Compra de álcool gel: governo do ES pagou R$ 6,3 milhões a empresa investigada pela PF
O valor foi utilizado para adquirir 400 mil frascos de 500 ml do produto. Outras duas empresas haviam oferecidos valores menores
O governo do Estado pagou pouco mais de R$ 6,3 milhões a uma empresa investigada pela Polícia Federal por suspeita de fraude e superfaturamento em um contrato com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) para a aquisição de álcool gel 70%. O valor foi utilizado para adquirir 400 mil frascos de 500 ml do produto.
A ordem de fornecimento foi assinada no dia 1º de abril do ano passado e previa a entrega do produto em duas remessas, de 200 mil frascos cada, a serem enviadas nos dias 10 e 16 de abril do mesmo ano. Para cada remessa, seria pago quase R$ 3,2 milhões.
O primeiro valor ofertado pela empresa foi de R$ 16,80 por frasco de álcool gel, ou seja, R$ 33,60 por litro, conforme proposta enviada por e-mail, no dia 25 de março de 2020. Mais tarde, foi acordada uma redução do valor, para R$ 31,80.
O preço, no entanto, não foi o mais baixo encaminhado pelos fornecedores contactados pelo governo estadual. Duas empresas fizeram ofertas mais baixas, de R$ 17,00 e R$ 25,80, pelo mesmo produto.
Na época, a gerência de compras do Estado justificou que a empresa que ofereceu o menor valor não era capaz de atender a demanda inicial do governo. Já a outra teria mudado as condições da proposta inicial ofertada, exigindo pagamento antes do envio dos produtos.
Entretanto, a empresa que acabou vencendo a concorrência teria vendido o mesmo produto a R$ 21,36 por litro para a prefeitura do município de São José de Ubá, no Rio de Janeiro, ou seja, 48,87% a menos do que o oferecido ao governo capixaba. O contrato com o município do interior fluminense foi para o fornecimento 200 frascos de 5 litros, um volume menor do que o solicitado pelo Executivo estadual.
Capacidade técnica
Ainda durante o processo de compra dos frascos de álcool em gel, um atestado de capacidade técnica foi apresentado ao governo do Estado pela empresa. No entanto, o atestado foi fornecido por uma empresa que tem como sócio-administrador o mesmo proprietário da fornecedora dos produtos.
Além disso, ao se consultar o CNPJ da empresa fornecedora de álcool em gel na Receita Federal, é possível verificar que sua atividade econômica principal é montagem e instalação de sistemas e equipamentos de iluminação e sinalização em vias públicas, portos e aeroportos. Entre diversas outras atividades secundárias consta a de comércio atacadista de produtos de higiene, limpeza e conservação domiciliar.
Ao governo do Estado a empresa contratada apresentou documentos, onde nele constam o nome de uma outra pessoa como sendo proprietária da companhia. Entretanto, o documento da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro onde consta a alteração da titularidade da empresa é do dia 29 de janeiro do ano passado, ou seja, depois da expedição do atestado de capacidade técnica anexado ao processo, datado do dia 1º de novembro de 2019.
As informações sobre o contrato assinado entre o governo do Estado e a empresa fornecedora de álcool gel constam em um documento encaminhado ao Ministério Público de Contas pelos deputados integrantes da Frente Parlamentar de Acompanhamento e Fiscalização na Execução de Despesas para o Combate à Pandemia da Covid-19, da Assembleia Legislativa.
A reportagem do jornal online Folha Vitória tentou contato com a empresa fornecedora de álcool gel, no e-mail e telefone informados em documentos emitidos pela empresa. No entanto, as ligações não foram atendidas e o e-mail ainda não foi respondido.
O outro lado
Durante pronunciamento na tarde desta segunda-feira (7), o secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes, citou as investigações da Polícia Federal sobre o suposto superfaturamento em compra de álcool gel no Espírito Santo. Nésio destacou que a secretaria adotou todas as medidas e procedimentos administrativos amparados pela legislação, e que a Sesa está à disposição dos órgãos de controle e da PF para colaborar.
"Acreditamos que as investigações devem acontecer e buscar todo e qualquer indício de corrupção ou de fraude no uso dos recursos públicos. Os recursos públicos são sagrados e precisam ser transformados em direitos para a população. A Sesa não foi objeto de notificação nem de busca por parte da Polícia Federal. Vamos seguir contribuindo", disse.
Além disso, a Sesa divulgou uma nota sobre as investigações. Confira a nota na íntegra:
A Secretaria da Saúde (Sesa) informa que seus procedimentos de compras observam regularmente a legislação e adotam a máxima transparência e colaboração com os órgãos de controle.
Os controles internos da Secretaria foram reforçados no período de enfrentamento à pandemia, justamente para diminuir riscos às aquisições, dentre eles o uso de sistema eletrônico de tramitação de processos, o que garante integridade.
Importante frisar que a Sesa colabora com as instâncias de controle, estadual e federal, encaminhando regularmente documentos e informações ao Tribunal de Contas e Controladoria, tendo o TCU verificado aquisições e não detectado indícios de sobrepreço.
A Sesa, até o presente momento, não foi notificada da operação, tampouco foi alvo de buscas, e seguirá colaborando com todas as investigações de todos os órgãos de controle, dentre eles a Polícia Federal.
A Secretaria de Controle e Transparência (Secont) também enviou nota a respeito da operação da Polícia Federal.
A Secretaria de Controle e Transparência (Secont) informa que se encontra em fase conclusiva investigação preliminar para apurar a conduta das empresas quanto à regularidade da apresentação dos atestados de capacidade técnica, com base na Lei Anticorrupção Empresarial. A exemplo da apuração realizada pelo Tribunal de Contas da União por meio do processo TC 033.596/2020-4, não houve, até o momento, identificação de sobrepreço.
Todos os contratos estão disponíveis em www.coronavirus.es.gov.br, o que facilita inclusive a atuação dos órgãos de controle externo e permitiu ao Espírito Santo obter a primeira colocação em transparência nas três avaliações nacionais.
Operação
A Polícia Federal deflagrou, na manhã desta segunda-feira (7), uma operação para investigar uma organização criminosa que teria fornecido álcool gel para a Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo, em contratação com indícios de fraude e superfaturamento envolvendo o uso de verba federal destinada ao combate à covid-19.
Foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão, expedidos pela 2ª Vara Federal Criminal de Vitória, em residências e empresas nos municípios de Vitória e Vila Velha, no Espírito Santo, além de Macaé e São Fidelis, no Rio de Janeiro, que resultaram na apreensão de documentos e equipamentos de mídia em geral.
A Operação Volátil, como foi denominada, teve início com o recebimento de relatórios da Controladoria-Geral da União no Espírito Santo e do Tribunal de Contas do Estado, instituições conveniadas do Focco/ES, apontando irregularidades na aquisição de álcool em gel pela Sesa, em processo de compra com dispensa de licitação ocorrido nos meses de março e abril de 2020.
Ao todo, 28 policiais federais participaram da ação, que teve o apoio da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, órgãos integrantes do Fórum de Combate à Corrupção (Focco/ES).
Além disso, a operação está sendo deflagrada em paralelo com outra fase da Operação Chorume pela Polícia Civil do Rio de Janeiro e pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com o cumprimento de mandados de prisão e busca e apreensão expedidos pela 1ª Vara Criminal Especializada do Rio de Janeiro em face de integrantes do mesmo grupo criminoso, por fraude à licitação, desvio de recursos públicos e peculato em contratos firmados no Estado do Rio de Janeiro.
Entenda o caso
As auditorias realizadas pelos órgãos de controle e as investigações conduzidas pela PF indicam que a empresa que forneceu o álcool para a Secretaria de Estado da Saúde foi criada com a finalidade de participar do certame, sem qualquer histórico de atuação no fornecimento desse tipo de material. Há ainda indícios do uso de documento falso para comprovar a capacidade técnica de fornecimento do álcool em gel contratado, bem como indicativo de superfaturamento no valor do bem.
Durante as investigações foi possível constatar que os empresários envolvidos movimentaram os recursos recebidos com a venda do álcool para o Governo do Espírito Santo para outras empresas do grupo, parentes e empresas em nome de terceiros, em operações financeiras típicas da prática de lavagem de dinheiro.
Ainda durante as investigações da Operação Volátil, em 25 de março, a Polícia Civil e o GAECO do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro deflagraram a primeira fase da Operação Chorume, e face à coincidência dos integrantes do grupo criminoso também investigado no Espírito Santo, as instituições passaram a compartilhar informações acerca da organização criminosa investigada, culminando na deflagração conjunta das operações policiais na data de hoje.