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Popular e questionado, papa Francisco completa 10 anos de pontificado

Pontífice argentino deu nova face ao catolicismo, incluindo em suas pregações críticas à economia neoliberal, defesa dos mais pobres e inclusão de pessoas LGBTQIA+

Marcelo Pereira

Redação Folha Vitória
Foto: Reprodução / Instagram
Papa Francisco, com jeito simples e mais próximo das pessoas, tem se destacado como um dos pontífices mais populares da história da Igreja Católica

Nesta segunda-feira (13), o papa Francisco completa 10 anos à frente da Igreja Católica, a maior instituição religiosa do planeta. Comandando 1,3 bilhão de fiéis, o pontífice argentino de 86 anos conta com grande popularidade, mas também recebe críticas. 

Primeiro papa jesuíta e latino-americano, ele foi eleito após a renúncia do seu antecessor, Bento XVI, em 2013.

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Além da novidade de sua origem, Francisco causou impacto ao colocar que preferiria uma "Igreja em saída", mais atenta às necessidades do mundo e não fechada em si mesma, despertando reação de grupos conservadores aos seus projetos de reformas. 

Mas, ao mesmo tempo, ele é visto com cautela por quem deseja mudanças impactantes no meio católico e acha que deveria se avançar mais.

Foto: Reprodução / Instagram
"Ele é um papa que tenta conciliar esses polos e, por isso mesmo, recebe críticas de ambos os lados. Ele quer avançar, mas, ao mesmo tempo, não vai modificar questões da doutrina católica, que são vistos como pilares da identidade do que é ser católico, amparado no que a Igreja entende como tradição apostólica, ou seja, a maneira como se vive a fé em Jesus desde o começo do Cristianismo", explica o teólogo Vitor Nunes Rosa, professor de Filosofia do Centro Universitário Faesa.

Ele lembra que questões consideradas tabus há anos passaram a fazer parte dos círculos de discussões do papa. 

"Francisco fala abertamente e francamente de temas como os direitos LGBTQIA+, a participação feminina na Igreja, a necessidade de um modelo econômico mais justo, a preocupação com o meio ambiente. São assuntos que pedem posicionamento no mundo contemporâneo e que ele, como pontífice, não se nega a opinar. Mas, em relação à doutrina católica, a indicação é que, se depender dele, nada muda", compara. 

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Como um exemplo dessa atitude que acena a conservadores e progressistas, em fevereiro deste ano, voltando de uma visita ao Sudão do Sul e ao Congo, Francisco disse que leis que criminalizam pessoas LGBT são um "pecado e uma injustiça". 

“Isso não está certo. Pessoas com tendências homossexuais são filhos de Deus. Deus as ama. Deus as acompanha… condenar uma pessoa assim é um pecado. Criminalizar pessoas com tendências homossexuais é uma injustiça”, disse.

Porém, em outra ocasição, ele reforçou a posição doutrinária da Igreja que trata a homossexualidade como pecado. “Não é crime. Sim, mas é pecado”, disse. “Tudo bem, mas primeiro vamos distinguir entre um pecado e um crime. Também é pecado não ter caridade uns com os outros”, acrescentou depois.

Alteração na estrutura de poder da Igreja

O professor aponta que, além de colocar em foco temas polêmicos de forma natural, o legado de Francisco, que está amplamente em formação, também promove alteração na estrutura de poder da Igreja. 

"Ele, ao longo desses anos, vem, sem fazer alarde, alterando essa dinâmica, querendo que as relações internas fiquem mais horizontais que verticais. Roma tem a primazia mas as conferências de bispos locais de cada país passam também a ter mais força, além de dar mais destaque e voz ao papel dos leigos, ou seja, aos fiéis que não são sacerdotes", destaca. 

Dentro dessa vontade, haverá em outubro deste ano o chamado sínodo, uma reunião de bispos do mundo inteiro em Roma, para discutir um assunto específico. O tema da vez será a forma como a Igreja Católica tem atuado e evangelizado atualmente. 

A discussão será feita a partir das opiniões e observações dos padres e religiosos mas também dos fiéis, que já realizaram assembleias e encontros nos últimos dois anos, colocando quais ajustes seriam necessários na maneira de evangelizar e no dia-a-dia das paróquias. 

O próximo papa

Francisco já sinalizou que poderá renunciar caso a saúde não colabore. Comentou que a figura do papa emérito e um papa em exercício (sim, nos últimos nove anos, os católicos tiveram dois papas, Bento XVI e Francisco) foi uma experiência interessante, que não paralisou a Igreja. O antecessor de Francisco morreu no dia 31 de dezembro de 2022, aos 95 anos.

Mas pode ser sujeita à reforma e à mudança. Na sua sugestão, o papa estaria "aposentado" das suas funções como pontífice, mas continuaria atuando como bispo de Roma (o que ele já é, na prática).

Foto: Vatican Media/Divulgação
Papa Francisco e papa emérito Bento XVI, que morreu em dezembro de 2022: pode ser que, futuramente, a figura de dois papas seja comum no cotidiano da Igreja Católica

O papa Francisco também já deu pistas de que seu sucessor poderá ter sua mesma linha de trabalho e posicionamento. Isso pode acontecer porque, até o momento, ele já alterou o colégio cardinalício, escolhendo 65% do grupo de cardeais que irão definir o próximo papa. 

Dez anos do papa Francisco

Papa sem paramentos

Na sua primeira apresentação pública, assim que foi eleito papa, em 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Bergoglio já indicou que faria ruptura na tradição da Igreja, ao aparecer na varanda da Basília de São Pedro sem nenhum ornamento litúrgico. 

Escolheu o nome de Francisco, fazendo referência a São Francisco de Assis, santo do século XIII que fundou a ordem dos franciscanos, renovando a Igreja Católica no seu tempo, ao propor viver o Evangelho de Cristo por meio da pobreza e da ajuda aos necessitados. 

Além disso, o papa Francisco, num gesto inédito e surpreendente, pediu que a multidão na Praça São Pedro o abençoasse.  

Opção pela simplicidade

Francisco optou por viver num apartamento simples na Casa Santa Marta, deixando de morar no Palácio Apostólico, como faziam seus antecessores. 

Também renunciou a tirar férias na residência papal em Castel Gandolfo, durante o verão. Pediu que o local fosse aberto para visitação pública e se transformasse em museu. O papa faz visitas de surpresa a bairros e comunidades periféricas de Roma. 

Inclusive, já almoçou e jantou em casas de pessoas simples. Também dividiu sua mesa com moradores de rua e presidiários. 

O gesto, para grupos conservadores, foi criticado como um papa que está fazendo pouco caso das funções do cargo.  

Reforma na sede do poder da Igreja

Francisco, em seus primeiros anos, já colocou em prática uma reforma na estrutura de poder da Igreja Católica. 

Seu alvo foi a Cúria Romana (o governo da Santa Sé). Ele descentralizou as funções do órgão, dando mais protagonismo e autonomia também às conferências dos bispos dos demais países e associações de leigos. 

Em 2022, foi lançada uma nova Constituição, reorganizando as funções dos departamentos na Igreja e privilegiando a evangelização. Também fez pente-fino sobre as finanças do Vaticano, criticadas por falta de transparência. 

Criou, em 2014, um Secretariado de Economia, fez o reajuste do Banco do Vaticano, fechando 5 mil contas. 

Igreja mais próxima do mundo

Outra fala do papa argentino foi querer "uma Igreja em saída". Na prática, os fiéis deveriam não ficar restritos ao que acontece dentro de suas paróquias, limitados aos rituais e celebrações e, sim, sair para o mundo, levando a mensagem de Cristo para todos os ambientes de convivência. 

Francisco também disse que queria “pastores com cheiro de ovelha”, numa chamada de ordem para que bispos, padres e religiosos estivessem mais presentes no dia a dia dos fiéis e não apenas distantes na direção e administração das paróquias.

Defesa dos mais pobres e meio ambiente

Francisco colocou no dia a dia da Igreja Católica assuntos de interesse mundial como economia, meio ambiente, política internacional. E ele não teve receio de demonstrar seu posicionamento nas cerca de 40 viagens que fez a países de todos os continentes em visita papal.

Defendendo modelos econômicos justos, criticou o neoliberalismo, cobrando que o Estado deve fazer a sua parte na entrega por saúde, educação e moradia para as populações. 

No auge da pandemia de covid-19, disse que a economia mundial deveria ser repensada pois o modelo atual estava esgotado. 

O papa tem os refugiados e imigrantes como seu assunto predileto. Ele mesmo é filho de uma família que imigrou da Itália para a Argentina. Ele cobra constantemente que haja mobilização em prol das pessoas que fogem das guerras ou em busca de melhores condições de vida, sobretudo na Europa.

Defendeu uma mudança radical em relação ao posicionamento global em relação ao meio ambiente. Disse que a tomada de decisão é urgente por um sistema sustentável. "Das mãos de Deus recebemos um jardim; aos nossos filhos não podemos deixar um deserto”, insistiu.

Aproximação com a comunidade LGBTQIA+

O papa, segundo especialistas que acompanham o Vaticano, tirou o assunto da homossexualidade como proibido no alto círculo da Igreja. Francisco emite opiniões de maneira franca, pontuando a questão de aceitar as pessoas independente de suas preferências sexuais e frisando o combate ao preconceito. 

No início do seu pontificado, em 2013, voltando da viagem ao Brasil, declarou: "Se uma pessoa é homossexual, busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?".

Em outubro de 2020 defendeu que pessoas LGBTQIA+ tivessem os mesmos direitos legais que os casais heterossexuais. Em janeiro de 2022, ele pediu que pais não condenassem os filhos por conta de sua orientação sexual.

Rigor contra a pedofilia e escândalos sexuais na Igreja Católica

Para combater os escândalos de abusos sexuais de menores de idade, Francisco aboliu, em 2019, o chamado "sigilo pontifício", que era utilizado por autoridades eclesiásticas para justificar o silêncio sobre os casos. 

“O abuso é destrutivo, destrói vidas. Não nego os abusos na Igreja, mas mesmo que fosse apenas um é monstruoso. Um sacerdote não pode continuar no sacerdócio se for culpado de abusos. Ele não pode fazê-lo porque é um doente e um criminoso... Um sacerdote existe para guiar os homens para Deus e não para destruir homens em nome de Deus. Tolerância zero. E assim devemos continuar”, afirmou Francisco, numa entrevista à TV portuguesa, em 2022. 

Mas, para a associação das vítimas, apesar do gesto ser importante, ele ainda é insuficiente.

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