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‘Quem cuida também precisa de cuidado’: relato de uma psicóloga que atua na linha de frente do combate à covid-19 no ES

Atualmente, o Espírito Santo registra 36.147 casos confirmados e 1.387 mortes por coronavírus , de acordo com dados divulgados pela Sesa nesta segunda-feira (22)

Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal
A psicóloga Ingrid Meneghetti tem usado as redes sociais para falar sobre os efeitos do coronavírus

Mais 50 mil mortes e 1 milhão de pessoas que testaram positivo. Os números são referentes aos casos do novo coronavírus no Brasil, que desde a primeira confirmação, não param de crescer. Diante da pandemia, a recomendação é que a população fique em casa para se proteger e evitar a disseminação do vírus, que circula entre nós há meses e nos enche medo e incertezas. Por outro lado, profissionais da saúde driblam o receio e encaram frente a frente um monstro invisível que faz milhares de vítimas todos os dias.

Eles são chamados de super-heróis, mas diferente daqueles que conhecemos dos famosos quadrinhos, não possuem superpoderes e, infelizmente, nem sempre conseguem vencer o mal. Mesmo assim, todos os dias eles vestem suas armaduras – neste caso, jalecos, luvas e equipamentos de proteção individual – e dão início a mais uma batalha com a missão de salvar vidas.

Na linha de frente do combate ao coronavírus no Espírito Santo, que registra 36.147 casos confirmados e 1.387 mortes, de acordo com dados divulgados pela Secretaria de Estado da Saúde nesta segunda-feira (22), a psicóloga hospitalar da Rede Meridional, Ingrid Meneghetti, de 27 anos, relata o que mudou em sua rotina desde o início da pandemia. Mesmo com o medo de levar o vírus para casa, ela decidiu se colocar à disposição para ajudar quem precisa.

Foto: Divulgação

“O psicólogo hospitalar faz parte da equipe assistencial ao paciente e por se encontrar nesse lugar é o meu dever atuar no processo de recuperação do paciente e promover o bem-estar. No início eu tive medo de me contaminar e trazer a contaminação para dentro da minha casa, visto que convivo com familiares do grupo de risco, mas, ao mesmo tempo, eu sentia desejo em fazer parte da linha de frente, de passar por essa dificuldade e poder ajudar quem, naquele momento, estava mais precisando do meu trabalho. Meus pais, que residem na mesma casa que eu, ficaram apreensivos, mas lembro da minha mãe perguntando: e você, como está com isso? Eu, como ser humano, estava com medo, mas vi como mais um desafio a ser enfrentado e uma experiência de vida única. Meu namorado e meus amigos ficaram preocupados comigo, mas em todo o momento me deram apoio e gratidão pela importância do trabalho”, contou.

Formada em psicologia e pós-graduanda em Terapia Cognitiva Comportamental, ela atuava no atendimento de pacientes e também familiares, prestando suporte psicológico durante o período de internação. Agora, diante da pandemia, os cuidados foram redobrados e ela deu início, então, ao trabalho de visita virtual.

“Nas UTI’s de referência para casos confirmados ou suspeitos da covid-19, os pacientes não podem receber visita de familiares devido ao risco de exposição ao vírus. Com isso, eu e a equipe de saúde do Meridional Cariacica percebemos que o paciente lúcido, isolado da família e sem contato com o meio externo demonstrava agravamento dos sintomas de ansiedade, depressão e diminuição com a colaboração ao tratamento, e como forma de amenizar o sofrimento e as angústias, demos início a rotina de visitas virtuais. Uma vez ao dia, por no máximo 10 minutos, eu levo o tablet para os pacientes se comunicarem com alguns familiares por meio da videochamada no aplicativo WhatsApp. Eu rodo os leitos de todos os pacientes lúcidos, que estão acordados e conseguindo interagir minimamente, seja por voz ou gestos. Geralmente, eles costumam ficar emotivos e choram, e nesse momento estou ali para acolher seu sofrimento e alimentar a esperança de que isso vai passar”, conta. 

Um dos pacientes que recebeu a visita virtual foi o Almir Malta Natali. Ele e a esposa, Eliane Rangel Natali, estão casados há 41 anos e puderam matar um pouco da saudade no Dia dos Namorados, comemorado em 12 de junho. 

’Quem cuida também precisa de cuidado’

Em um cenário completamente inimaginável, o medo, a ansiedade a angústia de saber pouco sobre o futuro, se fazem presentes na vida de muitos. E para quem convive diariamente com a covid-19, cuidar da saúde mental é fundamental para viver bem e continuar tendo forças para seguir no combate. A psicóloga conta que uma de suas estratégias é se desligar dos problemas assim que chega em casa. 

“Quando termino meu expediente e chego em casa busco me desligar minimamente dos problemas que vivenciei no dia e para isso me distraio realizando atividades prazerosas, assistindo séries, lendo livros, e também mantenho contato com pessoas importantes para mim através das redes sociais, seja por mensagens ou videochamada. Busco falar sobre o que tenho vivido até como uma estratégia de assimilar e elaborar o que estou sentindo, porque quem cuida também precisa ser cuidado. Outra atividade que me traz tranquilidade em meio ao caos é praticar a maquiagem, é o momento em que conecto comigo mesma e cuido da minha autoestima”, relata Ingrid. 

Conscientização nas redes sociais

A psicóloga encontrou, nas redes sociais, um espaço para falar sobre a realidade dos hospitais durante a pandemia e, desta forma, tentar conscientizar a população sobre o quão devastador é o vírus. 

“No término do segundo dia, fazendo as visitas virtuais, eu estava sentindo um misto de emoções e senti vontade de compartilhar aquela vivência com outras pessoas, principalmente para mostrar que a atuação do psicólogo com a saúde mental também é um fator importante no tratamento da covid-19. E a cada vez que eu vivenciava uma situação emocionante, seja agradável ou desagradável, parava para tentar transformar em palavras meus pensamentos e sentimentos, mas dessa vez com a intenção de conscientizar a população sobre a realidade dentro dos hospitais.”

“Para as pessoas que não temem ou não acreditam na doença, eu digo que gostaria muito que a pandemia não existisse, mas infelizmente, apesar de invisível, ela está em todos os lugares e pode entrar na nossa casa quando menos esperarmos. Por isso, é importante continuarmos com os cuidados básicos de prevenção. Estamos falando de vidas humanas que têm sido interrompidas por um vírus. Aqui deixo um pedaço do texto que escrevi. “Não deixe para depois aquilo que você pode fazer agora. Ame, peça desculpas e também desculpe, porque, no final, o que importa é o que você viveu e com quem viveu. Valorize a sua vida, a vida daqueles que ama, não queira sentir na pele essa dor se você pode tentar evitá-la. Acredite, isso pode acontecer. A luta no combate à covid não se dá num leito de UTI, mas em sociedade.”