Aulas ao ar livre ajudam a evitar contágio da covid-19 e estimulam nova rotina
As atividades ao ar livre têm ganhado ainda mais destaque durante a pandemia
Logo no início da pandemia, com o fechamento das escolas, o ensino remoto foi a alternativa encontrada para que os alunos não perdessem o ano. Depois, com a retomada das atividades presenciais e seguindo os protocolos, o ensino híbrido - que combina o presencial com o online - tornou-se outra opção. Junto à ele, ressurgiram as aulas ao ar livre para estimular os alunos.
A adaptação de parte das aulas presenciais para ambientes externos, quadras, praças e parques passou a ser vista como uma forma de reduzir as chances de transmissão do vírus da covid-19 e ampliar o contato com a natureza.
A medida inclui desde a educação infantil até o último ano do ensino médio, com conteúdo de diferentes disciplinas. Ela é recomendada por instituições internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), por governos e por entidades médicas e científicas, como a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O professor doutor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Marcelo Lima, explica que o conceito de aulas ao ar livre não é novo, foi idealizado pelo pedagogo francês Célestin Freinet (1896-1966), com objetivo de estimular os alunos.
"Com muita segurança o espaço externo permite observação e interação que favorecem atividades de aprendizagem que vão desde a pintura do meio ambiente numa aula de artes para pré-escola ou ensino fundamental, até a visita técnica numa empresa para se conhecer seu processo tecnológico num curso superior ou técnico", afirma.
A gerente de Conhecimento Aplicado na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, especializada em primeira infância, Beatriz Abuchaim, destaca que a prática de atividades ao ar livre pode ser uma grande motivação para as crianças, mesmo diante de um cenário que requer cumprimento de uma série de protocolos.
"A gente tem estimulado muito o uso dos espaços externos da instituição, porque são espaços que protegem as pessoas do contágio e que colocam as crianças e os adultos em contato com a natureza depois de um ano que ficamos entre quatro paredes. Então essa liberdade que o espaço externo proporciona em termos de contato com a natureza e também de possibilidade de exercício físico, é muito importante para as crianças neste momento", afirma a especialista.
O Rodrigo Abelha, pai dos irmãos Rodrigo, de 4 anos, e Martina, de 2, destaca que as crianças não têm mais a “liberdade” que tinham na infância, já que a rotina de muitas delas é dentro de apartamentos. Por conta disso, as atividades ao ar livre acabam suprindo essa necessidade, possibilitando um maior contato com a natureza.
"Apesar de não pertencer à área médica, já li inúmeras reportagens relatando os benefícios obtidos através da relação práticas de atividades ao ar livre, principalmente aumento de imunidade (sol e vitamina D). Incontáveis são também os benefícios para o psicológico das crianças. Elas possibilitam maior contato com a natureza e trazem essa sensação de liberdade, fazendo nossos filhos mais felizes”, conta.
Rodrigo e Martina são alunos do Infantil IV e Maternal da Escola Americana de Vitória, que conta com um amplo espaço externo, o que possibilita aos professores a oportunidade de explorar um pouco de cada cantinho. A diretora pedagógica da EAV, Andrea Buffara, conta que uma das atividades realizada com frequência ao ar livre é a visitação à horta.
"A gente tem trabalhado aulas específicas ao ar livre e buscamos levar as crianças para fora, dependendo das atividades. Estamos com uma horta que tem vegetais, frutas, então estamos trabalhando todas as séries, e as aulas se modificam dependendo do nível da turma. Com os pequenos, a gente trabalha a degustação, o que é salgado, o que é doce, vamos lá e buscamos uma fruta. Os mais velhos estão aprendendo a estrutura de uma planta, por exemplo. Levamos lá e eles têm a oportunidade de ver isso ao vivo", explica.
A diretora destaca que todas as atividades seguem o currículo escolar, ou seja, é necessário ter relevância e relação com o que os alunos estão aprendendo em sala de aula. Os alunos podem aproveitar a área externa para fazer leitura, pesquisas, brincadeiras e até banho de mangueira, que segundo Buffara, eles adoram.
"Estamos estimulando jogos, brincadeiras do lado de fora e outra coisa que eles adoram é banho de mangueira no gramado, principalmente os pequenos. Os alunos passaram tantos meses presos, que o fato de ter um espaço seguro, cercado, onde eles tem uma liberdade que não tinham em casa, é muito bom. Seguindo os protocolos, a gente tá conseguindo conviver em grupo, que é muito importante para a socialização das crianças nesse momento", destaca Andrea.
A psicóloga infantil, Galileia Simões, destaca que a pandemia fez com que novas estratégias de ensino e a educação fossem criadas, e neste sentido, as escolas têm se reinventado para fomentar cada dia mais a busca pelo conhecimento. Assim, as aulas ao ar livre proporcionam aos alunos novas experiências através do contato com a natureza.
"A estratégia de ensino não é só sobre educação física que é ao ar livre. É sobre a possibilidade de estudar português, matemática, história, que achamos que só é possível estudar em sala de aula. Imagina o seu filho podendo trabalhar toda atividade sensorial durante a atividade escolar mesmo? Tendo o toque dos elementos da natureza, o contato com a grama, com as pedras, com a terra. A estratégia vai trazer para as crianças o despertar para o novo aprendizado", afirma.
'Alargando o horizonte'
E não são só os pequenos que gostam e aproveitam as aulas ao ar livre. A Anne Mello, de 13 anos, passou praticamente todo o ano de 2020 em casa, estudando remotamente. Ela é aluna do 8º ano do ensino fundamental da Escola Monteiro, que também promove atividades externas com os alunos, e conta o que acha das aulas.
"A gente sai pra observar e para as pesquisas também, vamos até o lugar. Agora nós fomos até uma obra para falar sobre o que estávamos estudando, foi do lado da escola mesmo, fomos andando até lá. Fomos, observamos e depois fizemos um trabalho. Eu acho muito legal, é interessante, a aula fica mais interativa, a gente consegue interagir mais e ver também o que estamos estudando", conta.
A orientadora educacional da Escola Monteiro, Tatiani Svacina, conta que as aulas ao ar livre já acontecem na instituição desde antes da pandemia. Segundo ela, as atividades são propostas pensadas para todas as séries, do primeiro ano do ensino fundamental até o 3º do ensino médio.
“Percebemos que ao realizar as aulas externas, além de trazer mais leveza, conseguimos possibilitar um desenvolvimento socioemocional . O aluno consegue se sentir pertencente ao realizar práticas educativas associadas a experiências ao meio social. Como dizia o educador francês Célestin Freinet: Temos que alargar o horizonte da escola; temos que integrar o seu processo no processo da natureza e da vida social, se quisermos equilibrar a educação e dar o máximo de eficácia que a justifique!”
As aulas ao ar livre, segundo a orientadora educacional, têm como objetivo fomentar a criatividade e a possibilidade de múltiplas linguagens, garantindo aos alunos um aprendizado reflexivo. Neste momento de pandemia ainda, em que as crianças passaram por um momento de confinamento físico e social, elas tornam-se ainda mais importante.
"As aulas ao ar livre possibilitam uma aprendizagem significativa, estreita os laços dos alunos com o grupo e com os professores, além de trazer uma sensação de pertencimento, explica Tatiani.
Novos ambientes
No Centro Educacional Vinícius de Moraes (Cevim), em Cariacica, os professores também têm apostado em atividades além do modelo convencional. A quadra da escola transformou-se em um espaço para roda de leitura, seguindo o distanciamento social e as outras medidas sanitárias, como o uso de máscara.
Tatiana Corrêa Raymundo de Oliveira, mãe da Luiza, de 6 anos, conta que a filha, estudante Cevim, participa de diversas áreas ao ar livre, como no parquinho, na quadra ou área externa da cantina.
"Acho muito importante ela ter esses momentos de aula ao ar livre, pois assim ela consegue interagir melhor com os amigos, professores, funcionários da escola, ajuda no desenvolvimento motor e cognitivo, então consegue se divertir e aprender ao mesmo tempo", afirma a mãe.
A psicopedagoga do Cevim, Ângela Karla Carvalho, afirma que um dos pontos importantes das atividades ao ar livre é que, além de diminuir as chances de transmissão do coronavírus, elas também contribuem para a promoção da saúde e o aumento da imunidade das crianças e adolescentes.
"Nós procuramos ao máximo realizar as atividades nas áreas externas e quando não é possível, mantemos além do distanciamento e rodízio, as salas com portas e janelas abertas, o espaço físico da escola é bem arejado dando sempre acesso ao lado externo do ambiente", conta.
Apesar do modelo de aula já existir há algum tempo, para os alunos, principalmente das séries iniciais, as atividades fora de sala de aula não deixam de ser uma novidade. Por isso, segundo a pedagoga, é importante um planejamento junto aos alunos.
"A princípio, é novidades para eles, mas com o passar dos dias esse novo ambiente se torna rotineiro, não havendo mais interferências e distrações do meio externo. Os benefícios das aulas fora da sala é a conexão dos alunos com novas possibilidades, dá intervenção positiva surgindo novas oportunidades de aprendizagem, pois o planejamento jamais poderá ser enrijecido", destaca.