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Após 30 anos, filha supera desafios e resgata o convívio com a mãe

Apesar de uma vida inteira sem convivência, dona de casa precisou acolher a mãe, que mal andava e comia sozinha. O suporte veio através de um programa de Vitória

Foto: Ana Carolini Mota

Toda a infância, a adolescência e até a juventude afastada da mãe. Assim foi a maior parte da vida da dona de casa Sirleide Caetano Silva, de 45 anos. Das lembranças que tem do passado, ela se recorda da avó saindo em busca de recursos para que sua mãe, Neide Caetano Silva, que tem problemas psiquiátricos, pudesse receber tratamento.

Neide, que hoje tem 65 anos, além de Sirleide, teve outros dois filhos e também não teve convivência com nenhum deles. Na verdade, ela não teve convívio social, passou a maior parte do tempo indo e vindo de hospitais psiquiátricos. Uma parte dura de um passado ainda presente na memória da dona de casa.

“Minha mãe vivia em hospitais psiquiátricos, o que muitas pessoas antigamente chamavam manicômio ou até mesmo hospício. Por isso, não tivemos contato. Lembro que, no início, eu a tinha como uma irmã. E só quando eu cresci e passei a entender melhor as coisas, eu soube, de fato, que ela era minha mãe”, contou Sirleide. 

Após 30 anos afastadas, elas tiveram que aprender a conviver juntas e restabelecer os laços de sangue. Com a lei de reforma psiquiátrica no Brasil, que exigiu o fechamento gradual dos hospitais psiquiátricos, Neide teve que voltar para casa e a filha Sirleide passou a ser a responsável direta pela mãe. Um grande desafio para as duas.

O que a dona de casa não esperava é que teria que seguir nessa missão praticamente sozinha. Segundo Neide, boa parte dos parentes, que mora em Nova Venécia, no Noroeste do Espírito Santo, não apoiou o retorno de Neide para a casa da família. 

“Quando eu soube que seria a responsável diretamente por ela, fui conversar com toda a família para decidir o que poderíamos fazer, já que sem o tratamento, ela não podia ficar. Foi aí que me vi praticamente sozinha, pois apenas o meu companheiro na época ficou ao meu lado”, disse Sirleide.

Foto: Ana Carolini Mota

A porta de entrada para receber o suporte que tanto precisava veio depois que Neide mudou para Vit´ória e conheceu o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Capital, que passou a monitorar a família e a identificar quais eram as principais necessidades.

“A dona Neide não tinha autonomia para quase nada. Para comer, ela usava as mãos, não ia ao banheiro sozinha e tinha muita dificuldade até para andar. Com isso, identificamos a necessidade de propor para a família um tratamento com uma equipe de profissionais que iria ajudar na evolução dela,” explicou a coordenadora do Creas de Maruípe, Viviane Maria Pessoa.

Após a primeira parte do acompanhamento, Neide foi encaminhada ao Serviço Especializado de Atendimento Domiciliar para Idosos e Pessoas com Deficiência (Sead), da Secretária de Assistência Social de Vitória, que atua para garantir acessibilidade e acolhimento não apenas aos assistidos, mas também para toda a família.

A maior parte das pessoas atendidas passou por algum tipo de violação de direitos, seja psicológica, seja até mesmo física. Em caso de tratamentos psiquiátricos, como o caso de Neide, muitos dos assistidos também já foram institucionalizados, o que acaba causando traumas e dificultando o acompanhamento de um profissional.

Em seis anos de acompanhamento, o progresso é evidente. Neide passou a andar sozinha, a desenvolver diálogos sem medo, aprendeu a segurar um copo e a usar talheres para comer. “São coisas que parecem pequenas, mas que para quem viu de perto o processo tem um valor gigante”, comemora Sirleide.

Atualmente, Neide e a filha recebem visitas de assistentes sociais e de uma cuidadora social pelo menos duas vezes por semana. Com a ajuda desses profissionais, Sirleide viu a possibilidade de restabelecer os vínculos com mãe. E, mais do que isso, cuidar também da própria saúde.

“Estar bem e ver minha mãe bem faz toda diferença na nossa rotina. Hoje fazemos coisas que jamais imaginei, como um passeio em família, por exemplo. Hoje eu sei que se tiver alguma dúvida sobre o tratamento da minha mãe ou até mesmo se algo grave acontecer, nós temos a quem recorrer. E o melhor de tudo, é pode contar com esse serviço em casa, tirando qualquer possibilidade de ver a minha mãe novamente em um hospital psiquiátrico”, disse Sirleide.

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Como funciona o Sead

O Serviço Especializado de Atendimento Domiciliar para Idosos ou Pessoas com Deficiência atua com o objetivo de promover autonomia e inclusão social tanto do dependente quanto do cuidador, buscando contribuir com o processo de superação das violações de direitos.

O serviço conta com atuação de assistentes sociais, terapeutas, assessores jurídicos, instrutores e educadores, que passam a acompanhar a rotina das famílias. De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social, só no ano passado 698 pessoas foram atendidas pelo Sead. Mais de 300 famílias foram acompanhadas por algum profissional.

“Apesar de lidar com casos mais graves, o Sead tenta resgatar o histórico de cada família. O que eles gostavam de fazer? Como era a vida antes? Nossa equipe vai na contramão da institucionalização, que nem sempre vem como uma experiência positiva pra eles. Oferecemos o serviço com assistentes sociais, por exemplo, que passam a acompanhar toda a família e não só o assistido. Oferecemos a assistência social pra todos”, informou a coordenadora do Creas de Maruípe, Viviane Maria Pessoa.

E o serviço, que já funciona há 10 anos, passou por um aprimoramento em janeiro deste ano, tendo a equipe ampliada, passando a contar com a atuação de cuidadores sociais. São profissionais que acompanham a rotina dessas famílias, dentro das casas.

Foto: Ana Carolini Mota
Viviane com a cuidadora social e mãe e filha, que agora caminham juntas

“O cuidador auxilia no que for preciso em casa, desde a locomoção de um cômodo para outro até o banho, uma troca de roupas, um simples passeio pelo quintal. E isso sempre incentivando e mostrando que o acompanhamento de um profissional faz toda diferença para um tratamento eficaz, e que é possível reverter uma situação que muitas vezes para a própria família parece não ter mais jeito. A nossa equipe caminha com um tratamento humanizado”,  ressaltou Viviane.