobia no Brasil. E só este ano, 16 homicídios foram registrados no país. Os dados estão no relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado nesta quarta-feira (29).

O levantamento aponta, ainda, que a cada dia do ano passado, 11 pessoas transgênero sofreram agressões. A faixa etária entre 15 e 29 anos (59,2%) e o gênero feminino (97,7%) são características predominantes do perfil dos assassinados. A desigualdade étnico-racial também é outro fator, pois 82% das vítimas eram negras (pardas ou pretas).

Segundo os estudos da Antra, o Espírito Santo está em sétimo lugar no ranking de homicídios de trans no Brasil, em 2019, com quatro casos registrados. Pará e Rio Grande do Norte compartilham o posto junto com o estado.

Descobrimento e aceitação

Desde criança, o fotógrafo e pré-vestibulando Álan Ferreira Perim, de 21 anos, se sentia desconfortável no seu corpo. Mas foi no ano de 2018 que o jovem iniciou seu processo de descobrimento. 

“Meus amigos foram as primeira pessoas com quem eu me abri, conversei. O processo foi muito difícil, porque surgem várias questões. “Será que é isso mesmo?”, “será que tô confundindo as coisas?”.

O fotógrafo é tratado pelo nome social, mas tem vontade de retificar a alteração no cartório. A maior dificuldade que Álan enfrenta no seu dia a dia é ser chamado pelo pronome feminino, o que acaba sendo muito desagradável. Morador de Castelo, no interior do Estado, ele diz sofrer preconceito de algumas pessoas de lá.

Foto: Álan Ferreira
Álan começou o processo de aceitação há dois anos.

Além de ter acompanhamento psicológico nesse processo de aceitação e transição, o rapaz está na fila de espera do Hospital das Clínicas (Hucam) para retomar o tratamento hormonal assim que possível. Retomar, porque por ser um processo caro e pouco acessível, ele fez a reposição por dois meses, por conta própria, pela vontade de ter um corpo em que se sinta confortável.

Questionado se há o que se comemorar na data de hoje, o pré-vestibulando diz que sim, pois as leis têm sido mais assertivas e a própria comunidade trans têm corrido atrás dos seus direitos. Mas ele acredita que ainda há uma longa caminhada pela frente. “A gente não tá nem na metade de conseguir, de verdade, o respeito que merecemos. Estamos muito longe de ser compreendidos”, enfatiza.

Para pessoas trans que estão iniciando esse processo, como ele, Álan tem um recado:

“Acho importante cada um respeitar o seu processo. O fato de a gente querer apressar muito as coisas pra ter nosso corpo acaba, às vezes, atropelando algumas etapas. Precisamos nos respeitar, manter a calma e deixar as coisas acontecerem. Respeitem os seus limites” 

O importante é ser feliz

Mariana Venturini, mais conhecida como Mari, tem 28 anos e conta que, quando pequena, já se sentia “diferente” em relação às outras pessoas. Sempre quis brincar com meninas, pertencia a grupinhos femininos na escola e tinha um jeito mais delicado de ser.

Nascida em família evangélica, ela cresceu ouvindo que só existiam o homem e a mulher, e que o relacionamento só era possível entre esses dois gêneros. “A gente vive numa sociedade muito hipócrita, machista. Sou de Ibiraçu, uma cidade de 11 mil habitantes. E como sou maquiadora, sempre fui conhecida e ouvi muitos comentários preconceituosos. Enfrentei uma cidade toda”, conta Mari.

Sua transição começou há apenas três anos, porque sempre teve muito medo. Ela diz que é um “processo”, iniciado pela troca de guarda-roupas, depois a mudança estética e a reposição hormonal. A maquiadora também está na fila para fazer sua cirurgia de resignação sexual (troca de sexo) desde março, no Hucam. Para se preparar para o procedimento, Mari recebe assistência psicológica, realização de exames e consultas médicas. Já seu tratamento hormonal, por enquanto, é particular.

Foto: Mari Venturini
Mari tem seu nome social registrado no cartório e todas as suas documentações. 

Com nome registrado no cartório, a jovem conseguiu trocar toda a sua documentação e nenhum deles está associado ao gênero masculino. Para ela, a tendência é que o preconceito diminua cada vez mais. Sua maior dificuldade, até hoje, foi no âmbito dos relacionamentos.

“Eu, graças a Deus, nunca passei por isso diretamente. Mas o preconceito maior que sofri foi a questão do relacionamento. A gente se torna uma mulher, e a maior dificuldade que eu sentia por parte dos homens hétero  era quanto ao meu gênero. Eles se sentiam “menos homens” por estarem com uma mulher trans”, lamenta ela. “Apesar dessas experiências, hoje estou com uma pessoa que me valoriza muito”.

No primeiro ano profissional, a maquiadora conta que perdeu muitas clientes. As pessoas se afastaram dela quando começou a transição. “Os primeiros meses e primeiros anos, são difíceis. Algumas amigas tinham vergonha de sair comigo porque a minha aparência masculina era muito nítida, então o que eu mais ouvia era que não havia necessidade de passar por isso”, contou ela.

Sobre seu relacionamento com a família, ela diz que a respeitam, mas acredita que eles nunca vão aceitá-la como mulher. “São muito mente fechada, não conseguem me enxergar. E isso acaba me afastando mais a cada dia”, disse.

Um conselho que a Mari dá pra todos e todas as transexuais que estão passando por dificuldades é: o que mais importa no mundo é você se sentir bem. “É a sua felicidade, independentemente de qualquer coisa que as pessoas falam. O importante é você. Priorize-se. Foi isso que me deu forças pra enfrentar tudo que eu enfrentei”.