JULGAMENTO DO CASO MILENA GOTTARDI

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Caso Milena Gottardi: promotores dizem que cartas e e-mail são estratégia para enganar jurados

A avaliação foi exposta durante uma coletiva à imprensa, realizada nesta sexta-feira. Documentos foram anexados ao processo nesta semana pela defesa de Hilário Frasson, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da médica

Rodrigo Araújo

Redação Folha Vitória
Foto: Divulgação

Os promotores do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) que atuarão no júri popular do caso Milena Gottardi afirmaram que o ingresso de novos documentos ao processo faz parte de uma estratégia da defesa para tentar confundir os jurados.

A avaliação foi exposta durante uma coletiva à imprensa, realizada nesta sexta-feira (20). Os promotores se referem a mensagens que teriam sido enviadas pela médica Milena Gottardi ao então marido, o ex-policial civil Hilário Frasson, acusado como um dos mandantes do crime.

Para auxiliar na defesa, os advogados de Hilário anexaram ao processo cartas e cartões de datas celebrativas, escritos pela vítima nos anos de 1997, 1999 e 2001. O objetivo é demonstrar a existência de laços afetivos entre o casal.

Além disso, foi inserido nos autos um e-mail que Milena encaminhou para Hilário em abril de 2017, no qual a médica sugere ter se arrependido de ter ingressado na Justiça para poder sair de casa com as filhas, uma vez que o casal encontrava-se em processo de separação.

Para os promotores do MPES, essa técnica de confundir para ludibriar jurados e opinião pública será trabalhada e rebatida no plenário e a verdade será demonstrada de forma cabal, ratificando a tese de acusação. 

No entanto, o advogado Leonardo Gagno, responsável pela defesa de Hilário Frasson, afirmou que as mensagens de Milena anexadas no processo mostram que os dois tinham uma boa relação entre marido e mulher.

"Tivemos acesso a várias provas que demonstram que Hilário e Milena eram um casal como qualquer outro. Existiam discussões, divergências, mas também existia amor e companheirismo entre eles. Isso tudo foi uma grande tragédia e nós vamos trabalhar para esclarecer os fatos no momento adequado, no julgamento, perante o júri popular", ressaltou.

Defesa alega autoritarismo no discurso do Ministério Público

“O Ministério Público (MP) está sendo arbitrário. Não quer aceitar o exercício da defesa. O que nós fizemos foi juntar provas dentro do devido prazo legal e conforme as regras do Código de Processo Penal (CPP). Não estamos entendendo esse posicionamento da promotoria.

Tanto a defesa como a acusação utilizou o Art. 479 do CPP, o qual assegura a juntada de provas aos autos com a antecedência de até 3 (três) dias uteis à data do julgamento, dando assim ciência à outra parte.

O MP juntou provas ao processo neste momento também, no 479, por qual razão então a defesa não pode igualmente juntar? O MP não está agindo como fiscal da lei, que é também função dele, e erradamente está se arvorando em um cerceamento de defesa. A partir dessas colocações infundadas e desrespeitosas, a promotoria está passando dos limites constitucionais. Não está respeitando os direitos de defesa, assegurado pela constituição.

Além disso, anexamos as provas neste período, em respeito também à família da vítima. O intuito foi o de preservá-la de uma possível espetacularização do processo.

Estamos agindo totalmente dentro das regras legais. Não estamos entendendo o alarde da acusação sobre esse assunto, visto que eles agiram de mesma maneira: juntaram provas ao processo no mesmo momento da defesa.

Provavelmente, se deve por saberem que as provas apresentas pela defesa são de extrema relevância.” - colocou o advogado de defesa de Hilário, Rodrigo Bandeira de Mello.

Hilário deseja restaurar relacionamento com filhas

Segundo o advogado da defesa de Hilário, Rodrigo Bandeira de Mello, Hilário Frasson está sofrendo alienação parental e tem por objetivo restaurar o relacionamento com as filhas.

"Respeitamos muito a dor da família da Milena e nos solidarizamos muito com ela. Esse fato é uma grande tragédia na vida de todos. Hilário amava e ama a Milena até hoje. As maiores dores na vida dele são a perda da Milena e do relacionamento com as filhas. Vamos aclarar todo o ocorrido no momento oportuno, durante o julgamento e perante o júri popular", declarou o advogado.

Julgamento começará na segunda-feira

O julgamento dos seis acusados de envolvimento no assassinato de Milena Gottardi será realizado a partir das 9 horas da próxima segunda-feira (23), no Fórum Criminal de Vitória, no Centro da capital.

Estarão no banco dos réus: Hilário Frasson e Esperidião Frasson, acusados de encomendar o crime; Valcir da Silva Dias e Hermenegildo Palauro Filho, denunciados como intermediadores do assassinato; Dionathas Alves Vieira, acusado de ser o executor do crime; e Bruno Rodrigues Broetto, apontado como o responsável por roubar a moto utilizada no assassinato.

Foto: Reprodução/MPES
Promotores do MPES que atuarão no julgamento do caso Milena Gottardi participaram de uma coletiva de imprensa nesta sexta-feira

Durante a coletiva desta sexta-feira os promotores de Justiça Bruno Simões, Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos e Rodrigo Monteiro deixaram claro que o objetivo da acusação é buscar a condenação de todos os envolvidos no assassinato da médica e esperam que todos peguem pena máxima, de 30 anos de prisão.

"Temos provas robustas e inequívocas da participação de todos os seis réus. Trata-se de um feminicídio, cometido de maneira torpe e sem possibilidades de defesa da vítima. É terrível imaginar que um ser humano que fala em Deus possa cometer tamanha maldade", destacou Rodrigo Monteiro.

"Apesar de todo o mal que eles representam, nós do Ministério Público estamos convictos de que a justiça prevalecerá e derrotará todo esse mal", acrescentou Bruno Simões

O Ministério Público quer que os seis réus sejam condenados por homicídio triplamente qualificado — por motivo torpe, sem chance de defesa da vítima e feminicídio. Os promotores também querem que os réus, com exceção de Bruno Broetto, respondam por fraude processual, já que teriam induzido a Justiça a achar que o crime se tratava de latrocínio — roubo com morte.

O advogado Leonardo da Rocha de Souza, responsável pelas defesas de Bruno e Dionathas, afirma que o primeiro não tinha conhecimento de que a moto roubada seria utilizada para a prática de um crime.

"Não há nesse processo nenhuma prova objetiva, clara e cristalina de que o Bruno tenha cedido essa moto para o Dionathas sabendo que a moto seria utilizada nesse crime", afirmou.

No entanto, os promotores do Ministério Público afirmam ter provas suficientes de que Bruno sabia que o cunhado iria cometer o crime.

"Tem provas sim. O processo mostrará que Bruno tinha ciência do cometimento de crime. Emprestou a moto roubada, sabendo que a moto seria utilizada para prática criminosa", frisou Rodrigo Monteiro.

A reportagem também tentou contato com os advogados dos outros réus, mas eles preferiram não falar ou não retornaram as chamadas e mensagens enviadas.

Julgamento pode durar uma semana

O julgamento, segundo o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), pode, inicialmente, ter a duração de uma semana. As etapas dos trabalhos podem durar mais tempo, devido ao número de réus e de testemunhas. Serão 29 ao todo, sendo 19 convocadas pelas defesas dos acusados e dez pela acusação. 

Foto: Marcelo Pereira / Folha Vitória
Julgamento será realizado no Fórum Criminal de Vitória, na Cidade Alta

Quem são as testemunhas do processo:

Ministério Público

1 - Aline Coelho Moreira Fraga
2 - Maria Isabel Lima dos Santos
3 - Lícia Maria Araújo Maia
4 - Investigador PCES Igor de Oliveira Carneiro
5 - Delegado PCES Janderson Birschner Lube
6 - Marcelle Gomes da Cruz
7 - Fernanda Coutinho Lopes Raposo
8 - Ana Paula Protzzner Morbeck
9 - Douglas Gottardi Tonini

Assistente de acusação

1 - Shintia Gottardi de Almeida

Defesa réu Hilário

1 - João Guilherme Souza Pelição
2 - Rodrigo Alves Alver
3 - Tarcísio Fávaro
4 - Moisés da Silva Soares
5 - Arnaldo Santos Souza

Defesa réu Esperidião

1 - Valdemir Nascimento Lima
2 - Paulo Renato Magvesky
3 - Luciano Nunes Bermudes
4 - Maria Arlinda Bermudes Palauro
5 - José Ferreira Campanholi

Defesa réu Dionathas

1 - Juliana Pábula Brozeguini Batista
2 - Paola Laghasse
3 - Diana Aparecida Pereira
4 - Myller Maradona Pereira Amorim
5 - Julianny Pereira Soares

Defesa réu Bruno

1 - Douglas Miranda Santana
2 - Pedro Carlos Nieiro
3 - Maria das Graças Coelho Nieiro
4 - Claezi Demonei dos Santos

*Os réus Hermenegildo e Valcir não arrolam testemunhas

Relembre o assassinato de Milena Gottardi

O assassinato de Milena Gottardi aconteceu na tarde do dia 14 de setembro de 2017 e ganhou grande repercussão no Espírito Santo. A vítima atuava como pediatra oncológica no Hospital das Clínicas, em Maruípe, Vitória.

Quando saía de um plantão, acompanhada de uma amiga, a médica foi abordada, no estacionamento do hospital, por um homem armado, que chegou a anunciar um assalto.

Milena e a amiga chegaram a entregar os pertences ao suposto assaltante. Quando elas se dirigiam ao carro, o criminoso atirou três vezes em direção à pediatra, atingindo a mesma na cabeça e na perna, e fugindo posteriormente. A médica foi socorrida e internada em um hospital, mas morreu no dia seguinte.

A Polícia Civil agiu rápido e, dois dias após a médica ser baleada, dois suspeitos de envolvimento no crime foram detidos: Dionathas Alves Vieira, acusado de ser o executor do crime, e Bruno Rodrigues Broetto, apontado pela polícia como o responsável por conseguir a moto utilizada por Dionathas no dia do assassinato.

A prisão dos suspeitos aconteceu praticamente ao mesmo tempo em que o corpo de Milena era sepultado em Fundão, município onde a médica nasceu e foi criada e onde grande parte de sua família ainda mora.

Com a prisão da dupla, a polícia começou a desvendar o crime e provar que Milena não havia sido vítima de um latrocínio — como fez parecer o autor dos disparos — mas sim de um crime de mando. Faltava, no entanto, chegar aos mentores do assassinato.

Foto: Reprodução TV Vitória
Ex-marido de Milena, Hilário Frasson é acusado de ser um dos mandantes do crime

Para conseguir as provas necessárias, a Polícia Civil conseguiu, junto à Justiça, que as investigações corressem sob sigilo. Isso porque o principal suspeito de encomendar a morte de Milena era o ex-marido dela, o então policial civil Hilário Antônio Fiorot Frasson, que atuava como assessor técnico do gabinete do Chefe da PC, Guilherme Daré.

A ideia da Secretaria de Estado da Justiça (Sesp) era justamente impedir que Hilário tivesse acesso às provas obtidas pela Delegacia Especializada em Homicídios Contra a Mulher (DHPM), que conduzia o inquérito.

A prisão de Hilário aconteceu no dia 21 de setembro, exatamente uma semana depois do assassinato de Milena. Ele foi preso na Chefatura da Polícia Civil e encaminhado para um anexo da Delegacia de Novo México, em Vila Velha, onde ficam os policiais civis que são presos.

Mais cedo, no mesmo dia, a polícia havia prendido o pai dele, Esperidião Carlos Frasson, apontado como o outro mandante do crime, e Valcir da Silva Dias, acusado de ser um dos intermediadores do assassinato.

Segundo a polícia, o outro intermediador foi Hermenegildo Palauro Filho, o Judinho, que foi preso no dia 25 de setembro.

Todos os seis suspeitos de envolvimento no assassinato de Milena Gottardi foram autuados pela Polícia Civil, que concluiu o inquérito referente ao crime no dia 18 de outubro. O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público Estadual (MPES), que, no dia 27 de outubro de 2017, denunciou os seis indiciados à Justiça.

A denúncia foi aceita no dia 1º de novembro daquele ano pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Vitória, Marcos Pereira Sanches, que decretou a prisão preventiva dos seis acusados — que até então cumpriam prisão temporária. Caso sejam condenados, eles poderão pegar até 30 anos de prisão.

Hilário, Esperidião, Valcir, Hermenegildo e Dionathas foram denunciados pelos crimes de homicídio qualificado, feminicídio e fraude processual. Já Bruno responde pelo crime de feminicídio.

Entenda a participação de cada réu no caso

As investigações concluíram que Hilário e Esperidião encomendaram o assassinato de Milena Gottardi por não aceitarem o fim do casamento entre ela e o então policial civil. Para isso, eles teriam contratado Valcir e Hermenegildo para dar suporte ao crime e encontrar um executor.

Ainda segundo a polícia, Dionathas Alves foi o escolhido para executar o "serviço" — como os envolvidos se referiam ao assassinato da médica. Para isso, ele receberia uma recompensa de R$ 2 mil.

Foto: Arte/ Júlio Lopes

Dionathas teria usado uma moto, roubada pelo cunhado Bruno, para seguir de Fundão até Vitória e matar Milena.

O veículo foi apreendido em uma fazenda em Fundão, no mesmo dia em que Dionathas e Bruno foram presos. O executor confesso do assassinato disse à polícia que o crime foi planejado durante cerca de 25 dias.

O inquérito, no entanto, aponta que o planejamento do homicídio começou pelo menos dois meses antes do crime. Segundo as investigações, os seis acusados de envolvimento na morte de Milena Gottardi trocaram 1.230 ligações e formaram uma rede de comunicação antes e após o crime.

Depoimentos de quatro suspeitos de envolvimento do crime detalharam como foi o planejamento do assassinato da médica.

De acordo com informações da Secretaria de Estado da Justiça, Hilário Frasson está preso na Penitenciária de Segurança Média I; Esperidião Frasson, no Centro de Detenção Provisória de Viana II; Valcir, no Centro de Detenção Provisória de Vila Velha; Hermenegildo, no Centro de Detenção Provisória da Serra; e Dionathas e Bruno, no Centro de Detenção Provisória de Guarapari.

Hilário foi expulso da Polícia Civil em 2020

Hilário Frasson foi oficialmente expulso da Polícia Civil do Espírito Santo em junho do ano passado. A decisão foi confirmada pelo Conselho Estadual de Correição (Consecor), presidido pela Secretaria de Controle e Transparência do Estado (Secont).

O Consecor, última instância administrativa no Estado para servidores civis e militares, manteve, após análise do processo, a decisão do Conselho de Polícia Civil, que decidiu pela expulsão de Hilário Frasson dos quadros da corporação, no dia 25 de setembro de 2019.

Por causa da acusação de ser um dos mandantes do assassinato da médica, Hilário recebeu a pena máxima prevista do Estatuto da Polícia Civil, que é a demissão. Além disso, ele fica impedido de exercer outro cargo ou função por dez anos.

A demissão de Hilário é resultado do julgamento do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) que o servidor respondia, referente ao homicídio de Milena Gottardi.

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