Dessalinização e reúso: as tecnologias para controlar a escassez de água no ES
Assim como em outras partes do Brasil e do mundo, o Espírito Santo enfrenta o impacto das crises climáticas na garantia do acesso à água
Em várias regiões do Espírito Santo, comunidades inteiras enfrentam períodos intensos de secas, o que afeta desde atividades agrícolas e industriais até o abastecimento básico de escolas e hospitais. São populações que dependem de medidas emergenciais enquanto lidam com desafios agravados por mudanças climáticas.
Em 2015, um período intenso de seca marcou a pior crise hídrica no Estado em 40 anos, comprometendo o abastecimento de rios e reservatórios, como o Rio Jucu, principal fonte de abastecimento para diversas cidades.
Assim como em outras partes do Brasil e do mundo, onde a escassez hídrica gera conflitos e desafios, o Espírito Santo enfrenta o impacto das crises climáticas na garantia do acesso à água.
A segurança hídrica – garantia da disponibilidade de água para todos os usos essenciais à sobrevivência humana – deveria ser um direito universal. Mas, em muitas regiões, inclusive no Estado, ela se transformou em um dos maiores desafios para as lideranças locais e globais.
Em meio a essa crise, duas soluções inovadoras começam a se destacar como alternativas viáveis para garantir o abastecimento hídrico dos capixabas:
- A dessalinização: processo que retira o sal da água do mar e garante que ela tenha qualidade para ser distribuída para consumo da população ou para fins industriais;
- Reúso de águas: tratamento da água de esgotos domésticos ou industriais para meios que não necessitam do uso da água potável.
Enquanto a dessalinização fornece uma nova fonte de água potável, ideal para o abastecimento urbano em cidades costeiras como Vitória, Vila Velha e Guarapari, o reúso otimiza o aproveitamento da água já disponível para fins industriais e agrícolas.
Além de ser sustentável, a água de reúso também é mais econômica. No Espírito Santo, enquanto a água potável custa R$ 9,78 por cada mil litros, a de reúso pode custar até R$ 1,90 por mil litros, segundo a Cesan.
Juntos, esses sistemas oferecem uma abordagem integrada para diversificar as fontes de abastecimento, reduzir a dependência de rios e reservatórios e equilibrar a demanda em diferentes setores críticos.
Preocupada com a conservação da natureza, Conceição Giori, CEO do Café Giori, começou a implementar práticas agrícolas sustentáveis em sua fazenda, desde 2014.
Consciente das consequências causadas pelas mudanças climáticas, como o longo período de estiagem de 2024, da importância da água para seus negócios e sua sobrevivência, uma das alternativas adotada pela fazenda foi o reúso da água utilizada na lavagem do café, uma vez por ano, na época da colheita dos grãos.
"Tanto práticas agrícolas, industriais e até caseiras, que se negam a enxergar a necessidade de preservar os recursos naturais, sob pena de se tornarem extintos, conduziram nosso planeta a entrar numa espiral de mudanças negativas e altamente danosas para nós", explicou Conceição.
Conceição explica que, durante todo o período da colheita – entre o meses de abril a agosto –, a água utilizada no processo de lavagem e descascamento do café é armazenada e, posteriormente, reutilizada na irrigação da capineira, que serve para a produção de alimento dos animais da fazenda.
Além da água, esse processo de lavagem também gera resíduos orgânicos (provenientes do próprio café) e essa matéria orgânica, junto com a água, também é utilizada na horta.
As práticas sustentáveis e ecológicas adotadas na Fazenda Giori ainda vão além do reúso da água e focam, sobretudo, a preservação da água no solo, através da construção de caixas secas na lavoura – que captam águas das chuvas e alimentam os lençóis freáticos –, da cobertura de solo e muito mais.
Como essas soluções podem ser aplicadas de forma eficaz no ES
Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, a engenheira ambiental Eliane Meire de Souza explica que um dos maiores desafios do Espírito Santo é a desigualdade na distribuição de chuvas.
“Enquanto o Sul do Estado tem chuvas mais regulares, o Norte enfrenta estiagens severas e a alta demanda na Região Metropolitana sobrecarrega rios e reservatórios, como os rios Jucu e Santa Maria. Além disso, existem os eventos climáticos extremos, que tornam o abastecimento ainda mais imprevisível”, disse.
Por isso, ela acredita que essas duas alternativas são viáveis para o Estado, que fica localizado em uma região costeira, com um número muito alto de habitantes e escassez hídrica severa.
“A integração das duas tecnologias pode aumentar a segurança hídrica, diversificando as fontes de abastecimento e reduzindo a dependência de recursos convencionais, como a captação em rios, por exemplo”, explica Eliane.
Para a engenheira ambiental e especialista em direito ambiental Priscilla Cosmo, também é possível auxiliar na promoção dessas práticas com a criação de políticas públicas considerando incentivos fiscais como:
- O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Verde, que incentiva municípios a adotar práticas de conservação ambiental e gestão sustentável dos recursos naturais;
- Oferecer subsídios para empresas e agricultores que utilizarem essas fontes alternativas de água, que não concorrem com as fontes utilizadas para o abastecimento público.
- Manutenção e melhoria nos processos de tratamento de efluentes (esgotos domésticos ou industriais) para viabilizar ainda mais o reúso.
Segundo Eliane Meire de Souza, é crucial fortalecer a governança hídrica e promover parcerias público-privadas para viabilizar essas tecnologias.
Além disso, a integração de informações no Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH) e o estímulo à capacitação técnica também são passos fundamentais.
O Espírito Santo tem mostrado potencial para se tornar referência nacional em segurança hídrica, mas é necessário continuar investindo em educação ambiental, tecnologia e políticas públicas.
Com ações colaborativas entre governo, setor privado e sociedade, é possível enfrentar os desafios da escassez hídrica e garantir o acesso à água para todos os capixabas.
Projetos em andamento no Espírito Santo
De acordo com o diretor operacional da Companhia Espírito-santense de Saneamento (Cesan), Thiago Furtado, a crise de 2015 fez com que o governo do Espírito Santo e a Cesan começassem a buscar soluções alternativas para garantir a segurança hídrica da população.
Neste ano de 2024, a Cesan recebeu uma proposta da multinacional espanhola GS Inima para a construção de uma usina de dessalinização, em Guarapari, voltada para atender a demanda de água para consumo da população.
A capacidade mínima de produção da usina será de 1.100 litros por segundo, quase o dobro da atual maior planta do País, que fica na ArcelorMittal, aqui no Espírito Santo. Com isso, ela se tornará a maior do País, em sua categoria.
Isso significa que a usina, com previsão para início da construção em 2026, será capaz de fornecer, diariamente, cerca de 95 milhões de litros de água, o suficiente para suprir as necessidades de uma cidade de médio a grande porte, como Guarapari ou outros municípios da Região Metropolitana.
Além disso, também foram firmados dois acordos com as duas maiores empresas no Espírito Santo, Vale e ArcelorMittal, para a utilização de águas de reúso nos processos industriais, como lavagem, separação e transporte dos minerais.
A parceria firmada com a ArcelorMittal será o primeiro projeto de subconcessão de reúso do Brasil.
A partir do próximo ano, será construída uma Estação Produtora de Água de Reúso (Epar), que irá transformar cerca de 300 litros por segundo de esgoto sanitário em água reciclada para uso em processos relacionados à produção, manutenção e operação de indústrias.
Ou seja, em apenas um dia, serão reciclados 25,9 milhões de litros de água, que podem atender às necessidades industriais ou agrícolas de uma cidade de médio porte. E, assim, a empresa deixa de utilizar águas captadas dos reservatórios e esse volume pode ser destinado ao consumo humano ou animal.
Além desses dois acordos, prefeituras, agricultores, pequenas empresas e até construtoras já fazem o reúso de águas residuais em processos que não necessitam de água potável, como irrigação de canteiros, limpeza de ruas, construção de rodovias, processos industriais e até em plantações.
O objetivo, de acordo com a companhia e com o governo, é garantir que as soluções de longo prazo atendam a essa demanda crescente em áreas como a Região Metropolitana.
“Nós temos aquela falsa sensação de que temos água em abundância. Mas quando vem a crise, só quem está dentro dela e que enfrenta é que sabe. Por isso, com essas medidas, esperamos desafogar a captação de água para a população e conseguir garantir o acesso à água, em qualquer período do ano”, explicou Thiago.