Atenção, cuidado e parceria: a importância do acolhimento na retomada das aulas
Diante das dificuldades impostas pela pandemia, receber apoio no ambiente escolar tornou-se fundamental no processo educacional
Novo ano, novos professores, novas disciplinas e novas formas de aprender. Essa é a realidade encontrada por alunos, do ensino infantil ao superior, na retomada das aulas. Se antes o momento já demandava atenção, agora, diante de protocolos e novos hábitos, ele requer ainda mais cuidado.
Vale lembrar que muitas famílias perderam alguém próximo ou conhecem quem perdeu nessa pandemia. Por isso, ao mesmo tempo em que precisam se adaptar ao “novo normal”, os estudantes, assim como os pais e professores, também lidam com os seus próprios medos e inseguranças, que podem afetar diretamente a rotina escolar.
Para superar esses obstáculos, o trabalho mais importante a ser desenvolvido é o acolhimento. O vice-presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Espírito Santo (Sinepe-ES), Eduardo Costa Gomes, destaca que o acolhimento tem o sentido de observar dois aspectos: o emocional e o pedagógico.
"Temos a fragilidade das crianças e dos adolescentes neste momento, além da questão pedagógica, que gera angústia, por exemplo, quando os alunos têm problemas para aprender os conteúdos. A grande questão para acolher é promover uma escuta ativa, então a gente tem que ouvir e além do acolhimento dos alunos e pais, a escola precisa ficar atenta ao processo de acolhimento dos seus profissionais também", afirma.
Após ficar praticamente o ano inteiro no ensino remoto, Laura Locatel, de 17 anos, voltou para o presencial neste ano, que é decisivo em sua vida escolar. Ela é aluna do 3º ano do ensino médio na Escola Monteiro e tem um vestibular pela frente. Agora, de volta à sala de aula, conta que o apoio foi fundamental no processo de retomada.
"Dia 03 completou um mês que as aulas retornaram e tem sido muito bom. Agora eu optei por ir e essa decisão foi bem difícil, porque foi pautada nos meus medos e inseguranças. Mas quando eu cheguei lá na Monteiro, senti que podia estar ali, tive apoio dos professores, dos coordenadores e me senti segura. Quando voltamos, eles abriram mão de algumas aulas para atender cada aluno, saber como estávamos, sobre as nossas dificuldades. Tudo isso faz muita diferença”, contou.
Mais do que ouvir e buscar soluções para os problemas enfrentados no processo de ensino-aprendizagem, os educadores, diante de um cenário tão difícil, assumem também o papel de amigos e companheiros dos alunos. Esse cuidado foi sentido pela Laura recentemente.
"Na semana passada eu estava meio triste por conta da minha cachorrinha e a professora de Literatura, durante aula remota, colocou uma música que diz assim: “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. A professora parou tudo e cantou para tranquilizar a gente, para saber como estávamos. Eu acho que encerro o 3º ano ainda na pandemia, mas me deixa muito mais tranquila saber que tenho profissionais muito afetuosos e presentes”, relatou.
O momento citado pela aluna foi registrado. Confira!
A professora do vídeo, responsável por 'sacudir a poeira' é a Jamille Ghil. Ela conta que as turmas são pequenas e isso faz com que os profissionais tenham um olhar ainda mais próximo para cada aluno. Assim, eles fazem o que é possível para levantar o astral quando percebem que as coisas não vão muito bem.
"Na aula passada eu senti que eles queriam respirar um pouco, então comecei a perguntar o que estava acontecendo. A Laura pediu para ler um poema porque ela estava triste e os colegas então começaram a ajudá-la, a conversar. Foi aí que eu lembrei de Maria Bethânia interpretando a canção ' Volta por Cima'. Eu passei esse clipe e depois a gente conseguiu aliviar a energia da aula e concentrar nas nossas leituras, dos poemas, da obra que estávamos discutindo", relata.
Assim como a Laura, a estudante Alice Polese, de 14 anos, também está em uma fase importante da vida escolar. Ela está no 9º ano do ensino fundamental II na Escola Monteiro e já se prepara para a transição no próximo ano, quando inicia o ensino médio. Ela voltou para o presencial esse ano e conta que a experiência foi bem interessante, porque além do acolhimento, os alunos passaram por uma avaliação, tipo um diagnóstico, para ver quem estava com dificuldades.
“Essa parte do acolhimento foi muito importante. A expectativa para 2021 é que seja melhor do que ano passado. Na parte dos estudos, já vai ser melhor porque estamos conseguindo ver os professores presencialmente, conseguindo tirar dúvidas presencialmente. Me dei muito bem com as aulas online, mas o presencial é melhor porque podemos ver os amigos e os professores”, conta.
A parceria do cooperativismo
O ensino híbrido, modalidade que mescla o presencial com o online, demandou um cuidado maior por parte dos professores. Em sala de aula, a atenção é redobrada, já que além de aplicar os conteúdos, agora eles precisam também ficar atentos às medidas sanitárias. O Nélber Piol de Andrade, de 15 anos, é aluno do primeiro ano do ensino médio da Cooperativa Educacional de São Mateus (Coopesma) e ficou feliz com a forma como foi recebido na instituição.
“A Coopesma nos recebeu de uma forma carinhosa e protetora, visando proteger todos os alunos presenciais da covid-19 e, por outro lado, oferecer atenção para os alunos do ensino remoto, que, neste tempo atípico, estão sofrendo dificuldades na aprendizagem. No ano passado, havia apenas as aulas remotas, mas, com a dificuldade de aprendizado de alguns alunos, tentaram adicionar um sistema de ensino híbrido, que junta as aulas virtuais com as presenciais”, explicou Nélber.
Quando se fala em cooperativas educacionais a parceria é algo que faz a diferença e torna possível a boa adaptação de alunos, pais e professores diante de tantas mudanças. Por fazer parte do grupo de risco para a covid-19, a Fabiana Santana, mãe da Ana Gabriela Santana Mendonça Alves, que está no 8º ano do ensino fundamental na Cooperativa Educacional de Muqui (Coopem), optou por manter a filha no remoto. A decisão, segundo ela, não teve impacto no rendimento escolar.
"A preparação começou com a elaboração de um comitê de ´pais, onde foram discutidas as ações que deveriam ser tomadas, tendo por base a Portaria SESA/SEDU, Dessa forma, a Coopem /CEM pôde acolher, dentro dos padrões a serem seguidos, os alunos que optaram estar na escola de forma presencial, bem como os que optaram por ficar no remoto, como é o caso da Ana Gabriela. Encontramos na instituição o compromisso com o ensino de qualidade, superando os desafios impostos pela pandemia. Eles juntaram esforços e se fortaleceram", pontuou Fabiana.
Por outro lado, os alunos da Coopem que optaram pelo ensino presencial, como é o caso da Camila Leal Wandermuren, de 13 anos, receberam no retorno às aulas, além de atenção, muitas orientações sobre as medidas de prevenção contra o novo coronavírus. Ela é aluna do 9º ano do ensino fundamental e conta que a volta foi muito marcante.
"A nossa escola nos recebeu de uma forma muito calorosa, com muita felicidade e atenção. Muita coisa mudou! No ano passado foi somente o remoto, então complicações acabam acontecendo, como a internet de um aluno cair, por exemplo. Eu optei por voltar, pois tenho confiança na escola, estou lá desde o 6° ano e sei que vão tomar muito cuidado e cumprirão com as medidas necessárias. Também acho completamente diferente o ensino à distância. Há, claramente, uma forma mais fácil de entendimento quando se está no presencial", relatou.
A diretora da Cooperativa Educacional de Muqui (Coopem), Michelli Schiavo, explicou que para oferecer aos alunos uma boa recepção na volta às aulas, como citado pela Camila, a instituição promoveu um momento de acolhida com pais e alunos para falar sobre o ano letivo e também reforçar os protocolos sanitários.
“Diferente de outras escolas, optamos por não retornar no ano passado. As crianças já estavam engrenadas no formato, então encerramos o ano no remoto e iniciamos agora com o calendário montado como no ano letivo normal. Fizemos, na primeira semana, um momento com pais e alunos para acolhida, para também falar sobre os protocolos. Seria importante que eles ouvissem juntos quais o protocolos seriam aplicados porque quando você coloca com o pai junto, compartilha a responsabilidade. O nosso grande trunfo é ser uma cooperativa educacional, o formato de escola já nos dá um passo a frente, porque já se tem o hábito de partilhar responsabilidades”, ressaltou.
Acolhimento na educação infantil
Se no ensino fundamental e no médio o acolhimento é importante e gera bons resultados, na educação infantil ele se faz ainda mais necessário. Para Beatriz Abuchaim, gerente de Conhecimento Aplicado na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, especializada em primeira infância, acolher é a palavra-chave deste momento de retorno, e se estende também aos pais e professores.
“As crianças estão há muito tempo em casa, tendo outro tipo de rotina e interação, então esse retorno para a escola pode causar, por si só, um certo estranhamento. Por isso é muito importante que os professores dialoguem, conversem muito e tentem entender como foi esse período de afastamento e como elas estão agora. Também é o momento de acolher as famílias e, da mesma forma, o acolhimento se estende também aos profissionais da educação. Então a palavra deste momento realmente é o acolhimento, fazer isso com muita calma, com muito afeto e com muita escuta”, explica.
A especialista destaca ainda que a rotina das crianças sofreu muitas alterações com a pandemia. O sono não está bem regulado, a alimentação está pior, visto que o consumo de alimentos processados aumentou, e, consequentemente, a prática de atividades físicas diminuiu. Tudo isso, segundo ela, interfere no desenvolvimento dos pequenos.
“Por estarem dentro de casa existe uma exposição maior às telas, o que pode ser bastante prejudicial na infância. Então esses são pontos de atenção que nos preocupam neste momento em relação à esse impacto da pandemia. As crianças também estão lidando com adultos mais estressados neste momento, que emocionalmente podem estar menos disponíveis para atendê-las. É importante que as famílias tentem manter uma rotina com as crianças, ter momentos de brincadeira e interação em casa diariamente, procurar controlar o uso de telas e ter padrões para alimentação e sono”, destaca Beatriz.