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Dia da Mulher Negra: o poder das tranças na autoestima e resistência

Conheça as histórias de duas mulheres que descobriram na estética afro, uma arma capaz de promover a autoafirmação da sua negritude

Matheus Moraes

Redação Folha Vitória
Foto: Divulgação

Além da estética, os cabelos altos e soltos, as estampas multicoloridas e as roupas com recortes pouco convencionais presentes na cultura africana também são formas de autoafirmação para a beleza das mulheres negras. 

Beleza essa que durante séculos foi marginalizada, maquiada e atacada pela branquitude não só no Brasil, mas no mundo inteiro, como mostram os dados de racismo.

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Nesta terça-feira (25) é celebrado o Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha. A data foi instituída pela Lei Nº 12.987/2014 em 2014, e é também é o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola que viveu no atual Estado de Mato Grosso durante o século XVIII.

Considerando a importância desses adereços como uma arma para o fortalecimento afrodescendente e o Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha, o Folha Vitória vai contar histórias de duas mulheres que descobriram na estética afro, uma arma capaz de combater o racismo e que também pode promover um sentimento novo: a autoafirmação da negritude feminina.

"Eu comecei a trançar meu cabelo quando descobri que ele natural era mais bonito"

Essa frase é da Kelly Cristina Santos, de 30 anos, uma jovem que descobriu na estética das tranças africanas um poder capaz de não só encorajar a si mesma, mas também à outras mulheres.

Foto: Divulgação

A relação de Kelly com o empoderamento feminino negro e com as tranças teve início durante o período da faculdade, nas salas do curso de Educação Física, quando ela passou a trançar os próprios cabelos.

O começo não foi fácil, pois para o primeiro passo da trança era preciso desapegar de gatilhos do passado, quando ela e muitas outras mulheres negras fugiam dos seus cabelos naturais e se rendiam às pranchas e procedimentos agressivos, sempre com o intuito de buscar o alisamento, estética hiper valorizada nas décadas passadas.

“Eu comecei a trançar meu cabelo justamente quando eu entendi que meu cabelo natural era mais bonito do que alisado. Isso veio após essa descoberta de estar desde criança lutando contra o cabelo natural. E se eu senti isso, tenho certeza que outras mulheres de cabelo crespo também poderiam sentir”, contou.

O tempo passou e quanto mais ela trançava o cabelo, mais atiçava a curiosidade de outras mulheres na faculdade, que a questionaram quem era a responsável pelas criações em seus fios. A partir daí, Kelly teve uma ideia.

“Na faculdade começaram a vir muitas meninas querendo saber quem fazia meu cabelo e a partir disso eu comecei a pensar: por que não fazer um extra?”
Foto: Divulgação

“Toda vez que eu fazia um cabelo eu via uma mulher se amando”

Novamente o tempo passou e o que começou como elogios e interesse de outras mulheres, se transformou em negócio. Nasce aí a Afrodite Queen (@_afroditequeen), o estúdio de trança afro criado por Kelly.

As demandas cresceram, a paixão e o interesse pela área, também. Com isso, iniciou-se uma virada de chave na vida da jovem.

Mas para além de uma renda extra, Kelly percebeu que havia algo a mais em seu novo hobby (que mais tarde veio a se tornar uma profissão). A estética deixou de ser simplesmente estética e virou afeto e autoafirmação para mulheres negras.

“Quando eu comecei a fazer cabelos e cobrar, eu vi que era uma coisa que me movia e me deixava mais feliz do que a própria faculdade, justamente por essa pegada de elevar a autoestima da mulher. Toda vez que eu fazia um cabelo eu via uma mulher se amando ou dando uma renovada para uma coisa que eu não sabia que existia.”

A escolha do nome do estúdio não é à toa. Afrodite é considerada a deusa da beleza e do amor na mitologia grega. “Deusa”, segundo Kelly, é como ela costuma a se referir às outras mulheres.

Além disso, para a empresária, os cabelos são uma forma de libertação da deusa interior que toda mulher tem.

“Sempre chamei as meninas de deusa. A gente pode brincar nesse universo dos cabelos e a cada cabelo novo é uma nova versão de deusa que surge.”

Representatividade também é coisa de criança

Ao contrário de Kelly, que começou sua jornada a partir de um incentivo próprio, a pedagoga e empreendedora Claudia Queiroz, de 50 anos, contou com um empurrãozinho de onde ela menos esperava: das suas próprias filhas.

Também chamada de Cacau, Claudia explica que o sentimento de negritude e autoafirmação não é novidade em sua família.

Foto: Divulgação

Neta de uma mulher escravizada, ela lembra que desde muito nova, o sentimento de pertencimento à “mãe África”, como gosta de chamar, faz parte do seu núcleo familiar e isso não foi diferente com a criação das suas filhas.

Reflexo disso pode ser notado no fato de que, com apenas 6 anos, uma de suas meninas começou a sentir falta de algo em sua rotina: a representatividade.

“A minha filha começou a questionar o fato de que sempre que contávamos uma historinha, era sempre uma princesa branca. Quando a gente ia a uma loja, sempre tinha uma roupa de boneca, uma branca e ela começou a não se enxergar ali”, contou.
Foto: Divulgação

O esposo de Cacau e pai das meninas trabalha na área da Informática e, juntos, eles decidiram recorrer à tecnologia para mudar essa situação.

“Começamos a estampar as fotos delas nas camisetas, nas almofadas. Se tinha um seriado, a gente incluía elas no seriado e começamos a valorizá-las de todas as formas para que elas estivessem naqueles contextos.”

Quanto mais criações surgiram, mais experiência Cacau e a família adquiriam no ramo de estampas, até que ela decidiu criar uma marca, a Cacau Moda Afro (@cacaumodaafro).

“Eu comecei a pesquisar sobre as estampas, os significados das cores dos desenhos, então pensei que eu posso contar minha história através da moda. Que não seja apenas uma roupa, mas que também fale sobre a cultura africana, que valorize, que ensine que a África não é um lugar que só tem tristeza, que tem coisas muito maravilhosas e valiosas e eu resolvi trabalhar em cima disso”, explicou.

“Transformei as meninas da comunidade em modelos”

Com o objetivo de promover ainda mais representatividade e união, a moradora do bairro Santa Teresa, em Vitória, decidiu fazer diferente e transformou as meninas do seu bairro em modelos. 

“Eu transformei as meninas da comunidade em modelos. Tenho que valorizar o meu território e minhas modelos são as minhas meninas, as meninas da comunidade”, reforçou.

Em uma dessas experiências, Cacau lembra que ouviu algo inesperado de uma de suas modelos. A empresária percebeu que estava no caminho certo quando uma delas contou que após o ensaio, havia se descoberto.

“Tem uma menina que me surpreendeu. Quando terminou o ensaio, ela falou que naquele dia tinha se reconhecido como uma mulher preta e bonita. Ela disse que já tinha feito algumas fotos antes, mas que não tinha se sentido tão valorizada quanto naquele dia.”

O relato inocente da jovem bateu como uma retrospectiva na vida de Claudia Queiroz que, assim como conta, já passou por situações em que precisou alisar o cabelo para entrar em determinados locais. Gesto que hoje não faz mais parte da sua rotina.

“Aquilo não era para mim. Eu gosto de colocar minhas tranças, gosto de colocar meu turbante porque é uma coroa e isso eu passei para as minhas filhas.”