STF proíbe tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio; veja o que muda
Resultados de julgamentos apoiados nesse argumento podem ser anulados. Confira o que dizem especialistas ouvidos pelo Folha Vitória
Em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) deliberou, por unanimidade, na terça-feira (1º), proibir o uso da tese de legítima defesa da honra como argumento para justificar a absolvição de condenados por feminicídio.
A determinação do STF impede que advogados de réus utilizem essa tese para pleitear a absolvição no Tribunal do Júri. Além disso, a decisão também pode levar à anulação de julgamentos anteriores que foram baseados na tese de legítima defesa da honra.
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A ação em questão foi protocolada pelo PDT em 2021, buscando impedir a absolvição de homens acusados de homicídio contra mulheres, sustentando que o crime teria sido cometido por motivos emocionais, como traição conjugal.
Para a advogada criminalista e mestranda pela USP e integrante da Comissão da Advocacia Criminal e Política Penitenciária da OAB-ES, Anna Paulina Cardoso, a decisão é história e representa uma conquista na luta contra a violência contra a mulher.
"Foi uma decisão histórica. Os argumentos da decisão são da necessidade de combate a violência contra a mulher. Foi muito importante, pois essa questão era, muitas vezes, levadas aos tribunais, que ficavam impedidos de realizar a soberania dos vereditos. O que foi decidido é que controlar essa linha argumentativa não significa ferir a soberania dos vereditos, mas evitar um discurso odioso", afirmou.
Anna Paulina explicou que, atualmente, os crimes de feminicidio são julgados pelo tribunal do juri, composto por populares que não tem o dever de motivar usas decisões.
"Com base no quesito genérico, pelo qual é possível condenar ou absolver, seja por clemência ou por outras razoes não justificadas, era muito comum a utilização no plenário da legitima defesa da honra. Essa tese legitima uma violência contra a mulher com base no comportamento prévio dela, seja por uma traição ou algo que tenha gerado uma violação a honra do homem. Agora, nem a defesa, nem a acusação e nem o juiz podem levantar essa tese", explicou.
"Com base nesta decisão, os tribunais de Justiça poderão cassar eventuais decisões que foram proferidas com base nesta argumentação e novos plenários que venham a ser conduzidos, essa linha argumentativa está vedada."
Anna Paulina Cardoso, advogada
Para o advogado especialista em direito público e administrativo Sandro Câmara, a decisão do STF foi unânime, no sentido de que a tese de legítima defesa da honra para os casos de feminicídio atenta contra os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
"A partir dessa decisão , nos julgamentos que envolvam feminicídio, os quais são desenvolvidos perante o Tribunal do Juri, fica vedada a possibilidade de a defesa, a acusação, a autoridade policial e até mesmo o Juízo utilizarem a tese de legítima defesa da honra em qualquer fase do processo, não podendo nem mesmo ser utilizado qualquer argumento que proponha, ainda que indiretamente, essa tese", afirmou.
Câmara destacou, ainda, que a eventual absolvição do réu com base na legítima defesa da honra enseja a nulidade do juri, para que outro julgamento seja realizado, afastando-se a referida tese.
"A bem da verdade, a decisão do STF marca o rompimento do judiciário com valores arcaicos, baseados em uma sociedade machista e patriarcal, conforme destacou a Ministra Carme Lucia na ocasião do julgamento".
Votos dos ministros
A maioria dos votos contra essa tese foi formada durante a sessão de 30 de junho, antes do recesso de julho no STF. Na ocasião, os ministros Dias Toffoli, André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes se manifestaram contra a utilização dessa justificativa.
Durante a sessão desta terça, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber proferiram os dois últimos votos sobre a questão.
A ministra Cármen Lúcia enfatizou a importância da decisão, afirmando que o Supremo está removendo do ordenamento jurídico uma tese que permitia a morte de mulheres sem qualquer punição.
Ela denunciou a persistência de uma sociedade machista, sexista e misógina, que ceifa a vida de mulheres simplesmente por elas serem mulheres e donas de suas próprias vidas.
Já a presidente do Supremo, Rosa Weber, lembrou o histórico de leis brasileiras que tutelavam a castidade feminina e restringiam os direitos das mulheres. Ela citou o Código Civil de 1916, no qual as mulheres perdiam a capacidade civil plena ao casar, ficando sob a administração do marido tanto em relação aos bens do casal como aos particulares da esposa.
A ministra ressaltou que somente com a autorização do marido as mulheres poderiam exercer alguma atividade profissional.
*Com informações da Agência Brasil