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Vício em jogos de aposta: uma epidemia silenciosa que chega em comunidades terapêuticas do ES

Com a crescente popularidade de jogos de aposta, como o “jogo do tigrinho” e apostas esportivas, muitos brasileiros se veem presos em um ciclo de dependência

Kayra Miranda

Redação Folha Vitória
Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

O vício em jogos de aposta, especialmente os realizados online, tem gerado consequências alarmantes para as famílias, tornando-se um problema cada vez mais comum em comunidades terapêuticas localizadas no Espírito Santo, como a Fazenda da Esperança e a Comunidade Edificar. 

Com o aumento do acesso a plataformas digitais e a crescente popularidade de jogos de aposta, como o “jogo do tigrinho” e apostas esportivas (bets), muitos brasileiros se veem presos em um ciclo de dependência. Em especial, pessoas em contextos de vulnerabilidade econômica, como beneficiários do Bolsa Família, são afetadas pelo fácil acesso a essas atividades.

O caminho do vício

O coordenador Rafael José da Silva, da Fazenda da Esperança Nossa Senhora da Conceição, em Muribeca, instituição apoiada pelo Instituto Américo Buaiz, explica que há um perfil predominante entre os atendidos: são, em geral, pais de família entre 25 e 50 anos ou estudantes, que começaram a jogar de forma despretensiosa em celulares, apenas para lazer. 

Entretanto, o prazer inicial rapidamente se torna uma necessidade.

“Essas pessoas começam apostando pequenas quantias, mas o hábito cresce até que o jogo se transforma em um vício, afetando a vida financeira e pessoal”, relata.

A psicóloga Renata Lage esclarece que o vício em jogos segue um mecanismo parecido com o da dependência química

A atividade libera substâncias de prazer e relaxamento no cérebro, que, com o tempo, demanda doses maiores para atingir o mesmo efeito. Ela também destaca uma correlação entre o contexto econômico e o vício: pessoas em situações financeiras delicadas, por vezes, recorrem ao jogo como uma esperança de mudança rápida, mas acabam presas no ciclo da dependência.

O impacto familiar

Para as famílias, o vício em jogos traz sofrimento e tensão constantes. Filhos e cônjuges são frequentemente expostos a comportamentos como mentiras e evasão por parte dos viciados, que escondem o hábito e geram dívidas que desestabilizam a situação financeira da casa. 

“É um problema que afeta a saúde mental de toda a família, levando muitos familiares a buscarem ajuda psicológica para lidar com o desgaste emocional”, afirma Renata.

Como é a jornada terapêutica

Foto: Reprodução

Nas comunidades terapêuticas, o tratamento envolve atividades de trabalho e espiritualidade. A assistente social Gisele Mesquita, da Comunidade Edificar, conta que o trabalho do serviço social é essencial para acolher os dependentes e fortalecer os vínculos familiares. 

“Realizamos oficinas, rodas de conversa e atividades focadas na reinserção social. Embora o vício em apostas ainda não seja tão recorrente quanto o alcoolismo ou o vício em drogas, temos observado uma demanda crescente com a popularização das bets”, comenta.

Para muitos internos, a rotina terapêutica oferece a primeira oportunidade de reconstruir sua vida e restaurar o relacionamento com a família. O coordenador Rafael descreve o desafio de tratar pessoas com esse vício: a falta de entendimento por parte das famílias muitas vezes complica o processo. 

“As famílias não compreendem a gravidade do problema, o que dificulta o apoio e a recuperação. Nosso trabalho é também educá-las para que possam colaborar no processo”, explica.

Relatos de mudança

Em entrevista ao Folha Vitória, uma pessoa que está passando pelo processo contra vício em jogos, mas que preferiu não se identificar, compartilha: 

“No começo, foi difícil aceitar que eu estava viciado. Perdi muito com o vício, mas agora, com o trabalho diário e a ajuda espiritual, sinto que estou recuperando a confiança da minha família.” 

Ela destaca a importância das atividades propostas, que incluem desde oficinas até sessões de reflexão. Essas experiências foram fundamentais para que ela voltasse a ver um futuro positivo.

A gerente executiva do Instituto Américo Buaiz (IAB), Paula Martins, ressalta a importância de expor essa realidade e destaca que a dependência é um problema de saúde que pode afetar qualquer pessoa, independentemente da condição social. 

“No entanto, quando falamos desse público em vulnerabilidade, é importante lembrar que, sem as entidades, não haveria possibilidade de acesso a esses serviços”, completa, enfatizando o papel das comunidades e do Instituto Americo Buaiz na oferta de tratamento e acolhimento para quem não teria recursos para enfrentar o vício.

O desafio contínuo

Foto: Reprodução

Superar o vício em jogos de aposta é um processo lento e doloroso, especialmente para aqueles que se encontram presos em situações econômicas delicadas. 

A popularização dos jogos de aposta online e a facilidade de acesso apontam para um futuro desafiador no combate ao vício. 

No entanto, comunidades terapêuticas como a Fazenda da Esperança e a Comunidade Edificar se mantêm como uma luz para aqueles que buscam um recomeço, oferecendo suporte, estrutura e atividades que restauram a dignidade e fortalecem os vínculos familiares.

O vício em jogos de aposta não afeta apenas o jogador, mas toda a rede de pessoas ao seu redor. Para combater esse problema, é fundamental aumentar a conscientização sobre os riscos e expandir o apoio a iniciativas que oferecem tratamento e suporte, promovendo uma recuperação que restaura famílias e fortalece a sociedade como um todo.