Saiba como foi o primeiro dia de julgamento dos seis réus do caso Milena Gottardi
Os trabalhos nesta segunda-feira duraram pouco mais de 11 horas. A expectativa é de que a primeira testemunha a depor nesta terça seja a médica que estava com a vítima no momento em que ela foi morta a tiros, em setembro de 2017
Quatro testemunhas, todas elas arroladas pelo Ministério Público Estadual (MPES), foram ouvidas durante o primeiro dia de julgamento dos seis acusados de participação no assassinato da médica Milena Gottardi, nesta segunda-feira (23). Os trabalhos duraram pouco mais de 11 horas.
O júri, realizado no Fórum Criminal de Vitória, no Centro da capital, começou às 10h15 e terminou pouco depois das 21h30.
Os trabalhos deverão ser retomados nesta terça-feira (24), a partir das 9 horas. A expectativa é de que a primeira a depor seja a médica que estava junto de Milena Gottardi, no estacionamento do Hospital das Clínicas, em Vitória, quando a vítima foi morta a tiros, no dia 14 de setembro de 2017.
Estão no banco dos réus Hilário Frasson, Esperidião Frasson, Dionathas Alves, Hermenegildo Palauro Filho, Valcir da Silva Dias e Bruno Broetto.
Hilário impunha regime militar
A primeira testemunha a ser ouvida nesta segunda-feira foi a médica Aline Coelho Moreira Fraga, amiga de Milena Gottardi, que prestou depoimento por cerca de 1h20. Por estar em gravidez adiantada, ela teve prioridade entre as demais testemunhas.
Aline começou o depoimento, por volta das 11h40, sendo interrogada pelo juiz Marcos Pereira Sanches, que preside o júri. Antes, pediu que os réus fossem retirados do salão durante o depoimento, o que foi acatado pelo magistrado.
Ao responder as perguntas do juiz, Aline destacou que conheceu Milena em 2014, quando começaram a trabalhar juntas. No entanto, foi a partir de 2016 que fizeram amizade.
Segundo ela, era comum ouvir Milena comentar que gostaria de se separar, por estar insatisfeita com o relacionamento com o ex-policial civil Hilário Frasson, acusado de ser um dos mandantes do assassinato.
A médica ainda relatou que Milena descrevia Hilário como um pai eficiente, no contexto de cuidar das crianças, mas não demonstrava tanta afetividade, em especial, pela filha mais velha.
Ela chegava a repetir que o então marido impunha um regime militar e que se sentia uma autoridade desnecessária dentro de casa.
Aline também contou que recebeu uma visita de Milena poucos dias antes do crime. Ela disse que a amiga permaneceu por cerca de 40 minutos em sua residência. Neste período, Hilário teria ligado várias vezes para a então esposa.
Milena também relatava, segundo a testemunha, que sentia uma certa perseguição por parte de Hilário. Na ocasião em que a vítima escreveu a carta, divulgada poucos dias após o crime, Aline teria alertado Milena que aquilo poderia ser uma ameaça de morte.
Aline também foi interrogada pela defesa de Esperidião e de Hilário. Os advogados dos outros réus não fizeram perguntas.
O depoimento dela terminou por volta das 13 horas e, logo depois, foi feita uma pausa para o almoço.
Milena precisa sair de casa disfarçada para procurar advogado
Na volta do intervalo, a médica nefrologista Lívia Maria Araújo Maia, também amiga de Milena Gottardi, foi a segunda testemunha a prestar depoimento nesta segunda-feira. A oitiva dela teve início por volta das 14h25 e foi a mais longa do dia, com cerca de duas horas de duração.
Em sua fala, Lívia afirmou que Milena se queixava do comportamento de Hilário Frasson. Segundo ela, a amiga dizia que se sentia constantemente vigiada pelo réu, que não concordava com a separação do casal.
A nefrologista disse que Milena, em determinado momento do processo de separação, chegou a se disfarçar e a usar uma peruca para sair de casa e procurar um advogado.
Lívia e o marido eram amigos de Milena e Hilário. Eles faziam parte de um grupo de WhatsApp com outros dois casais, além dos tios da médica assassinada. Além disso, as duas médicas fizeram faculdade juntas.
A testemunha relatou ainda que o celular e o WhatsApp de Milena Gottardi eram frequentemente monitorados pelo acusado. "Ele tinha tudo, inclusive as senhas de banco e também dos e-mails dela".
Lívia afirmou também que Milena se queixava que Hilário tinha ciúmes até da relação dela com a mãe, Zilca Gottardi Tonini.
A nefrologista contou que soube, por meio de Hilário, que o pai dele, Esperidião Frasson, também acusado de mandar matar a médica, foi até a casa de Zilca dizer que não admitiria separações na família dele. Segundo ela, a declaração soou como uma ameaça.
A testemunha conta que chegou a sugerir a Milena que ela denunciasse Hilário na Delegacia da Mulher. A vítima, no entanto, teria dito que não faria isso, já que Hilário ainda estava em estágio probatório na Polícia Civil e não tinha alcançado a estabilidade como servidor público.
De acordo com Lívia, Milena disse que, se denunciasse o marido, ele seria expulso da PCES, perderia o emprego e ficaria sem renda. Com isso, a pediatra acreditava que teria de sustentar a família.
A questão financeira do casal também foi lembrada pela testemunha. Segundo ela, o comportamento obsessivo de Hilário, somado a um comportamento de gastador compulsivo, foram fundamentais para Milena decidir pela separação.
Lívia relatou que a médica assassinada reclamava frequentemente com ela, dizendo que não conseguia fazer uma reserva financeira, porque tinha de arcar com as despesas da casa e Hilário gastava muito.
Lívia disse ainda que a vida do casal, economicamente falando, passou a ter conflitos depois que Hilário passou no concurso público da Polícia Civil do Espírito Santo e deixou de ser assistente de um desembargador. Segundo ela, o réu aceitou receber um salário menor no novo cargo.
Hematoma no corpo e arma para intimidar professores
A terceira testemunha da acusação a ser ouvida durante o dia foi Fernanda Coutinho Lopes Raposo, coordenadora da escola onde as filhas do casal estudavam na época do crime.
Em seu depoimento, que teve início por volta das 17h50, Fernanda disse que, depois da separação com Hilário, Milena começou a se abrir mais para ela e demais funcionários da escola sobre sua situação com o ex-marido.
Ela relatou que, dez dias antes do crime, percebeu um hematoma muito grande em Milena, no momento em que ela foi à unidade de ensino levar as filhas. Segundo a coordenadora, o ferimento ia do pescoço até o braço da vítima.
Fernanda relatou também que Milena tentou disfarçar o hematoma com maquiagem. Disse ainda que chegou a perguntar o que era aquilo, mas que a médica desconversou.
No mesmo dia, de acordo com a testemunha, Milena Gottardi pediu para que as funcionárias da escola cuidassem das crianças caso acontecesse alguma coisa com ela.
A coordenadora também contou que, depois da separação do casal, Hilário Frasson começou a ir à escola com mais frequência. Inclusive, segundo ela, fazia questão de mostrar sua arma, na tentativa de intimidar os professores
Fernanda lembrou que, no dia do crime, o ex-policial civil chegou mais cedo ao colégio. De acordo com a testemunha, nesse dia ele estava muito agitado e ficava o tempo todo olhando o celular.
Ela relatou ainda que uma das funcionárias da escola perguntou se Hilário estava armado. Nesse momento, segundo a coordenadora, o acusado levantou os braços e, com ar irônico, disse que não estava com a arma a pedido de Milena.
O depoimento de Fernanda terminou pouco depois das 19 horas. Em seguida, o juiz determinou um intervalo no julgamento.
'Vou fazer sua cara de farofa', teria dito Hilário a Milena
A quarta e última testemunha a ser ouvida no primeiro dia de julgamento foi a advogada Marcelle Gomes da Cruz, também amiga de Milena Gottardi. Os filhos dela estudaram na mesma escola que as filhas de Milena e Hilário, e foi lá que ela conheceu a médica.
A advogada disse que, poucos dias depois do crime, após ela prestar depoimento na polícia, foi intimidada por Hilário. Ela conta que tinha saído de casa para buscar um vestido para a filha, quando viu o ex-policial civil passando por ela na rua, em um carro preto, em baixa velocidade e baixando o vidro da janela.
Marcelle relatou também que participa de um grupo de WhatsApp com seis amigas e que uma delas teria dito que começou a receber vídeos de Hilário mostrando pessoas mortas em diversas situações e dizendo que aquelas eram pessoas que ele tinha matado.
A testemunha lembrou ainda que, um dia, Milena mostrou para ela um áudio que Hilário teria lhe enviado pelo celular. No áudio, o ex-policial dizia: "Por que você não atendeu o telefone, sua filha da puta? Vou fazer sua cara de farofa".
A advogada também contou que, dois dias antes do crime, percebeu que Milena estava excessivamente maquiada. Ela acredita que aquilo foi usado pela médica para disfarçar possíveis sinais de agressões. Nesse momento, ela começou a chorar enquanto falava.
Encerramento do dia
O depoimento terminou às 21h34. Os promotores do Ministério Público Estadual e os advogados de acusação queriam que a quinta testemunha, a médica que estava com Milena no dia do crime, fosse ouvida ainda nesta segunda.
No entanto, a defesa dos réus pediu para que a oitiva ficasse para terça-feira, alegando cansaço e desgaste depois de mais de 11 horas de julgamento, com alguns pequenos intervalos.
Houve um consenso e a expectativa é de que a amiga de Milena seja a primeira a depor nesta terça-feira, a partir das 9 horas.
Manifestação antes do julgamento
A movimentação em frente ao Fórum Criminal de Vitória começou bem cedo, por volta das 7h30. Familiares da médica usaram camisas e faixas pedindo justiça.
Além disso, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES) também fizeram uma manifestação no local.
A mãe de Milena, Zilca Gottardi, se retirou do salão do júri antes que os seis réus entrassem. Ela disse que preferiu não permanecer no mesmo ambiente dos acusados, mas afirmou que está confiante de que eles serão condenados.
Os primeiros a entrar no local foram os réus Bruno Broetto e Dionathas Vieira, e o último foi Hilário Frasson. Bruno e Dionathas, que são cunhados, ficaram separados dos outros quatro réus. Em alguns momentos do júri, os dois choraram.
Atraso para início e impasse na escolha do júri
O julgamento, previsto para começar às 9 horas desta segunda, teve início com uma hora e quinze minutos de atraso, às 10h15. O motivo foi que uma das testemunhas não havia chegado até então.
O juiz que preside o júri, Marcos Pereira Sanches, informou que um dos advogados de defesa pediu o desmembramento do caso, para que os réus fossem julgados em separado. No entanto, o pedido foi negado. Assim, todos eles estão sendo julgados juntos.
O júri é composto por quatro mulheres e três homens. A definição do corpo de jurados não foi nada tranquila no momento do sorteio.
Dez mulheres foram recusadas pelos advogados de defesa. Houve ainda três recusas de homens. Os promotores do Ministério Público Estadual aceitaram a justificativa de um homem que não quis participar.
Houve ainda duas dispensas, pois uma mulher tinha um familiar envolvido no processo e outra foi dispensada por problemas médicos.
Leia também: 'A gente espera que a justiça seja feita', diz procuradora-geral do MPES sobre caso Milena Gottardi
Julgamento pode durar uma semana
O julgamento dos réus, de acordo com o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, pode, inicialmente, ter a duração de uma semana.
As etapas dos trabalhos podem durar mais tempo devido ao número de réus e de testemunhas. Serão 29 ao todo, sendo 19 convocadas pelas defesas dos acusados e 10, pela acusação.
Leia também: Entenda cada etapa do julgamento Milena Gottardi
Quem são as testemunhas do processo:
Ministério Público
1 - Aline Coelho Moreira Fraga
2 - Maria Isabel Lima dos Santos
3 - Lívia Maria Araújo Maia
4 - Investigador PCES Igor de Oliveira Carneiro
5 - Delegado PCES Janderson Birschner Lube
6 - Marcelle Gomes da Cruz
7 - Fernanda Coutinho Lopes Raposo
8 - Ana Paula Protzzner Morbeck
9 - Douglas Gottardi Tonini
Assistente de acusação
1 - Shintia Gottardi de Almeida
Réus do processo
- Hilário Frasson - ex-marido da médica e ex-policial civil
- Esperidião Frasson - ex-sogro da vítima
- Valcir da Silva Dias e Hermenegildo Palauro Filho - acusados de serem intermediadores do assassinato
- Dionathas Alves Vieira - acusado de ser o executor do crime
- Bruno Rodrigues Broetto - apontado como o responsável por conseguir a moto utilizada no dia do assassinato
Defesa réu Hilário
1 - João Guilherme Souza Pelição
2 - Rodrigo Alves Alver
3 - Tarcísio Fávaro
4 - Moisés da Silva Soares
5 - Arnaldo Santos Souza
Defesa réu Esperidião
1 - Valdemir Nascimento Lima
2 - Paulo Renato Magvesky
3 - Luciano Nunes Bermudes
4 - Maria Arlinda Bermudes Palauro
5 - José Ferreira Campanholi
Defesa réu Dionathas
1 - Juliana Pábula Brozeguini Batista
2 - Paola Laghasse
3 - Diana Aparecida Pereira
4 - Myller Maradona Pereira Amorim
5 - Julianny Pereira Soares
Defesa réu Bruno
1 - Douglas Miranda Santana
2 - Pedro Carlos Nieiro
3 - Maria das Graças Coelho Nieiro
4 - Claezi Demonei dos Santos
*Os réus Hermenegildo e Valcir não arrolam testemunhas