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Mulheres e o tratamento de vícios no ES: desafios culturais e emocionais

O combate à dependência química é um caminho repleto de desafios, e para as mulheres, esse trajeto tende a ser ainda mais complexo

Kayra Miranda

Redação Folha Vitória
Foto: Freepik

O combate à dependência química é um caminho repleto de desafios, e para as mulheres, esse trajeto tende a ser ainda mais complexo. A busca por tratamento em comunidades terapêuticas encontra entraves culturais e emocionais, especialmente quando elas são mães ou enfrentam pressões familiares e sociais. 

Questões como a responsabilidade pelos filhos e a dependência emocional de parceiros são obstáculos frequentes, como explica a psicanalista Louise Anne Milanez Itaborahi, que atende mulheres na Comunidade Edificar, instituição apoiada pelo Instituto Americo Buaiz (IAB) que fica em Terra Vermelha, em Vila Velha.

Segundo Louise, muitas mulheres evitam o tratamento devido à saudade dos filhos, mesmo quando já estão afastadas deles em função das drogas ou da situação de rua. 

“Elas colocam sempre a questão da saudade dos filhos e a área emocional na frente. Mesmo que não convivam com os filhos, usam isso como justificativa para não permanecer no tratamento”, explica. 

Essa sensibilidade materna e emocional torna a situação mais delicada, diferindo do que ocorre com homens, que geralmente podem contar com a rede de apoio de mães, esposas ou avós para cuidar dos filhos enquanto se tratam.

Um desafio além da dependência

Iniciar um tratamento contra o vício é, para muitas mulheres, um desafio que vai além da dependência em si. 

Os sentimentos de culpa, a preocupação com os filhos e as obrigações familiares dificultam a decisão de buscar ajuda. 

Em comunidades terapêuticas como a Edificar, muitas delas começam a perceber que se cuidar é, na verdade, um passo essencial para poder também cuidar melhor de suas famílias.

Rafael José da Silva, coordenador da Fazenda da Esperança Nossa Senhora da Conceição, em Muribeca, na Serra, outra comunidade apoiada pelo IAB, também reforça a necessidade de envolver a família no processo. 

“Aqui na Fazenda da Esperança, o acolhido recebe toda a dinâmica para se habituar a esse novo estilo de vida, mas a família também precisa participar, pois ela se torna codependente daquele vício”, explica Rafael . 

Para isso, a Fazenda implementa o grupo Esperança Viva (Geve), que realiza encontros semanais para famílias em paróquias e comunidades locais.

“Esse acompanhamento é essencial, pois, ao final do tratamento, tanto o acolhido quanto a família conseguem se ajustar e conversar sobre esse novo estilo de vida”, completa. 

Esse trabalho conjunto entre paciente e familiares visa não só a recuperação individual, mas a criação de uma rede de apoio sólida, capaz de sustentar as mudanças e os desafios do processo de reabilitação.

 “Decidir me tratar foi difícil porque sempre achava uma desculpa — principalmente quando pensava nos meus filhos. Mas aqui comecei a perceber que, para cuidar deles, eu preciso estar bem primeiro. Esse apoio mudou minha perspectiva e me deu forças para continuar”, compartilha uma das mulheres em tratamento, destacando o impacto do apoio emocional oferecido pela comunidade.

Particularidades do tratamento feminino

A Comunidade Edificar reconhece as particularidades no tratamento de mulheres dependentes químicas e busca fornecer uma estrutura adequada para atendê-las.

Paula Martins, gerente executiva do IAB, explica que o apoio à saúde mental e à recuperação da dependência química é uma forma de trazer visibilidade a temas marginalizados e sensíveis. 

As comunidades terapêuticas apoiadas pelo IAB trabalham de forma gratuita e sem o uso de medicações para promover a recuperação dos internos.

Foto: Acervo pessoal

Nelas há um esforço para atender às necessidades médicas e psiquiátricas específicas das mulheres. A psicanalista Louise destaca que é comum que elas cheguem com questões psiquiátricas e necessidades medicamentais, recebendo, então, apoio da comunidade e da família para consultas e aquisição de medicamentos. 

A estrutura de tratamento ainda lida com desafios hormonais, como a TPM e a menopausa, e questões relacionadas à área sexual e emocional, que são marcadas, em muitos casos, por históricos de prostituição.

“Elas sentem muita falta de um parceiro, tanto emocionalmente quanto sexualmente”, comenta Louise, enfatizando que essas questões exigem um tratamento sensível e específico.

Para superar essas barreiras e fortalecer o apoio à recuperação, o trabalho realizado visa oferecer suporte que vá além das necessidades físicas, alcançando o emocional e o psicológico.