ESPECIAL EDUCAÇÃO

De volta à escola, jovens e idosos querem realizar sonhos por meio da educação

A Educação de Jovens e Adultos assegura os direitos educacionais de pessoas com 15 anos ou mais, que não tiveram a chance de concluir a educação básica

Thaiz Blunck

Redação Folha Vitória
Foto: TV Vitória
Aos 64 anos, Nadir decidiu voltar a estudar e já faz planos para o futuro

Nadir Leite Cabral ainda era criança quando precisou abandonar os estudos para começar a trabalhar. Natural de Bom Jesus da Lapa, no interior da Bahia, ela recorda que não tinha nem 10 anos de idade quando sua mãe tomou a decisão de tirá-la da escola para que pudesse trabalhar e ajudar a sustentar a casa Hoje, aos 64 anos, ela está de volta à sala de aula para recuperar o tempo perdido e realizar sonhos.

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Mãe de quatro filhos, Nadir só teve a oportunidade de voltar a estudar depois que todos já estavam criados e seguiram suas vidas. O primeiro passo foi dado em Brasília, onde morou por 13 anos, mas, diante de alguns obstáculos, não conseguiu concluir. 

Ao se mudar para o Espírito Santo, decidiu tentar mais uma vez e continua firme em busca do objetivo de concluir os estudos. 

"Eu morava em Bom Jesus da Lapa, uma cidade muito pequena, então minha mãe tirava a gente da escola para trabalhar. Com 10 anos de idade, eu já estava na roça trabalhando, nem me lembro até quando estudei. Eu tentei estudar em Brasília, mas a escola lá era longe, então parei. Quando vim para cá, trouxe a transferência e me matriculei aqui", contou ela.
Foto: TV Vitória
Nadir é aluna da EMEF Suzete Cuendet, localizada em Maruípe, Vitória

Matriculada no 7º e 8º ano, Nadir faz parte dos 1.297 alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Vitória. A modalidade de ensino assegura os direitos educacionais de pessoas com 15 anos ou mais, como é o caso dela, que não tiveram a chance de concluir a educação básica. 

Ao todo, 13 escolas do município oferecem essa modalidade, que tem como diferencial o horário reduzido, com aulas de segunda a quinta-feira. 

"Chega uma idade em que precisamos fazer algo para ocupar a mente. Aqui, eu me sinto jovem igual aos outros, e tudo mudou na minha cabeça. Quero aprender muito mais! Não sou ruim muito boa em Matemática, mas quero montar um restaurante aqui em Vitória, então preciso aprender a fazer contas", revelou Nadir. 

Na Capital, a EJA corresponde ao ensino fundamental, do 1º ao 9º ano, e se divide em dois segmentos: o primeiro abrange do 1º ao 5º ano em três anos; o segundo, do 6º ao 9º ano, também em três anos. É importante destacar que uma pessoa pode terminar os estudos de um a três anos, a depender do seu desempenho em sala de aula. 

Para a secretária de Educação de Vitória, Juliana Rohsner, a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade extremamente importante, pois, além de acolher uma parte da sociedade que não teve acesso à escola em uma idade regular, também acolhe aqueles estudantes que, por diversos motivos, abandonaram a escola. 

"É muito comum que esses estudantes, na juventude, procurem a escola quando o mercado de trabalho cobra, então ele retorna. O EJA é um lugar de potencia, de acolhimento e de recomeço. A partir de 15 anos, qualquer um pode se matricular na EJA de Vitória que trata do ensino fundamental. No nosso caso, se for fazer uma referência com o ensino regular, seria do 1º ao 9º, fundamental I e fundamental II", destaca Juliana. 
Foto: TV Vitória
Secretária de Educação de Vitória

A secretária enfatiza ainda a diferença da faixa etária dos alunos de acordo com cada segmento. Na alfabetização, nas séries do primeiro segmento (1º ao 5º ano), o público é mais idoso. 

O segundo segmento (6º ao 9º), conta com mais jovens, representados por pessoas que querem ingressar no mercado de trabalho ou precisaram abandonar os estudos para cuidar da família e decidiram voltar. 

"No primeiro segmento temos o público mais idoso que veio por sonhos, como uma senhora que ficou viúva e sempre quis estudar, mas por questões familiares não conseguiu, ou alguém que quer ler a Bíblia, por exemplo. Além do conhecimento, a escola também se torna um centro social, uma maneira dessa pessoa interagir, conversar e diluir seus problemas. No segundo segmento, a gente tem um público mais jovem que vem por conta do mercado de trabalho. São pessoas que tiveram que cuidar da sua família e agora retornam para a escola", explica a secretária. 

Estudar para garantir o futuro x trabalhar para sustentar família

A realidade de Nadir, que precisou sair da escola para trabalhar, é a mesma de muitos jovens brasileiros. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) sobre Educação, em 2023, 41,7% dos estudantes entre 14 e 29 anos que abandonaram os estudos indicaram a necessidade de trabalhar como a principal motivação.

O sociólogo Carlos Lopes destaca como a desigualdade social no Brasil afeta diretamente a educação, principalmente em casos de crianças e adolescentes que precisam deixar a escola para ajudar a família e garantir o básico, como comida e moradia.

"Na educação, a gente percebe claramente as consequências dessa desigualdade, quando jovens, crianças e adolescentes precisam abandonar a escola para buscar uma renda para sua própria sobrevivência, para atender suas necessidades básicas ou para complementar a renda familiar. Sabemos que muitas famílias são monoparentais e, às vezes, esse adolescente precisa chegar junto para ajudar a mãe no sustento de si e de seus irmãos", explica Carlos. 

Obede Maria Nuvunga, de 29 anos, não é brasileiro, mas também faz parte dessa estatística. Natural de Moçambique, na África, ele vive no Brasil há três anos e precisou fazer uma escolha ao se deparar com dificuldades em seu país de origem. Entre estudar e e trabalhar para ajudar em casa, ele não pensou duas vezes e foi atrás de um emprego.

Foto: TV Vitória
Obede é natural de Moçambique, na África, e está no Brasil há 3 anos
"Vim ao Brasil através da igreja, pois sou missionário. Cheguei aqui e voltei a estudar porque lá não tinha terminado meus estudos. Eu sei que quanto mais se tem estudos, mais oportunidades se tem a alcançar, a ter uma vida melhor. Devido às dificuldades, eu tive que escolher a escola ou cuidar da família, porque sem alimentação não tem como sobreviver, então tive que ir atrás de trabalhar", conta.

No Espírito Santo, Obede encontrou na Educação de Jovens e Adultos a oportunidade para recomeçar e alcançar novos voos. Chance que, segundo ele, não teria novamente se estivesse em Moçambique. Agora, quase concluindo o ensino fundamental, ele já faz planos para o futuro. 

Foto: TV Vitória
O africano já faz planos para o futuro
Lá (Moçambique) não existe EJA, então muita gente não estuda e não consegue recuperar depois. É o meu segundo ano aqui. Eu estou terminando os estudos para entrar no Ifes e fazer um curso técnico em Segurança do Trabalho", diz Obede. 



Em uma realidade em que a maioria dos estudantes precisa conciliar estudo e trabalho, a Secretária de Educação de Vitória implementou uma mudança na logística da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para enfrentar o desafio da evasão escolar.

Ao mapear o problema, foi identificado que muitos adultos desistiam de frequentar a escola após um dia cansativo de trabalho, pois chegavam em casa, precisavam se alimentar e depois ir para a aula, o que acabava desmotivando-os. Para resolver isso, o horário da alimentação nas escolas foi alterado. 

"Nós alteramos o horário da alimentação, que agora é feita na entrada, o que permite que eles venham direto do trabalho. Tiramos a parte de lanche porque percebemos a necessidade de um alimento mais robusto, então eles chegam, têm esse momento da janta, ficam em um momento de confraternização também e, depois, podem ir pra sala de aula", explicou a secretária. 

Portas abertas para o mercado de trabalho

Além do compromisso com a educação formal, a Educação para Jovens e Adultos também oferece cursos profissionalizantes que abrem portas para o mercado de trabalho. 

A secretária de Educação destaca o compromisso em oferecer um ensino que vai além do tradicional, proporcionando oportunidades de requalificação para quem busca um novo começo.

"O Plano Nacional de Educação estabelece uma meta de que 25% das matrículas deveriam ser profissionalizantes na EJA. Hoje também percebemos pessoas que tiveram acesso à escola, mas acabaram evadindo por necessidades diversas e hoje buscam a escola para uma requalificação profissional. Em Vitória, além dessa meta, a gente conseguiu bater 28% nesse ensino profissionalizante", afirma a secretária.  
Foto: TV Vitória
EJA oferece ensino que vai além do tradicional

A secretária destaca que o foco não está apenas na obtenção de um certificado, mas sim na promoção de um aprendizado contínuo. A ideia, segundo ela, é proporcionar uma introdução a diversos saberes que permitam aos estudantes expandir seus horizontes e habilidades ao longo da vida.

"Aqui, a gente oferta hoje, dentro do segundo segmento, o operador de informática. Já tivemos também hotelaria, segurança do trabalho, atendimento. É uma diversidade de cursos que vai mudando conforme os semestres. Para ter essa qualificação, o aluno tem que estar matriculado na EJA e vai completar a carga horária com esse curso. Hoje nós ofertamos o profissionalizante em seis unidades de ensino e o estudante tem acesso ao que está sendo ofertado. Caso queira outro curso, também pode migrar para outra região da cidade", explica Juliana. 

Para o sociólogo, o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) é uma política pública fundamental, que  proporciona uma segunda chance para aqueles que não puderam completar seus estudos na idade regular, permitindo-lhes o acesso à educação necessária para realizar seus sonhos, seja ele qual for. 

"Temos visto várias pessoas com idade avançada que, graças ao EJA, conseguem entrar em uma universidade pública ou privada, concluir um curso, mudar suas vidas, sua trajetória familiar e quebrar um ciclo de negação de direitos. As políticas educacionais de aceleração de aprendizado cumprem um papel importante e são extremamente necessárias em uma sociedade fortemente marcada por um processo histórico de desigualdade e exclusão social, afirma ele. 

Currículo próprio e plano de ensino diferenciado

A pedagoga e mestre em tecnologias educacionais, Alessandra Poleze, já atuou como professora em turmas de alfabetização da Educação de Jovens e Adultos (EJA).  Atualmente, ela é pedagoga da modalidade para turmas do ensino médio e explica que além de um currículo próprio, a EJA também conta com um plano de estratégia e ensino diferenciado. 

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
"O currículo da EJA pensa no aluno, em como o aluno vai aprender aquela habilidade e aquele conteúdo, tendo em vista as experiências que ele já traz de uma trajetória acadêmica de escolarização e também de vivências de mundo. Então ele considera toda uma trajetória de vivência e experiência desse aluno no contexto social, no contexto de estudo que ele já passou, para dar continuidade à isso", explica. 

Se comparado à educação básica regular, segundo ela, o currículo é um pouco mais reduzido, com foco nos objetivos do aluno, que é o reingresso nos estudos,  conseguir concluir essa etapa da escolarização e avançar para outras instâncias, como acesso ao ensino superior e profissionalização.

Alessandra destaca ainda os desafios da Educação de Jovens e Adultos (EJA), tanto para os educandos quanto para os educadores. Ela afirma que é fundamental que os educadores ajudem os estudantes a manterem-se firmes, dando apoio nas dificuldades de aprendizagem e mostrando que é possível equilibrar trabalho, família e escola. 

"Muitos desses alunos interromperam seus estudos em algum momento para cuidar da família, trabalhar precocemente e garantir sua sobrevivência. Quando percebem que a educação pode ser um caminho para melhorar suas condições de vida, retornam à escola. No entanto, a conciliação das responsabilidades familiares, profissionais e acadêmicas frequentemente os afasta novamente dos estudos", afirma a pedagoga.

EJA como ferramenta para ressocialização de detentos

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) também é ofertada pela Secretaria da Justiça (Sejus) e Secretaria da Educação (Sedu) em 33 das 37 penitenciárias do Espírito Santo. Ao todo, são cerca de 3.600 vagas são destinadas à população carcerária, divididas em 219 turmas:  135 do ensino fundamental e 84 do ensino médio.

Foto: Sejus

A subgerente de Educação nas prisões da Secretaria da Justiça (Sejus), Silvia Moreira, explica que grande parte da população privada de liberdade abandonou os estudos por envolvimento com o crime. Para ela, a oferta educacional nas penitenciárias vai muito além da elevação da escolaridade. 

"O que se propõe é uma educação reflexiva que permita que as pessoas presas se vejam como sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, construindo conhecimentos e habilidades que irão ampliar suas possibilidades de reintegração social e inserção no mundo do trabalho. Atualmente existe oferta educacional em 33 das 37 unidades prisionais do Espírito Santo. Estamos trabalhando para implantarmos a educação básica em mais duas unidades prisionais até 2025", destaca Sílvia. 

Segundo a subgerente, embora o Espírito Santo seja referência nacional na oferta da EJA nas unidades prisionais, o quantitativo de vagas na modalidade ainda não supre a demanda, fazendo-se necessária uma seleção para inclusão de internos na escola.

Foto: arquivo pessoal
Subgerente de Educação nas prisões
"A demanda para educação básica no sistema prisional capixaba é de aproximadamente 18 mil pessoas e, atualmente, temos 3.600 vagas em turmas. A seleção é realizada pelas equipes técnica e de segurança da unidade prisional mediante surgimento de vagas. A equipe psicossocial realiza a triagem, verifica se a eles possuem a documentação necessária e, posteriormente, realizam o atendimento para verificação do interesse na inserção escolar. Os selecionados são submetidos a uma análise da equipe de segurança para sondagem de seu comportamento e disciplina para posterior inclusão escolar", explica. 

Em todo o sistema prisional, segundo a Sejus, 59 internos cursam o ensino superior atualmente. Quatro deles são do Centro de Detenção e Ressocialização de Linhares (CDRL), que estão matriculados no ensino superior a distância. 

Os alunos concluíram o ensino médio dentro do sistema prisional e obtiveram notas acima da média no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) 2023, que oportunizou bolsas de 50% e 100% pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni).

Na Penitenciária de Segurança Média de Colatina (PSMECOL), 40 detentos também estão na sala de aula para formação superior na modalidade EAD.

"Entendemos que a reintegração social é um dos maiores desafios do processo de privação de liberdade, pois é necessário dar condição à pessoa presa de acesso à educação básica, profissional e ao trabalho enquanto presos para que quando em liberdade eles tenham condições de voltar à sociedade se reconhecendo como sujeito capaz de reconstruir sua vida longe da criminalidade", conclui a subgerente. 

Como se matricular na Educação de Jovens e Adultos

Para garantir uma vaga nas escolas municipais, é necessário ter, no mínimo, 15 anos completos. O interessado deve ir até a secretaria da escola de interesse para obter mais informações. Veja a lista abaixo!


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