Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) avaliaram a extensão dos impactos da lama para comunidades na foz do Rio Doce após a ruptura da barragem de Fundão, da Samarco, em novembro de 2015. De acordo com o estudo, mesmo separados por 600 quilômetros de distância, moradores no município de Linhares vêm sofrendo consequências sociais, afetivas e culturais em função das profundas alterações causadas pelo desastre em seus modos de vida.
Para o sociólogo Hauley Vallim, um dos coordenadores do estudo, a Samarco leva em conta apenas a dimensão econômica dos danos, e de forma restrita. “A responsável pela tragédia é que está definindo o que é dano e quem deve ser reparado, restringindo esse conceito a quem perdeu diretamente sua fonte de renda ou teve a estrutura da sua casa comprometida, mas no contato com os atingidos, identificamos que os impactos são mais profundos e abrangentes”, afirma.
A investigação contou com análises quantitativas e qualitativas, levando em conta a alteração das atividades rotineiras dos atingidos, como o convívio laboral, familiar e social e os modos de lazer. “A pesquisa fala da relação fundamental das pessoas com o meio ambiente, sua condição afetiva, de lazer e identidade, e isso precisa ser reconhecido como impacto, não só a dimensão econômica, inclusive para outras comunidades afetadas que não foram alvo de estudo”, completa Vallim.
Entre os danos expostos na pesquisa estão prejuízos locais na agricultura, comércio/ turismo, no lazer comunitário, aumento nos gastos domésticos e perda da autonomia financeira ou dependência da Samarco, ampliação dos conflitos entre vizinhos, amigos e familiares, desemprego e endividamento, abalo emocional e males de saúde.
Para comunidades em que 98% da população baseava sua dieta fortemente em peixes e mariscos – e que 66% pescavam o próprio alimento – o impacto da lama para a pesca local é significativo.
“As tradicionais espécies de guaibira, manjuba, robalo e pescadinha garantiam durante o verão uma renda relevante para as famílias de pescadores atravessarem o ano. Pois o verão que se seguiu ao desastre foi igualmente desastroso. Mesmo o pescado capturado antes da chegada da lama não teve saída ou foi vendido a preço muito baixo. Da mesma forma, até hoje os peixes das lagoas não contaminadas em Linhares não recuperaram seu valor de venda”, relataram os pesquisadores.
Diante da situação, os Ministério Público Federal do Espírito Santo (MPF/ES) e Ministério Público do Trabalho (MPT) exigiram da Samarco um auxílio emergencial imediato para todos os afetados pelo desastre. Mas apenas alguns moradores passaram a receber um cartão mensal no valor de uma cesta básica, mais um salário mínimo e 20% por dependente.
“O estudo deixa evidente o quanto os atingidos da foz do Rio Doce são muitas vezes desconsiderados pela empresa Samarco e sua Fundação Renova, o que demonstra as limitações da empresa para tratar de maneira justa o desastre causado por ela própria”, afirma Fabiana Alves, da Campanha de Água do Greenpeace.
Outro lado
Por meio de nota, a Fundação Renova, instituição autônoma e independente criada para executar as ações de recuperação no Rio Doce, disse que considera fundamentais as pesquisas que ajudem a mapear os impactos da tragédia e auxiliem na definição das medidas de reparação em andamento.
“Em relação ao relatório do Greenpeace, a Fundação Renova esclarece que não teve acesso ao estudo citado, entretanto, independentemente da pesquisa, a Fundação executa ações socioeconômicas e socioambientais estabelecidas no Termo de Transação de Ajuste de Conduta (TTAC). Especificamente em Regência, já foram realizadas melhorias nos sistemas de abastecimento de água e na estrada de acesso ao distrito e construção de área de lazer”, comenta a Renova.
Segundo a Fundação, um pacote de projetos será executado na foz do Rio Doce, em Regência e Povoação, nos próximos meses. Todos os projetos foram sugeridos e apresentados para as comunidades envolvidas. Os projetos serão iniciados dentro dos próximos seis meses.
“Entre as ações estão grupos de costura para fomentar a economia local, área de lazer, qualificação profissional para os moradores, horta comunitária, apicultura, rua história, reforma da Estação de Tratamento de Água de Regência e aquaponia, que é a associação do cultivo de plantas com peixes. A mão de obra para a realização das ações será da própria comunidade, por isso a ação de qualificação é uma das prioritárias”.