A maioria dos ministros no Supremo Tribunal Federal (STF) votou, nas últimas quinta (29) e sexta-feira (30), para confirmar que é inconstitucional a tese da “legítima defesa da honra”, geralmente usada em casos de crimes de feminicídio, sustentando que o agressor teria praticado o ato por motivos como uma traição.
Para que fique completa a votação, faltam ser ouvidas as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. Apesar disso, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado em agosto, após o recesso no tribunal.
Sobre o assunto, a reportagem do Folha Vitória ouviu juristas para entender exatamente o que significa a tese e se de fato ela não deveria ser utilizada na Justiça.
Para o doutor em Direitos e Garantias Fundamentais, professor de Direito Penal e advogado criminalista, Israel Domingos Jorio, a tese é uma causa de justificação, derivada da legítima defesa.
“Ou seja, uma circunstância que, quando reconhecida em juízo, afasta a ilicitude de condutas até mesmo violentas e com resultados altamente destrutivos”, iniciou.
Segundo ele, se presentes todas as exigências previstas em lei, a própria conduta de matar alguém pode ser justificada e não constituir crime, deixando absolutamente livre de qualquer responsabilidade penal o autor da ação se ficar demonstrado que não havia outra maneira de agir para defender sua vida e sua integridade física eficazmente.
“Enquanto isso, a ‘legítima defesa da honra’ é uma tese defensiva arcaica, muito usada diante do Tribunal Popular do Júri nos casos em que o homem traído mata a companheira e/ou o amante “para defender sua honra”, supostamente manchada pelo ato da traição extraconjugal”, explicou.
Para o jurista, em uma sociedade patriarcal e com fortes tendências machistas, essa tese tem considerável chance de sagrar-se vitoriosa.
Mas, em razão do maior esclarecimento e das ações afirmativas no sentido de promover a igualdade entre todas as pessoas, ela tem sido enfraquecida.
Mas, no ideário machista ainda presente em alguns setores da sociedade, a inércia do homem traído equivale a “covardia” ou “fraqueza” e agir em defesa da reputação supostamente atingida é quase uma obrigação.
“É óbvio que a vida vale mais do que a honra, até mesmo pelo fato de ser a vida verdadeiro pressuposto para a existência e o usufruto de todo e qualquer outro direito, de modo que será sempre muito difícil falar em “reação proporcional” nesses casos. Mas nem é esse o melhor dos argumentos contra a tese da legítima defesa da honra. Na verdade, a traição não macula a honra da pessoa que foi traída, mas, sim, única e exclusivamente a honra do próprio adúltero, que não respeitou seus votos de fidelidade”, pontuou.
Em vez de “legítima defesa da honra”, para Jorio, o que se tem é uma ação puramente vingativa, que se baseia na vaidade do homem traído.
Sobre o movimento desenvolvido no STF, no sentido de declarar a inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra”, de acordo com o doutor, passa por essas questões, mas vai adiante.
Também para o advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES), Homero Mafra, a Legítima defesa da honra é uma tese ultrapassada, que hoje dificilmente vai encontrar apoio no corpo de jurados.
“Ela tem como base a ideia, absolutamente equivocada e de todo despropositada, que em casos de traição seria possível a morte daquele que trai por quem é traído, em defesa da suposta honra ultrajada. Se algum dia esse tese teve lugar, se algum dia a sociedade aceitou que a traição podia ser “punida” com a morte, hoje não cabe mais”, declarou.
Apesar de parecer absurda, jurados em Júri Popular têm liberdade de decisão
Apesar do que esclareceu o advogado Israel Jorio, ele entende que: “se a sociedade, por seus representantes, ou seja, os jurados que compõem o Conselho de Sentença no Tribunal Popular do Júri, entende que a conduta do marido traído que ‘lava a honra’ está justificada, não parece ser compatível com a soberania dos veredictos, também prevista pela Carta Magna, uma proibição antecipada da tese”, afirmou.
Ainda assim, segundo o jurista, cabe ao STF, guardião da Constituição, dar ao texto constitucional a interpretação que seja a mais conforme seus princípios e fundamentos e que mais contribua para a realização dos objetivos da República.
“Seguramente, no núcleo da nossa ordem jurídica estão a inviolabilidade de vida e a igualdade, dois pilares da nossa sociedade democrática que são frontalmente atingidos pela desgastada e retrógrada tese da “legítima defesa da honra”, que acaba sendo usada apenas para deixar impunes maridos vaidosos enfurecidos que tenham despertado em jurados machistas alguma empatia ou admiração”, afirmou.
Também para Homero Mafra, apesar de esta tese não ter mais lugar na sociedade brasileira, ela não deve ser considerada inconstitucional, em razão dos princípios da ampla defesa (a defesa pode usar a tese) e da soberania do júri (o júri é livre para decidir).
“Não fere a Constituição o uso dessa tese mas, usando uma linguagem popular, não creio que cole”, finalizou.
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