Construindo o futuro: qual é o papel da escola na transformação social?
Com investimentos, escolas têm se transformado em agentes de mudança, possibilitando que todos, independentemente de onde vivam, tenham as mesmas oportunidades
“Ninguém é melhor do que ninguém e todos têm o direito de ser quem quiser”. A frase de Fernanda Ferreira Rosário, moradora de Vitória, reflete bem a importância de políticas públicas destinadas a erradicar a desigualdade territorial, criando um ambiente onde todos possam ter oportunidades e prosperar, independentemente de sua origem ou localização geográfica.
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Há mais de três décadas ela mora no bairro São Pedro e tem orgulho de pertencer à comunidade. Foi em uma escola municipal da região, a mesma em que estudou há alguns anos, que Fernanda escolheu matricular sua filha Manuelly, de 8 anos.
“Temos que dar valor à escola da nossa comunidade. Às vezes, por morar na periferia, tem essa coisa de que um é melhor do que o outro, mas não existe isso. Muita gente daqui tem boas profissões e todos nós somos capazes de chegar no lugar que quisermos. Ninguém é melhor do que ninguém”, diz ela.
Relembrando a época em que estudou na EMEF Neusa Nunes Gonçalves, Fernanda vê a evolução da educação, principalmente com a introdução da tecnologia. Hoje, por exemplo, os alunos aprendem Português e Matemática com jogos educativos, explorando o universo de números e letras de forma interativa e envolvente.
"Eu gosto quando a gente vem para a sala de informática porque aprendemos Matemática com os jogos. É a matéria que eu mais gosto. A gente soma, multiplica, diminui... É muito legal! Só não gosto muito de produção de texto", conta Manuelly.
Para garantir o ensino e o desenvolvimento por igual de alunos como a Manuelly, existe um trabalho constante. Em Vitória, a Secretaria de Educação implementou uma avaliação padronizada em toda a rede, permitindo medir e monitorar a aprendizagem de cada criança de forma mais precisa e inclusiva.
Segundo a secretária de Educação do município, Juliana Rohsner, a medida foi tomada após identificação de que a região continental, que inclui bairros nobres da Capital, apresentava melhores resultados de aprendizagem das crianças em comparação com escolas da periferia.
"Nós assumimos a gestão ainda no período da pandemia, então logo que as escolas foram reabertas, começamos um mapeamento. Vitória não tinha nenhuma prova que medisse a rede de todo o município. As provas eram individuais, cada escola fazia sua avaliação e tinha o resultado daquele estudante. Começamos então a perceber a desigualdade dos territórios. O nível de aprendizagem das crianças, a fluência leitora, além das atividades e competências de cada região, era diferente", conta a secretária.
Desafios e soluções em áreas de vulnerabilidade social
Paola Forechi, mestre em Educação, reforça que em áreas de vulnerabilidade social, os índices de desempenho educacional tendem a ser baixos porque os moradores dessas regiões enfrentam outras preocupações, deixando o estudo, muitas vezes, em segundo plano.
"Pessoas que moram nesses locais estão preocupadas com outras questões de sobrevivência, como a pobreza, o que ela vai comer, o que vai vestir, o saneamento básico, o desemprego. São questões que influenciam a criança e o adolescente em seu aprendizado. É uma criança que está com fome e vai para a escola com interesse em comer, por exemplo, e o aprendizado é em segundo e terceiro plano. Cuidando desses aspectos que diminuem a vulnerabilidade social desses indivíduos, você contribui para que eles tenham um olhar voltado para a aprendizagem", explica Paola.
Para a doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Cleonara Maria Schwartz, a educação em tempo integral, por exemplo, também pode ajudar na redução das desigualdades educacionais, pois mantém os estudantes por mais tempo na escola, oferecendo acesso a recursos pedagógicos e tecnológicos que muitos não têm em casa.
"A educação em tempo integral é uma porta para se promover a equidade. Ela ajuda nas desigualdades, pois é uma escola inclusiva, ou seja, garante que todos os estudantes tenham seus direitos. Seus limites e suas capacidades são tratados de uma forma igualitária, e isso com certeza vai trazer benefícios e vai reduzir essas desigualdades. Ela permite também que se promova estratégias mais individualizadas, que vão contribuir exatamente para incidir na melhoria da aprendizagem de estudantes que estão mostrando dificuldades em alguns conteúdos", destaca a professora.
Nível de desempenho cresceu em todas as regiões
A partir da avaliação, os professores, pedagogos e diretores das escolas, passam a ter acesso a uma base de dados e conseguem tratar cada aluno de forma individual. Com isso, segundo a secretária, a criança deixa de ser uma estatística e torna-se uma identidade.
"A gente sabe que é tal criança, de determinada idade, qual o contexto familiar e qual a política pública que a gente pode fazer para complementar nessa escola, para ela tenha condição de aprender. Hoje trabalhamos nessa perspectiva, que é de monitoramento, acompanhamento, formação dos professores em horário de trabalho e uma lógica de assessoria muito próxima, para que cada pessoa seja vista", explica.
Com esses acompanhamentos e investimentos na educação, em três anos, o nível de desempenho dos alunos de Vitória cresceu consideravelmente em todas as escolas, inclusive aquelas localizadas em áreas de risco.
Os mapas divulgado pela Secretaria de Educação mostram como o cenário mudou de 2022 para 2023. Veja abaixo!
"Vitória é uma das cidades que mais avançou nessa redução de desigualdade. Nos últimos três anos, a gente observa um crescimento muito grande. Quando observamos o mapa, o que nos surpreende é o quanto afetamos essas escolas em territórios antes ditos como periféricos. Nós acreditamos que a escola é o único caminho da transformação, que quebra o ciclo de pobreza, de miséria, de violência, de evasão. Ver o mapa ficando todo verde, enche o nosso coração de orgulho, porque realmente mostra essa redução da não aprendizagem em determinados territórios", afirma a secretária.
A EMEF Neusa Nunes Gonçalves, onde Manuelly estuda, registrou um crescimento de 181 pontos na avaliação de leitura, em uma escala que varia de 0 a mil. Assim como ela, que sabe ler e escrever, a Isabella, também de 8 anos, já é alfabetizada e consegue fazer até as atividades de casa sozinha.
"Ela se desenvolveu muito bem a partir do ano passado. Hoje ela lê, escreve, resolve os exercícios sozinha. Eu vejo os outros alunos e as outras mães também que falam muito bem da escola. Estudei aqui há alguns anos e vejo muita coisa diferente. Eu comecei a acompanhar ela na escola desde a creche, as notas dela são muito boas, a professora dela só tem elogios. Vejo que ela tem a mesma evolução de crianças de outra escola", conta Célia Silva, tia de Isabella.
A secretária de Educação de Vitória destacou a importância dos avanços na alfabetização infantil, ressaltando que mais do que um indicador, esses resultados refletem que as crianças estão aprendendo a ler até os 7 anos de idade, seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
"Nós acreditamos na alfabetização no primeiro ano do ensino fundamental, então a gente acredita que a criança chega ainda com aquela sede de saber e a escola precisa cuidar desse ambiente alfabetizador, de maneira lúdica e divertida, mas complementando o que ela não encontra em outro lugar. É na escola que ela vem para aprender essa questão da leitura, da interpretação, e é aqui que a gente tem trabalhado", diz ela.
Vitória está à frente da média nacional na avaliação de leitura
O resultado mais recente do Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (Paebes), que avalia o nível de apropriação e consolidação das habilidades desenvolvidas pelos alunos ao final de cada ciclo escolar (2º, 5º e 9º ano), mostra que os estudantes do 2º ano do ensino fundamental em Vitória estão mais fluentes na leitura.
Em relação a 2022, a cidade registrou um aumento de 72 pontos nesse quesito. Além disso, 75% dos estudantes estão nos padrões proficiente e avançado em leitura, sendo que, em 2022, esse percentual foi de 51%.
Esses resultados colocam a Capital à frente da média nacional. De acordo com dados da Unicef, ainda há 56,4% das crianças no Brasil que não possuem habilidades adequadas de leitura e escrita.
"Estamos em primeiro lugar em leitura, Português e Matemática. Nós temos escolas em que todas as crianças estão lendo no segundo ano. A cada ano é uma etapa e quando a gente fala de garantir a alfabetização até os 7 anos, estamos falando da redução de uma desigualdade da vida, de reduzir evasão escolar, de concluir o ensino fundamental, dar uma garantia e uma condição para que essa criança seja protagonista de sua história e consiga ocupar todos os espaços com uma escolarização adequada", destaca a secretária de Educação.
A importância das avaliações
A psicopedagoga Tatiely Salles destaca a influência da vulnerabilidade social sobre crianças e adolescentes, apontando que essa condição, muitas vezes, resulta em uma falta de interesse pelo ambiente educacional, o que pode, por sua vez, aumentar a probabilidade de evasão escolar.
Segundo ela, as avaliações são importantes para identificar as dificuldades dos alunos e, a partir dos resultados obtidos, elaborar ações direcionadas às necessidades específicas de cada turma, garantindo uma abordagem individualizada para nivelar e superar as dificuldades, proporcionando condições igualitárias de aprendizagem.
"A gente utiliza essas avaliações pra compreender o contexto dessas crianças e elaborar as ações para que a gente consiga, cada vez mais, sanar essa dificuldade para que todos tenham condições iguais a outras escolas, a outras regiões. A escola não anda sozinha e a família também não, então precisamos entender esses papéis e qual a função de cada um. Então, a escola trabalha efetivamente com ações para que tenham bons resultados, mas a família também tem um papel importante nesse processo de saber o que está acontecendo, o que está sendo feito e trabalhando em casa. A rotina é fundamental", concluiu.
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