Mais de 300 mil famílias vivem à beira da fome no ES
O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no país aponta que a fome avançou em 2022 e atingiu 33,1 milhões de pessoas
Não é de hoje que se observa uma grande concentração de renda no Brasil e o Espírito Santo é parte deste triste cenário. A situação toma proporções maiores quando saltam aos olhos necessidades básicas que não conseguem ser supridas por inúmeras pessoas: a principal delas é a segurança alimentar. No Espírito Santo, mais de 300 mil famílias vivem à beira da fome.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), aplicada na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), classifica os domicílios de acordo com o nível de segurança quanto ao acesso aos alimentos em quantidade e qualidade.
Em relação à insegurança alimentar, os domicílios podem ser classificados em três níveis: leve, moderado e grave. Entenda:
Insegurança leve: um domicílio é classificado com insegurança leve quando aparece preocupação com acesso aos alimentos no futuro e a qualidade da alimentação já está comprometida. Nesse contexto, os moradores já assumem estratégias para manter uma quantidade mínima de alimentos disponíveis. Trocar um alimento por outro que esteja mais barato, por exemplo.
Insegurança moderada: os moradores já têm uma quantidade restrita de alimentos.
Insegurança grave: aparece quando os moradores passam por privação severa no consumo de alimentos, podendo chegar à fome.
À reportagem do Folha Vitória, Pablo Lira, diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), explicou que, de acordo com o Inquérito Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), o Espírito Santo é um dos estados com a menor insegurança alimentar.
"São 8,2% de domicílios em insegurança alimentar grave, valor abaixo da média nacional (15,5%). Em números absolutos, o Estado estava com 337 mil pessoas em situação de insegurança alimentar grave em 2022. Se considerarmos a insegurança alimentar moderada e grave, o Espírito Santo é o estado com o menor percentual (14,2%), valor abaixo da média nacional (30,7%)", disse.
Segundo Lira, o Estado vem conseguindo reduzir as taxas de pobreza e extrema pobreza, bem como de desemprego, com índice abaixo da média nacional, além de contar também com políticas públicas de assistência social como o Bolsa Capixaba, que complementa a renda das famílias inscritas no CadÚnico, junto com os programas do governo federal.
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"Por conta dessas ações, o ES se destaca como o Estado com a maior segurança alimentar. Por exemplo, no Amapá temos 32% dos domicílios em situação de insegurança alimentar grave; em Alagoas, 36,7% dos domicílios estão nesta situação. Tudo isso demonstra que o Espírito Santo vem conseguindo desenvolver políticas públicas e gerar emprego e renda, que são importantes para melhorar a qualidade de vida da população", concluiu.
No caso brasileiro, segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, a fome avançou em 2022 e atingiu 33,1 milhões de pessoas.
Os dados que fazem referência aos anos de 2017-2018 contabilizavam que havia 43,6 milhões de domicílios brasileiros que contavam com segurança alimentar, ou seja, acesso pleno e regular aos alimentos em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso de outras necessidades essenciais, ou seja, que não tinham preocupação em relação ao acesso aos alimentos.
Um caso real em Vila Velha
Ellen Cristina, de 28 anos, mora no Vale da Conquista, na região da Grande Terra Vermelha, em Vila Velha. Ela está desempregada e cuida dos quatro filhos, sendo que a bebê mais nova tem apenas um mês de idade. Os filhos mais velhos de Ellen têm 10, 5 e 2 anos.
Para garantir a alimentação dos filhos, ela conta com o companheiro e também com o apoio do Bolsa Família.
"Parei de trabalhar por conta das crianças, já que para pagar alguém para cuidar, como eu tenho quatro, não compensaria para mim. Então parei tudo para cuidar delas. Mas já trabalhei como caixa, operadora de telemarketing e várias coisas, tenho até o segundo ano do ensino médio", contou.
Na comunidade onde vive, não há água encanada. "Onde eu moro é uma invasão, que começou há 6 anos, tem muitos barracos, estrada de chão e poucas famílias ainda, não é um bairro consolidado, mas eu gosto de morar aqui, é tranquilo e calmo, consegui minha casa, graças a Deus", relatou ela.
Conheça instituições que ajudam a mudar a realidade
É importante ressaltar que mais de 300 mil famílias capixabas conseguem colocar apenas um pouco de comida em casa, isso com ajuda do terceiro setor, prioridade do Instituto Américo Buaiz (IAB).
O IAB adotou o tema "combate à fome" para o bimestre, durante o período de maio a junho, em parceria com duas organizações: a Central Única das Favelas (Cufa) e a Associação Cestas do Bem.
Associação Cestas do Bem
Neste viés, e embora o Espírito Santo esteja longe de figurar como um dos estados com maiores índices de insegurança alimentar, há instituições que se prestam a ajudar quem tem fome. Entre elas, está a Associação Cestas do Bem.
Segundo a presidente, Giselle Contúrbia, a ação teve início em abril de 2020 e o foco é o combate à fome.
"Atendemos a Grande Vitória e já atendemos cerca de 7 mil famílias até maio de 2023. Lidamos com comunidades bastante carentes, que enfrentam quadro de vulnerabilidade social e que sempre precisam de doações, inclusive neste momento temos campanha também para doações de agasalhos”, disse.
Como ajudar:
Chave Pix: CNPJ 42.234.200/0001-59
Picpay
Central Única das Favelas (Cufa-ES)
Já a Central Única das Favelas (Cufa-ES) também exerce papel fundamental no terceiro setor, ajudando famílias a combaterem a fome. Sobre o assunto, a reportagem conversou com o presidente estadual, Gabriel Costa Nadipeh.
Na visão apresentada por ele, no Espírito Santo a fome é uma realidade.
"E aqui estamos falando de uma das coisas mais básicas do ser humano, que deveria ser a alimentação. Uma família de favela muitas vezes não consegue garantir o alimento diário ou, quando consegue, muitas vezes não é em quantidade suficiente ou não se tem a qualidade de nutrientes necessários para suprir as necessidades do organismo, tornando essa pessoa suscetíveis a doenças", disse.
Outro agravante explicado por Gabriel é o fator psicológico. De acordo com ele, um "chefe de família" se vê muitas vezes impotente em relação à subsistência do próprio lar, sem conseguir garantir o que os juristas chamam de princípio da "dignidade da pessoa humana".
"Esses mesmos moradores de territórios vulneráveis ainda enfrentam a falta de infraestrutura, falta de saneamento básico, saúde inexistente, falta de escolas e o não alcance de políticas públicas, além do alto índice de desemprego e aumento do custo de vida, agravando ainda mais a situação", continuou.
Gabriel afirmou que no Brasil o quadro é assustador, sendo que o país voltou ao mapa da fome e mais de 33 milhões de cidadãos não têm o que comer.
"São pessoas entrando na fila para ganhar sobra de ossos de boi que seriam descartados, aumento de pessoas em situação de rua e outros 125 milhões de brasileiros enfrentando algum grau de insegurança alimentar. No Espírito Santo estamos falando de mais de 54% de capixabas nessa situação, em vários níveis, carecendo de todo tipo de ajuda", acrescentou.
Na Cufa são atendidas diversas familias, fazendo um pré-cadastro por meio das lideranças ou do contato das pessoas pelo site ou redes sociais.
"A partir daí entendemos aquela realidade, fazemos uma triagem de acordo com a necessidade e atendemos essas famílias a partir das doações recebidas e precisamos de fato de apoio e ajuda", comentou.
Como ajudar:
As pessoas podem entrar no site e se tornarem doadores recorrentes, sendo descontado um valor do cartão de crédito e podendo ser cancelado a qualquer momento. "Temos também os outros canais de doação como o Pix: [email protected] e o PicPay @centralunica.es", finalizou.
Cartões Vix + Cidadania são entregues na Capital
Um projeto recente da Prefeitura de Vitória beneficiou famílias apoiando na compra de alimentos. Entre elas, 408 famílias foram favorecidas na etapa mais recente, no último dia 13.
A entrega foi realizada no Tancredão, na Capital. O programa paga mensalmente R$ 112,88, por pessoa, para famílias cadastradas no CadÚnico. Com o cartão, do tipo vale-alimentação, é possível comprar alimentos, materiais de higiene e limpeza e gás de cozinha em estabelecimentos conveniados da capital, movimentando a economia local.
"É um projeto grandioso, que leva dignidade, cidadania e respeito às famílias. O Vix + Cidadania faz com que as pessoas possam escolher o que podem adquirir e vão colocar na geladeira e mesa", declarou o prefeito Lorenzo Pazolini, à ocasião da entrega.