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Com criatividade e empenho, professores driblam os desafios de ensinar durante a pandemia

Diante da suspensão das aulas presenciais, foi necessário pensar em alternativas para que os estudos não tivessem grandes prejuízo

Thaiz Blunck

Redação Folha Vitória
Foto: Divulgação / Escola Monteiro
O professor Marcio Vaccari usou a criatividade para estimular a participação nas aulas online

No lugar do quadro, da caneta e do apagador, novas ferramentas de trabalho: computadores, tripés e celulares. A sala de casa, que era um local para descanso, de repente - e no improviso- virou a sala de aula. Não muito longe dela, a mesa do jantar se transformou no espaço para a correção de provas e atividades. Estas, inclusive, aplicadas remotamente. 

Os professores carregam com si a missão de transferir conhecimento e assumem papéis extremamente importantes em nossas vidas. Graças a eles temos médicos, advogados, jornalistas, engenheiros e tantos outros profissionais. Graças a eles, também, a pandemia não foi capaz de interromper o ano letivo e o aprendizado de milhares de alunos.

A aplicação do ensino híbrido, que combina o presencial com o remoto, foi aliada nesse processo, mas exigiu muito esforço por parte do corpo docente, que precisou recriar as formas de ensinar. 

Com mais de duas décadas de experiência no currículo, o professor Márcio Vaccari, da Escola Monteiro, viu ferramentas antes usadas como complementares, tornando-se protagonistas no processo de ensino-aprendizagem. A mudança exigiu dele um novo olhar, que resultou em um projeto para estimular a participação dos alunos nas aulas online.

“ A crença que a gente defende de educação está para além do conteúdo, envolve interação e estabelecimento de uma proximidade nas relações, que faz com que  a gente perceba qual é a necessidade individual de cada aluno. Quando fomos para o remoto, tivemos que tentar manter essa proximidade em um novo modelo de se relacionar, que não envolvia o contato direto e as expressões e isso foi um desafio", destaca. 
Foto: Divulgação | Monteiro
Caricaturas dos alunos feitas pelo professor 

Segundo o professor de História, que também é desenhista, romper a timidez dos alunos foi um outro obstáculo encontrado. Ele conta que conseguir fazer com que os estudantes  ficassem com as câmeras ligadas durante as aulas foi muito difícil. Com isso, decidiu lançar mão da criatividade e propôs um desafio: quem abrisse a câmera, ganharia uma caricatura. O resultado? Um grande sucesso!

“Foi assim que eu tive a ideia de usar uma habilidade que eu tenho, amadora, que é desenhar. O mecanismo foi presenteá-los com desenhos deles. Quando chegou no auge do isolamento, por volta de julho, agosto, todo mundo estava muito mais à vontade com a linguagem, com a abordagem e com o fato de abrir a câmera. Então fomos superando essa dificuldade. Agora, a única que permanece é a limitação do contato visual mais apurado", ressaltou.

O processo de adaptação dos professores diante das novas formas de ensinar foi percebido também pelos pais. A Alessandra Ferri Casini, mãe do Caio, que está indo para o 9º ano, e da Maria, que vai iniciar o 2º ano do ensino fundamental na Escola Monteiro, conta que o apoio recebido da instituição foi essencial durante um período tão difícil.

“A ação do grupo docente foi excepcional. A resiliência e o amor pela profissão triunfou. Foi um grande trabalho em grupo que em nenhum momento desistiu e deixou de acreditar que apesar das dificuldades tudo seria possível. Um grande exemplo à todos nós. Inicialmente pude perceber que para os estudantes foi de fato um momento de difícil adaptação. Mas, com o apoio do grupo docente, sempre presente e solicito, e de nós pais em acompanhamento conjunto, acredito que fomos vencedores”, destaca. 

Foto: Divulgação / Escola Monteiro

O Caio Ferri Casini, de 14 anos, estudou durante quase todo o ano de 2020 remotamente. Ele conta que, no primeiro momento, não foi fácil adaptar-se, visto que já estava acostumado com a sala de aula. Mas, aos poucos, conseguiu conciliar as atividades e acostumou-se com a nova rotina. 

"Foi uma surpresa para todo mundo. Acho que a maioria pensava que seria passageiro, mas aí vieram as aulas online e foi um mundo novo. No começo foi um pouco difícil, acordar cedo para ficar em frente ao computador, mas depois fui me acostumando e consegui conciliar as tarefas. Quando eu tinha uma dúvida, os professores sempre paravam a aula para explicar. Com tudo isso, eles tiveram que ajudar bem mais. Eu espero que 2021 seja um ano melhor, que essa pandemia acabe, que tenhamos um bom ano."

Aprendendo com um super-herói

Se aprender matemática já é um problema para muitos alunos, imagina só remotamente? Com o passar dos anos e séries escolares, a disciplina começa a ir muito além do simples somar, diminuir, dividir e multiplicar. Antes, ela já exigia esforço dos professores para transmitir tudo o que sabem aos alunos, agora então, eles se transformam até em super-heróis para descomplicar as equações. 

Se nos filmes e histórias em quadrinhos, o Capitão América faz sucesso entre a criançada, no ambiente escolar não seria diferente. E foi exatamente essa a estratégia usada pelo professor de Matemática do Centro Educacional Vinícius de Moraes (Cevim), Weverton Silva. 

"Nós tivemos que nos reinventar e nos reestruturar para essa nova modalidade. A minha reestruturação foi buscar um personagem, foi então que resolvi me vestir de Capitão América para as minhas videoaulas. Foi um mecanismo que encontrei para absorver um pouco mais da atenção deles. Teve todo um processo, desde gravação, o processo de tira-dúvidas via WhatsApp e o procedimento de responder questionamentos nas plataformas. Então todas as ferramentas colaboraram para que os desafios que todos os professores tinham pela frente fosse minimizado", afirma. 
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Vestir-se de Capitão América foi uma estratégia usada pelo professor Weverton, do Cevim

Para o professor Weverton, o importante é fazer com que os alunos vejam as atividades como interessantes, não apenas como algo em que eles são obrigados a participar. Alguns pontos, como a linguagem utilizada durante as aulas e uma pausa para descontrair, fazem diferença neste processo. 

"Além do personagem, para motivar, animar, dar um diferencial, tem que usar uma linguagem mais tranquila, mais convidativa. Ter o momento de aplicar o conteúdo, de passar os exercícios, de corrigir as questões junto com eles, de descontrair, para que consiga fazer a divisão da sua aula em momentos de trabalho e de lazer. É muito importante o aluno estar motivado. Ele já fica com aquele estímulo de quando vai ser a próxima. O segredo é aprender e trazer diversão para os alunos. Fazer com que os alunos tenham interesse", afirma.

OUÇA | Professor do Cevim fala sobre a adaptação ao ensino híbrido

A Geane Ardiçon Bungenstab, mãe do Gabriel,  aluno do Centro Educacional Vinícius de Moraes, destaca que, com o passar dos meses, o novo formato virou uma rotina e, dentro das ferramentas disponíveis, a instituição e os professores continuaram dando suporte aos alunos. 

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Gabriel, aluno do Cevim, em aula remota

"Toda a didática de aula precisou ser adaptada e, como tudo foi muito rápido, a escola se dedicou a manter a “rotina de aulas”. Acredito que também foi muito difícil para eles terem que se adequar de uma hora. Nós pais também precisamos nos adequar às mudanças na vida escolar dos filhos e aqueles que conseguiram, mesmo tendo que manter-se no dia a dia de trabalho, enxergam com bons olhos essa adaptação dos professores. Afinal, se não houvesse a cooperação entre ambas as partes não conseguiríamos atingir o objetivo, que é o aprendizado dos alunos", afirma. 

Os desafios no ensino superior

Foto: TV Vitória

A necessidade de reinvenção para adequar-se ao “novo normal” bateu à porta também das instituições de ensino superior. Afinal, migrar do presencial para online exige muito mais do que um computador e uma câmera. Para atender os alunos neste novo cenário, a Fucape Business School fez um investimento alto em equipamentos de qualidade, visando oferecer o melhor ensino remoto.

O professor doutor em Administração de Empresas da Fucape, Bruno Felix, destaca que a instituição percebeu também a necessidade de readequar práticas pedagógicas, e que assim como aconteceu no ensino regular, estimular a participação e interação dos alunos durante as aulas foi um grande desafio. 

"Nós precisamos nos reinventar em razão da pandemia. Para conseguir alternativas para que o ano letivo tivesse continuidade, a instituição providenciou meios para que a gente não perdesse nenhuma uma aula. Como eu passei por esse processo, houve necessidade de readequar práticas pedagógicas à realidade do ensino a distância. As aulas passaram a ter dinâmicas diferentes, de modo que os alunos permanecem interessados e interagindo", destaca o professor, que é especialista em Cultura Organizacional e Brasileira, Expatriação, Interacionismo Simbólico e Grounded Theory.

Foto: Divulgação / FUCAPE
Bruno Félix, professor doutor da Fucape 

Driblar as dificuldades relacionadas à diferença de recursos entre os alunos, foi uma outra tarefa difícil, já que nem todos possuem ferramentas para acompanhar as aulas remotamente de forma adequada. Diante disso, uma das ações da Fucape para minimizar o problema, foi disponibilizar computadores na instituição para que os estudantes que tivessem dificuldades pudessem assistir às aulas. 

"O maior desafio, sem dúvidas, foi lidar com a diferença de recursos entre os alunos. Enquanto alguns têm uma conexão muito boa, com celulares e computadores com câmera, outros têm conexões deficitárias, com celular, por exemplo, que a câmera não funciona. A Fucape disponibilizou computadores na instituição, para que os alunos que têm escassez de recursos pudessem assistir às aulas. Também providenciou, a partir de um determinado momento, o ensino híbrido. Ou seja, os alunos que precisassem e preferissem, podiam assistir as aulas presencialmente", ressalta. 

OUÇA | Professor doutor da Fucape fala sobre o processo de reinvenção durante a pandemia

O estudante da Fucape Business School, Mateus Vieira Barcellos, de 21 anos, destaca que a disponibilidade dos professores para tirar dúvidas, mesmo que remotamente, foi essencial. Ele está no 8º período do curso de Economia e destaca que a atitude foi de extrema importância para o seu desenvolvimento pessoal e acadêmico.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Mateus Vieira, estudante da Fucape

“O contato próximo entre aluno e professor dentro de ambiente acadêmico é muito importante e enriquecedor. Durante a pandemia, esse contato foi substituído pela disponibilidade que os professores deram aos alunos, em marcarem horários com os docentes, ou trocarem e-mails, para que nós alunos, conseguíssemos tirar dúvidas, pedir conselhos, e manter esse contato, mesmo que remotamente. Essa atitude foi muito importante, pois mesmo que de casa, pude recorrer as experiências dos mesmos e tirar minhas dúvidas relacionadas as matérias",  ressaltou. 

Reinventar-se é necessário
Para cumprir a missão do ensino com excelência, os professores estão em constante evolução. Desta vez, foi necessário adaptar-se rápido à um novo cenário e contar não só com o conhecimento adquirido ao longo da formação, mas também com a criatividade, sensibilidade e carinho. 

A doutora em educação e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Cleonara Maria Schwartz, destaca a importância da diversificação das atividades e também do replanejamento dos educadores neste período. 

"O ensino híbrido vai requerer de nós, profissionais da educação, que estamos em sala de aula, um esforço ainda maior de replanejar, readequar e redimensionar os tempos de ensino e aprendizagem. Diversificar atividades para que esse ensino possa, de certa forma, chamar uma interação efetiva dos alunos entre si, entre os professores. É uma forma de ensinar que vamos ficar oscilando entre um tempo presencial e um tempo remoto", destaca. 

Confira no vídeo o que diz a especialista em educação sobre a importância da criatividade na aulas: